Arthur Lira avisou que um texto muito “radical” para a nova política fiscal não passa no Congresso. Segundo ele, o texto deve ser “moderado”, com um olho no equilíbrio fiscal e outro na “justiça social”.
Alguém precisa avisar ao presidente da Câmara que o nível das taxas de juros é inversamente proporcional à “radicalidade” da regra fiscal: quanto mais “radical”, menor será a taxa de juros. E vice-versa.
Portanto, se o País não consegue conviver com uma regra “radical” de equilíbrio fiscal, terá que conviver com taxas de juros mais altas. A vida é feita de escolhas.
Após mais de 100 dias da vitória nas eleições (quando o governo Lula efetivamente começou, com a aprovação da PEC da gastança) e 45 dias de sua posse, os formadores de opinião vão notando que algo está fora dos eixos.
William Waack, em artigo de hoje, chama a atenção para o radicalismo irrealista de Lula, movido a um intenso ressentimento. E o editorial do Estadão aponta o tom de palanque do presidente, enquanto seu governo parece perdido. Algo que “não se esperava”, dada a ampla experiência de Lula como governante.
Desde o “agora estou com medo” de Arminio Fraga, a ficha vai caindo a respeito de Lula. William Waack atribui ao tempo na prisão a perda do pragmatismo esperado por quem nele votou. Um pragmatismo, diga-se de passagem, bastante legítimo de se esperar, dado o seu primeiro governo e a aliança com Geraldo Alckmin.
Particularmente, nunca dei esse benefício da dúvida a Lula. Escrevi uma série de artigos demonstrando que as mazelas do governo Dilma tiveram sua origem no governo Lula, que tem uma visão muito primitiva do processo econômico. E a aliança com Alckmin foi feita com a pessoa física, um político ressentido com seu partido e que encontrou uma chance de sobrevivência política. Não foi, portanto, uma aliança programática, algo que pudesse, de fato, influenciar os rumos do governo.
Ainda há quem continue esperando que Lula, um belo dia, acordará pragmático, e começará a governar como o fez em seus primeiros anos. É capaz de D. Sebastião voltar antes.
Nada menos do que 76% dos brasileiros concordam com Lula em sua cruzada para baixar as taxas de juros, segundo pesquisa da Quaest.
Não sei qual a pergunta exata feita, mas imagino que tenha sido algo do tipo: “você concorda com o presidente Lula em sua política para baixar os juros?”. Quem seria contra, a não ser alguns brasileiros desalmados e rentistas, que lucram com a miséria do brasileiro?
Sugiro à Quaest que, em sua próxima pesquisa, refaça a pergunta da seguinte forma: ”você concorda com o presidente Lula em sua política para baixar os juros, mesmo com o risco de aumento da inflação?” Desconfio que o resultado será bem diferente.
Todo mundo quer o céu. Faça a pergunta “você quer ser feliz?”, e receberá 100% de sim. O problema da pergunta feita pela Quaest é oferecer o céu sem custo algum. Quem não quer? Os 14% que não concordaram sabem que não existe almoço de graça.
Se tem algo que essa pesquisa nos revela é a ignorância sobre economia da maioria dos brasileiros, o que nos torna presas fáceis de demagogos como Lula.
O editorial do Estadão sobre a diplomacia petista revela que o governo Biden ofereceu colocar por escrito o apoio à entrada do Brasil na OCDE no comunicado conjunto após a visita de Lula aos EUA. O governo brasileiro vetou.
O editorial coloca o veto na conta do incômodo do PT com “instrumentos de governança pública”. O mesmo incômodo, completo eu, que o PT tem em relação à autonomia do BC, à lei das estatais e à independência das agências reguladoras.
Mas seria injusto dizer que o PT não aprecia todas as “boas” práticas internacionais. Lula, por exemplo, já se mostrou fã das práticas do governo chinês, por exemplo. O mesmo editorial cita a fala de Lula, em que conclama Biden a encontrar um meio de “obrigar” Congressos e empresários a acatarem as suas decisões. Xi Jinping curtiu.
Esse é Lula, esse é o PT. O pacote para “salvar a democracia” vinha junto com essa ojeriza às boas práticas de governança pública e a esse viés autoritário. Muitos se deixaram enganar com Alckmin como vice da chapa, sinal de que, dessa vez, a coisa seria diferente. Não foi por falta de aviso.
Haddad afirma que os juros estão em um nível “fora de propósito”.
Lara Resende diz que os juros estão “errados”.
Como nenhum dos dois se dispôs a dizer quais seriam os juros “certos” ou “razoáveis”, nem compartilharam o seu modelo de determinação dos juros, a coisa soa mais a achismo. E achismo por achismo, também tenho meu palpite.
Também acho que os juros estão errados. A julgar pelos resultados dos últimos dois anos e pelo que se encaminha nesse ano de 2023, os juros deveriam ser ainda mais altos. Se o BC se encaminha para o terceiro ano de não cumprimento de meta, é porque praticou juros abaixo do que deveria. No sistema de metas de inflação, é a inflação que determina se os juros estão “certos” ou “errados”. O resto é só achismo de botequim.
Há uma concordância implícita com essa premissa quando se discute a meta de inflação. Mexer na meta só faz sentido se se acredita que o nível das taxas de juros é função da meta. Ou, mais tecnicamente, do desvio da inflação em relação à meta. Sintomaticamente, Lara Resende pouco menciona a meta em suas entrevistas e artigos. Prefere fazer uma espécie de “taxonomia da inflação”: tratar-se-ia de “inflação de oferta”, não “de demanda” e, portanto, infensa à taxa de juros. Assim, segundo o economista, o BC deveria, neste caso, assistir ao processo inflacionário passivamente, pois não haveria nada a fazer. Nos lembra os bons tempos de Mário Henrique Simonsen e sua “inflação do chuchu”, época em que o governo combatia a inflação “de oferta” na base de controle de preços da Sunab.
Voltando à racionalidade do sistema de metas (sistema este, bom lembrar, que manteve a inflação baixa em boa parte dos últimos mais de 20 anos), um aumento da meta poderia até levar a um alívio da política monetária, mas só na primeira rodada do jogo. O diabo é que trata-se de um jogo com infinitas rodadas. Já na segunda, voltaríamos exatamente ao mesmo problema, só que com uma inflação mais alta. Explicando: o que determina a taxa de juros real neutra da economia é a própria economia, não o Banco Central. Assim, se a inflação está acima da meta (qualquer que ela seja), o BC precisa praticar taxas de juros reais acima da taxa neutra – assim funciona o sistema de metas. Com a meta mudada para cima, a taxa de juros nominal também precisa subir. Se, em um primeiro momento, o aumento da meta faz com que as expectativas fiquem abaixo da nova meta, em um segundo momento todas as expectativas migram para a nova meta, e as velhas mazelas brasileiras voltam a empurrar as expectativas para cima da meta. Voltamos ao ponto inicial do jogo, mas com uma inflação mais alta.
O raciocínio acima é complexo, e é difícil de explicar em uma mesa de bar. Mais fácil colocar a culpa da inflação no chuchu da vez.
O Nobel Richard Taler, especialista em economia comportamental, condensou em seu livro Nudge (que poderia ser traduzido por “empurrãozinho”) as suas ideias de como levar os seres humanos a tomarem melhores decisões de investimento. E não só. Na verdade, ele aborda vários aspectos da vida, e demonstra como pequenos truques podem levar a melhores decisões.
Um dos seus primeiros exemplos é o da alimentação nas escolas. Ele sugere que os alimentos menos saudáveis estejam longe do alcance visual das crianças. De fato, o consumo desses alimentos diminuiu onde o esquema foi testado. Outro exemplo: em um país da África com alto índice de acidentes de ônibus intermunicipais, colou-se um adesivo com os dizeres “grite com o motorista se ele estiver dirigindo muito rápido”. nas costas dos bancos. Ônibus com esses adesivos tiveram menos acidentes.
A isso Taler chama de “arquitetura da escolha”. Certos truques são projetados para que as pessoas evitem os seus instintos ou inércia e tomem a melhor decisão para si. Os críticos desse tipo de “empurrãozinho” dizem que se trata de algo autoritário, pois alguém teria o poder de induzir as decisões que outros tomam, como se soubessem o que é melhor para você. Mas poucos defenderão que crianças comendo porcarias ou ônibus sendo guiados em alta velocidade sejam decisões sábias.
Todo esse preâmbulo vem a respeito de uma frase usada por Luís Eduardo Assis em seu artigo de hoje, sobre o embate entre Lula e o Banco Central. Assis afirma, no melhor estilo libertário, que é legítimo o direito de Lula de errar, e que tal erro seria punido nas eleições de 2026. O que dizer?
A autonomia do BC é uma “arquitetura da escolha”. Com esse desenho, o BC é levado a tomar decisões de acordo com sua missão, que é a de defender a estabilidade da moeda. No entanto, ao contrário dos exemplos de Taler, essa arquitetura não foi definida por terceiros. O próprio Estado brasileiro, através de seus representantes, o fez. Aqui, a coisa se parece mais com os marinheiros do barco de Ulisses, que enchem seus ouvidos de cera para que não escutem o canto das sereias. Trata-se de medida auto-infligida, pois a experiência mostra que, de outra forma, o resultado é desastroso.
Lula, amarrado ao poste do navio pelas cordas da autonomia do BC contra a sua vontade, grita e se esgoela para que seus marinheiros tirem a cera dos ouvidos, pois o canto da sereia do crescimento econômico é belo, e um pouco mais de inflação não faz mal a ninguém. No entanto, ao contrário de decisões que afetam somente a própria vida, Lula quer levar o País inteiro para o desastre. Ciclos eleitorais já se mostraram insuficientes para levar o navio da economia a bom porto. Pelo contrário, ciclos eleitorais avivam a chama do populismo. Por isso, o Estado brasileiro optou pela arquitetura da autonomia do BC.
Estou cansado de ler e ouvir que o Brasil pode se aproveitar de suas florestas e seu clima para surfar a onda da “transição ecológica”, o que quer que isso signifique.
Sei que estarei sendo repetitivo, mas é incrível como aquele episódio dos duendes do South Park é um guia para entender o Brasil. Vejamos:
Etapa 1: temos florestas e fontes de energia limpa
Etapa 2: ?
Etapa 3: ficamos ricos
Lembrando que, na história dos duendes, a etapa 1 consistia em roubar cuecas, o que vem a dar na mesma, dado que não se sabe o que fazer na etapa 2.
Repetimos esse ciclo desde o descobrimento. Tivemos o ciclo da cana de açúcar, do ouro, do café, da borracha e, mais recentemente, do petróleo do pré-sal. Todos eram o passaporte para a riqueza, a sorte grande que nos levaria ao próximo nível. Só que não. Falta a etapa 2.
Continuamos exportando matéria prima, que tornará rico aqueles que conseguem agregar valor (etapa 2). O mesmo vai acontecer (já está acontecendo) com a nossa “biodiversidade”.
Achar que florestas e fontes limpas de energia nos tornarão ricos per si é tão non sense como querer ficar ricos juntando cuecas. Só que menos engraçado.
A professora chega na sala de aula do 9o ano para mais uma aula de Português. Propõe o seguinte tema para a turma:
– Façam uma pequena redação, um parágrafo, sobre a guerra na Ucrânia.
Depois de uma hora de laborioso esforço, Joãozinho entrega a sua redação:
“Precisamos começar um grupo de países que se organiza pela paz. Alguém tem que falar para o Putin e o Zelensky para pararem a guerra. Acho que o Biden tem a clareza que a guerra tem que parar”.
A professora, muito orgulhosa do seu pupilo, elogia a redação:
– Muito bom Joãozinho, sua redação respeita os Direitos Humanos. Guerra é uma coisa muito feia.
Não, essa história não aconteceu, é uma ficção. Mas a redação de Ensino Fundamental é verdadeira.
A autonomia legal do BC tem sido atacada por Lula e pelo PT. Segundo Lula, a autonomia legal seria uma “bobagem”, pois, mesmo sem esssa formalidade, o BC teria sido completamente autônomo durante a sua gestão anterior. A contradição é óbvia: se é para manter a autonomia, que diferença faz se for legal ou não? Por que esse cavalo de batalha em torno da autonomia legal?
O jornalista João Borges, em seu recém lançado livro Eles Não São Loucos, explica porque: Lula efetivamente tentou influenciar a política monetária, e quase demitiu Meirelles mais de uma vez. Recentemente, Lula afirmou que não se metia no trabalho de Meirelles, “mas a gente conversava”. Borges mostra que tipo de conversa o presidente da República mantinha com o presidente do BC.
A autonomia do BC é praticada em todo lugar sério do mundo, mas pouco compreendida por aqui. Afinal, porque uma área de um governo democraticamente eleito teria autonomia em relação a esse mesmo governo? A política econômica do governo eleito não deveria incluir também a política monetária? Além disso, por que manter a autonomia do BC em relação ao governo para jogá-lo no colo do sistema financeiro? Autônomo em relação a quem mesmo?
Há aqui um falso paralelismo entre governo e mercado financeiro. A autonomia deve se dar em relação a quem tem o monopólio de criação da moeda. No Estado moderno, a moeda é lastreada na credibilidade do Estado, que é o único ente que tem o monopólio da força e, portanto, é quem tem o poder de forçar a aceitação universal da moeda em sua jurisdição. No Brasil, a aceitação do real para todas as transações é obrigatória por força de lei. Portanto, é preciso muito cuidado para que não haja abuso desse poder.
Um pouco de história. O governo militar consagrou em lei o chamado “orçamento monetário”, definido pelo CMN. No princípio apenas um instrumento de controle do tamanho da base monetária, com vistas a controlar a inflação, o orçamento monetário passou a ser um instrumento paralelo ao orçamento aprovado pelo Congresso. Seu canal de atuação na economia real era a chamada “conta movimento” entre o Banco do Brasil e o Banco Central. Ou seja, políticas públicas financiadas pelo Banco do Brasil eram automaticamente financiadas pelo Banco Central, que tinha a obrigação de imprimir dinheiro suficiente para cobrir o déficit do BB, de acordo com o orçamento monetário aprovado pelo CMN. Não precisa ser muito esperto para sacar que a coisa se tornou um buraco sem fundo, e se perdeu o controle da emissão de moeda, sendo este um dos motores da hiperinflação que nos afligiu à época.
Portanto, a governança do BC exige que sua autonomia se dê em relação ao seu único “controlador”, aquele que tem o poder de nomear diretores e demiti-los, e quem tem o potencial interesse de imprimir moeda para financiar políticas públicas. É aí que se encontra o real e único conflito de interesses.
O sistema financeiro tem também seus interesses, óbvio, mas não possui os instrumentos de poder que lhe permitam influenciar o BC. O fato de diretores do BC serem, em parte, oriundos do mercado, se deve ao seu conhecimento e experiência, e não configura conflito de interesses. Afinal, quem nomeia é o governo, não o mercado.
Um canal muitas vezes citado de conflito de interesses é o relatório Focus, que seria um instrumento usado pelo mercado para forçar decisões do BC. Segundo esta linha, os bancos chutariam a inflação para cima, de modo a levar o BC a praticar taxas de juros mais altas. Bem, isso seria verdade se fosse verdade. No gráfico abaixo, podemos ver que, de 23 anos de vigência do sistema de metas, o Focus errou a inflação para cima em apenas 7 anos. E quando errou a inflação para baixo, foi muito para baixo, como nos anos de 2002, 2015 e 2020. A julgar por esse histórico, o mercado parece chutar a inflação para baixo, não para cima. Fica difícil defender que o Focus seja um instrumento de “domínio” do mercado financeiro sobre o BC.
Enfim, toda essa discussão é sintoma de um arcabouço monetário ainda muito frágil, que precisa evoluir muito para ganhar a confiança dos agentes e econômicos e, assim, permitir taxas de juros reais mais baixas.