O ministro Luis Roberto Barroso afirmou que a empresa que não provisionou impostos a serem pagos no futuro porque o STF poderia derrubar decisão transitada em julgado, “fez um aposta”.
Sim, essa empresa definitivamente fez uma aposta.
Apostou que cobrança de impostos não poderia ser retroativa à lei (ou ao julgamento) que a determina.
Apostou que havia alguma segurança jurídica no País.
Dilma Rousseff foi escolhida para presidir o New Development Bank (NDB), o chamado “Banco dos BRICS”, com sede na China. Eu era um dos que achavam inadmissível que Dilma não tivesse uma posição de destaque no governo Lula, dada a sua larga experiência nessas políticas que o PT quer implementar. Finalmente foi feita justiça, e Dilma foi nomeada para um cargo chave para o futuro do País. As más línguas dirão que Lula escolheu a China para mandar Dilma porque ainda não há representação brasileira na Lua, então foi o ponto mais distante possível. Pura fofoca, a presidência do NDB é a cara da Dilma. Vejamos.
A ideia inicial do NDB foi lançada em 2012 e o seu início de operação se deu em 2015. Ou seja, dentro do governo Dilma. Seus fundadores (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) entraram com cotas iguais: US$ 2 bilhões em cash, totalizando US$ 10 bi. Além disso, o banco emitiu outros US$ 10,5 bi em bônus de dívida. Foram aprovados os seguintes montantes em projetos até 2021:
– Brasil: US$ 4,9 bi
– Rússia: US$ 4,5 bi
– Índia: US$ 7,1 bi
– China: US$ 7,4 bi
– África do Sul: US$ 5,3 bi
Tota: US$ 29, 2 bi
O total de volumes aprovados supera o de cash+dívida porque esses volumes foram aprovados mas ainda não desembolsados. Corrigindo pelos montantes já aprovados para projetos, cada um dos países têm um capital empatado no NDB até o momento de US$ 5,8 bi. Ou seja, o Brasil gastou (ou está devendo) um montante de US$ 5,8 bi e teve montante aprovado de projetos de US$ 4,9 bi. Portanto, nesses 6 anos, o Brasil gastou (ou vai gastar) liquidamente US$ 900 milhões com o NDB para financiar projetos na Índia e na China, os países superavitários da “parceria”. Belo negócio, a cara da Dilma.
Visto de outra forma: se esses projetos fossem financiados pelo BNDES, teríamos economizado US$ 900 milhões. Mas a criação de “bancos de desenvolvimento” está no DNA de pessoas como Dilma. Por isso, nenhum lugar melhor para a ex-presidenta.
Sociedades em bancos globais de desenvolvimento fazem sentido quando países ricos ajudam países pobres. Por exemplo, no Banco Mundial, segundo o balanço de junho/22, o Brasil entra com 6,9% do total de empréstimos e contribui com 2,1% do capital do banco. Isso acontece porque os maiores contribuidores são os países mais ricos. Qual o sentido de se associar com iguais e uns emprestarem dinheiro para os outros para, no final, todo mundo sair como entrou, a menos da estrutura montada para abrigar pessoas como Dilma?
Sim, Dilma está no lugar certo: longe do Brasil, perto de ideias que queimam o dinheiro do contribuinte.
Hoje, o arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, apresenta a campanha da fraternidade deste ano, sobre a fome, em artigo no Estadão. O articulista começa por constatar o óbvio, de que o problema da fome é um problema de renda. Se as pessoas não têm renda, como vão comprar alimentos suficientes, não é mesmo?
Mas gostaria de destacar uma fala do Papa Francisco, citada pelo arcebispo.
O papa lamenta que “o mercado” tenha transformado os alimentos em uma mercadoria “como outra qualquer”. Substitua “alimentos” por “saúde”, “educação”, “energia”, “água” e uma longa lista de etceteras que compõem as necessidades básicas dos seres humanos, e teremos essa condenação moral estendida a praticamente todos os bens transacionados no mercado, com a provável exceção de joias, iates e jatinhos particulares.
O primeiro passo para não resolver um problema é diagnosticá-lo de maneira incorreta. Tentar resolver o problema da fome demonizando os “mercados” é o caminho certo para piorar o problema, não para solucioná-lo. Vejamos.
Somos bilhões de almas ao redor do planeta. No Brasil, somos mais de duas centenas de milhões. Fazer chegar alimentos para cada um desses seres humanos é um problema econômico de grandes proporções. Trata-se de uma cadeia longa e delicada, que começa lá na produção de sementes, passando pela plantação e colheita, transformação industrial e comercialização na cadeia de varejo. Em cada uma dessas etapas, temos insumos de indústrias químicas, metalúrgicas e petroquímicas, que, por sua vez, dependem de insumos da siderurgia e mineração. Sem contar toda a cadeia logística envolvida em cada uma dessas etapas. Como é inimaginável que todo esse mecanismo trabalhe na base do escambo, é necessário um sistema financeiro que suporte as trocas comerciais em cada um desses elos da cadeia. É neste ponto que os alimentos se transformam em uma “mercadoria como outra qualquer”, sujeitos aos “humores do mercado”, que nada mais são do que respostas a perturbações em cada um dos elos da cadeia de produção.
Essa realidade pode causar um desconforto moral, como causou ao Papa, mas não deveria. É justamente esse mecanismo que permitiu o enriquecimento da humanidade ao longo dos últimos séculos, e que permite alimentar bilhões de pessoas, mesmo que somente uma diminuta fração delas se dedique à produção direta de alimentos. Qualquer tentativa de dotar esse mecanismo de “critérios morais”terá como consequência o inverso do pretendido, como há fartos exemplos na história.
Os governos podem tentar mitigar a situação, através de programas sociais. O orçamento do governo brasileiro totaliza, para 2023, gastos de aproximadamente R$ 2,3 trilhões. Isso dá mais ou menos R$ 50 por dia por cidadão brasileiro que está em “insegurança alimentar” (os 120 milhões da Marina Silva). Com esse montante, dá para comer relativamente bem. O fato de o Estado brasileiro gastar essa montanha de dinheiro e, ainda assim, não conseguir resolver o problema da fome, isso sim deveria ser motivo de indignação. (Sim, eu sei que há muitas outras prioridades que merecem ser destino para os gastos do governo, mas que prioridade é maior do que a fome?)
Nem exigir “moralidade” dos mercados, nem esperar que os governos “resolvam” o problema, irá acabar com o problema da fome no Brasil ou no mundo. Voltando ao início, fico com as sábias palavras de D. Odilo: o problema da fome é um problema de renda. Dizem que o povo não come PIB. No entanto, por algum estranho motivo, o problema da fome é menor onde o PIB per capita é maior. Talvez o povo coma PIB e não estejamos sabendo.
Daron Acemoglu, em seu clássico Porque as Nações Fracassam (já perdi a conta de quantas vezes citei essa obra aqui), descarta a falta de conhecimento do que é certo ou errado em economia como explicação para as coisas erradas que os governos fazem. Acemoglu desfila alguns exemplos de governantes que, apesar de bem assessorados por acadêmicos reconhecidos, tomaram decisões desastrosas em função de escolhas políticas. Além disso, acrescento eu, há certo tipo de convicção enraizada ideologicamente que ignora as evidências mais comezinhas, preferindo se apegar a esquemas comprovadamente desastrosos, que se justificam pelo desejo de se fazer “justiça social”.
Tendo isso em mente, entende-se porque a sugestão de Amoedo é uma completa idiotice.
Lula não adota “políticas corretas” não porque não as conheça, mas porque ou não quer adotá-las (escolha política) ou simplesmente porque não concorda com elas (convicção ideológica). Imagine tentar convencer Lula a assistir uma “aula” com “professores ortodoxos”.
Mas há outros detalhes que tornam a idiotice realmente completa.
Amoedo caracteriza Haddad como uma espécie de “anteparo ortodoxo” dentro do governo Lula, a penúltima esperança de colocar o governo nos trilhos (a última são Alckmin e Tebet, de quem falaremos em seguida). Como se Haddad não fosse uma extensão de Lula, seu mais fiel escudeiro, e não pensasse exatamente da mesma forma. De onde tiraram a ideia de que Haddad é do mainstream econômico???
Alckmin, por sua vez, teria ideias um pouco melhores. O problema é que o ex-tucano serviu para dar à chapa de Lula aquele ar de frente ampla e, agora no governo, serve para sair naquela foto bem enquadrada tirada pelo Ricardo Stuckert, assumindo a cadeira de presidente quando Lula se ausenta. De resto, foi a terceira opção para o ministério da Indústria, e sequer teve a liberdade de nomear o presidente do BNDES, supostamente seu subordinado. Pérsio Arida, seu representante na transição, entrou mudo e saiu calado, estado em que se encontra até o momento.
Tebet, que foi injustamente esquecida por Amoedo em seu tuíte, também foi a última opção no Planejamento, em uma acomodação de última hora. O fato é que, a julgar pela avalanche de discursos populistas nesses primeiros dias de governo, ambos não passam de peças de decoração no ministério.
Pedir a Alckmin e Haddad que juntem alguns dos melhores economistas do País para uma espécie de “Escolinha do Professor Raimundo” com Lula e seus aliados políticos de esquerda é uma piada de mau gosto, um escárnio diante do desastre que vai tomando forma.
O pior de tudo é ver como ainda há quem se iluda com Lula, acreditando que tudo não passa de falta de informação. Talvez umas aulas sobre a natureza de Lula e do PT para Amoedo e todos os iludidos do mesmo naipe pudesse resolver. Quem sabe seja falta de informação.
Em fevereiro de 2013, a blogueira cubana Yoani Sánchez teve a sua palavra cassada por “manifestantes” em um evento na Livraria Cultura. Seu pecado? Criticar o regime cubano.
Em janeiro de 2023, o Centro Acadêmico XI de Agosto pretende cassar o direito de Janaína Paschoal de lecionar nas Arcadas. Seu pecado? Ter apoiado Jair Bolsonaro.
Em ambos os casos, os “manifestantes” se colocam do lado ”certo” da história, e se mostram “intolerantes com os intolerantes”, como se auto-descreve o presidente do XI de Agosto, em resposta aos professores que demonstraram apoio a Janaína. Torquemada não diria melhor.
Coincidentemente, matéria dessa semana na Economist chama a atenção para uma espécie de “bunkerização” da vida acadêmica nos EUA, em que liberais e conservadores cavam suas trincheiras e isolam suas universidades da “má influência” de quem tem ideias contrárias.
Os exemplos que a Economist usa, no entanto, mostram bem onde está o problema. Enquanto as trincheiras dos conservadores estão sendo cavadas por governadores simpáticos à causa, como De Santis na Flórida, as trincheiras liberais têm sua origem dentro das próprias universidades, que, segundo exemplo dado na matéria, aplicam questionários de “pureza ideológica” na admissão de professores. Em um caso, o autoritarismo vem de fora, no outro, nasce no próprio âmago do espaço que deveria ser plural por definição.
A aplicação de questionários DEI (Diversity, Equity and Inclusion) exige respostas padrão em um mundo complexo e confuso, e tem como pressuposto que repostas um milímetro fora do esquadro já denotam um exterminador de judeus em câmeras de gás em potencial. O mesmo padrão se exige em redações do ENEM, em que as respostas devem “respeitar os direitos humanos”, sendo que a régua deste “respeito” está nas mãos dos “intolerantes do bem”.
É preciso dar nome certo aos bois. Por mais que se vejam como o supra-sumo da democracia, os “manifestantes” que calaram Yoani Sánchez e que querem impedir Janaína Paschoal de lecionar (e certamente impedirão, invadindo as suas aulas) são autoritários, que querem impor suas ideias na base da força. O pluralismo e o debate de ideias, que é a própria essência da Universidade, cai vítima da intolerância dos bons. Parabéns aos que plantaram essa semente e cuidaram diligentemente para que germinasse.
Com todas as atenções voltadas para o grande palco da guerra entre Lula e o BC, pequenas batalhas em regiões secundárias acabam não chamando a atenção. Mas o somatório dessas pequenas batalhas acaba por definir o rumo da guerra. É o que temos nessa quase nota de rodapé.
Tive a oportunidade de escrever sobre essa Ceitec em abril de 2021. À época, o TCU barrou o fechamento da empresa pela “ameaça de demissão de funcionários”. A empresa foi fundado por Lula em 2008 e, desde então, nunca gerou lucro. No final, dependia de aportes de mais de R$ 50 milhões/ano para pagar seus funcionários. Era quase como pagar operários para cavar buracos e tampá-los novamente.
É óbvio que Lula reverteria o fechamento da empresa. Para tanto, estabeleceu um “grupo de trabalho” com representantes da AGU e Ministérios da Fazenda, Gestão e Indústria e Comércio, sob a coordenação do Ministério da Ciência e Tecnologia. Olha quantos homens e mulheres-hora estarão sendo desperdiçados na tentativa de encontrar argumentos para manter a empresa aberta. O governo Lula faria bem em poupá-los, dado que a decisão já está tomada, e não tem nada de técnica.
Lula ganhou a eleição e, como afirmou ontem, não precisa pedir licença para implementar o seu plano de governo. Sem dúvida, está no seu direito. Quem não está no seu direito de se surpreender é o eleitor que achou que Lula 3 seria um repeteco de Lula 1. Estava tudo muito claro, desde o início.
Ontem, o senador Randolfe Rodrigues nos brindou com um tuíte indignado, pedindo o “debate” sobre as nossas taxas de juros, pois teríamos algo completamente fora de proporção. No seu curto texto, o senador chama a atenção para o caso da Turquia.
Com esse tuíte, o senador presta um inestimável serviço ao presidente do BC, Roberto Campos Neto. Ao chamar a atenção para a inflação da Turquia, o senador nos lembra a todos o efeito final de um Banco Central leniente com a inflação.
O caso da Turquia é de manual. Vejamos as etapas do desastre:
1) A partir de meados de 2018, o BC turco começa a elevar as taxas de juros, para combater a inflação, que vinha subindo há algum tempo.
2) Em 06/07/2019, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, demite o presidente do Banco Central turco. Segundo Erdogan, as altas taxas de juros praticadas pelo seu banqueiro central eram a verdadeira causa da inflação. Em suas palavras: “Nós dissemos a ele várias vezes para cortar as taxas de juros em reuniões sobre a economia. Dissemos que, se as taxas de juros caíssem, a inflação cairia. Ele não fez o que seria necessário”. Essa história está na edição da Economist daquela semana.
3) O novo BC segue as ordens do presidente e corta as taxas de juros, que estavam em 25%, para 8% no início de 2020.
4) Com os juros muito mais baixos do que o necessário para conter a inflação, começam as pressões para a desvalorização da moeda. Com o objetivo de conter essas pressões, o BC turco começa a vender reservas, que caíram praticamente pela metade (de US$ 80 bi para US$ 40 bi). Seria o equivalente a queimarmos algo como US$ 160 bilhões de nossas reservas para defender o real.
5) Como esse tipo de política tem um limite, o limite chegou. No final de 2021, a lira turca se desvalorizou de maneira dramática, saindo de 8 para 16 liras por dólar (ou 1,50 para 3,00 liras turcas por real). É assim que as crises financeiras acontecem: primeiro, lentamente; depois, de repente. Em determinado momento, todo mundo quer sair ao mesmo tempo, e a porta é sempre estreita. Por isso, é sempre prudente evitar comemorar resultados de políticas econômicas heterodoxas. As consequências podem não vir imediatamente, mas virão com certeza.
6) Com a desvalorização da lira turca, a inflação, que já vinha subindo, explodiu: em dezembro de 2021 e janeiro de 2022, a inflação mensal foi de 14% e 11% respectivamente. Em 2022, a inflação fechou em 65% (a inflação mostrada na tabela do senador Randolfe vai só até novembro; como a inflação de dezembro de 21 havia sido de 14%, a inflação anual caiu em dezembro de 22, pois neste mês a inflação foi menor do que 14%).
Temos, então, o ciclo completo do populismo monetário: redução artificial das taxas de juros, pressão sobre a moeda, queima de reservas internacionais e, finalmente, inflação. O senador Randolfe não colocou a Argentina nessa tabela, o que é uma pena, pois o processo foi exatamente o mesmo. Hoje, a inflação na Argentina está em 95%.
No caso da Turquia, o presidente tinha uma ideia fixa, a de que taxas de juros altas levam a uma inflação mais alta. Não descansou até que conseguiu levar à prática a sua, digamos, teoria. No Brasil, a coluna de William Waack de hoje (O Perigo das Ideias) defende a tese de que o movimento de Lula contra o BC não é somente a busca de um bode expiatório, mas que, na verdade, o nosso presidente, a exemplo de seu par na Turquia, estaria se movendo por certas ideias no campo da doutrina econômica em combinação com o seu “tino político”.
Faria bem o presidente Lula em observar o experimento turco. Agradecemos o senador Randolfe por nos trazer esse caso de manual.
Compilei as primeiras pesquisas de popularidade do novo governo. Até onde consegui identificar, foram três pesquisas até o momento: Atlas/Intel, PoderData e IPEC. Os resultados dos dois primeiros são muito diferentes do terceiro, o que não chega a surpreender. A Atlas indica uma popularidade líquida de +3 pontos, o PoderData de +8 e o IPEC de +24. As duas primeiras parecem fazer mais sentido, dada a ainda intensa polarização do país. Mas, para manter a coerência intertemporal da metodologia, calculei, como sempre, a média aritmética das 3 pesquisas, o que acaba por dar mais peso para as duas primeiras, que são mais próximas entre si. O resultado está no gráfico abaixo, com Lula estreando com 15 pontos de popularidade líquida.
Esse nível de popularidade inicial é a menor da série, com exceção de Temer. Bolsonaro começou com 18 pontos, que era a menor popularidade da série à época. O problema, para Lula, é que a coisa é daí para baixo. Com exceção do início do governo Dilma, todos os presidentes, inclusive Lula, tiveram quedas relevantes em sua popularidade nos primeiros meses de mandato, uma vez finda a lua-de-mel. Para piorar a coisa, o mundo tende a ser um lugar inóspito, a economia vai desacelerar, o espaço fiscal é exíguo para grandes pirotecnias.
Estamos ainda nos primeiros minutos do jogo, ainda é muito cedo para fazer prognósticos. Mas uma coisa é certa: Lula tem baixíssima margem de manobra, e ele sabe disso. Não por outro motivo, já começou a procurar bodes expiatórios para colocar a culpa.
Quando achávamos que André Lara Resende já tinha esgotado o seu arsenal de asneiras, eis que somos surpreendidos pela sua aparentemente inesgotável criatividade. Em artigo de ontem no Valor Econômica, o economista nos brinda com mais “verdades” e “fatos” para contrapor o consenso (só faltou dizer “de Washington”).
Lara Resende começa dizendo (e esse é um dos dois únicos “fatos” usados pelo economista para sustentar sua argumentação) que o governo brasileiro produziu superávit no ano passado. Ora, onde estaria o problema fiscal em vista desse resultado? Aliás, Lara Resende precisa combinar o discurso com o ministro da Fazenda, que insiste em dizer que herdou uma situação fiscal desastrosa do governo Bolsonaro. O articulista afirma que os arautos do apocalipse dão as costas a esse fato para continuarem sua missão de propagar o pânico, com o objetivo escuso de manter os juros altos. Claro que explicar para Lara Resende a diferença entre foto e filme é perda de tempo.
O segundo “fato” mencionado por Lara Resende é simplesmente falso: o tamanho da nossa dívida estaria em linha com a de outros países emergentes semelhantes. Fake, nossa dívida é muito maior. Não vou gastar muito tempo aqui, pois esse é fato sabido e comprovado.
Voltando à questão do alarmismo do mercado, o economista volta ao mesmo ponto de outros artigos: seria contraditório o mercado apontar o risco fiscal da PEC da gastança, quando o aumento dos juros produz gastos muito maiores. Segundo esse raciocínio, se estivesse mesmo preocupado com o risco fiscal, o mercado deveria clamar por redução dos juros. Bem, esse tipo de raciocínio pressupõe que já estejamos em “dominância fiscal”, um estado da economia em que a política monetária (taxa de juros) se submete à política fiscal (gastos com juros). O problema é que, quando se chega nesse estágio, o doente já está em fase terminal, e os médicos se dedicam somente a cuidados paliativos, como, por exemplo, congelamento de preços e controle de capitais. A Argentina é um bom exemplo desse estado da economia.
Ainda segundo o economista, haveria dois tipos de “investidores”: aqueles que investem em capital físico e intelectual (que seriam os investidores de verdade) e os chamados “rentistas”, que investem em títulos públicos ”sem risco”. Essa expressão, ”sem risco” é, obviamente, falsa. Existe o risco, que vou chamar aqui de risco “Lara Resende”, de um doidivanas como ele assumir o BC e colocar em prática as suas teses. Se isso vier a acontecer, a inflação vai comer todo o rendimento dos títulos públicos e mais um pouco. Chegará um momento em que ninguém mais vai querer carregar esses títulos “sem risco”, preferindo títulos denominados em moedas de verdade. Novamente, vide a Argentina.
Mas é na descrição do mercado de títulos públicos que André Lara Resende se supera, e atinge o próximo nível do perfeito idiota latino-americano. Segundo o economista, se o governo se tornasse superavitário e a dívida pública desaparecesse, a economia entraria em profunda depressão!!! Afinal, onde os rentistas aplicariam a sua poupança? Nesse sentido, a dívida pública seria um “bem público”, assim como o são escolas e hospitais, por exemplo. A conversa é tão de loucos que fica até difícil argumentar. É óbvio que, se a dívida pública desaparecesse via calote, a economia entraria em depressão. Mas, se o governo efetivamente pagasse a sua dívida, esse dinheiro seria liberado para atividades muito mais produtivas. A taxa de juros seria muito mais baixa e o potencial de crescimento da economia seria muito maior. Isso é tão óbvio que tenho até certa vergonha de explicar.
Por fim, Lara Resende afirma que o BC determina sim a taxa básica de juros, e poderia colocá-la onde quisesse. Até cita o BC japonês, que “determina” toda a curva de juros, não só a taxa básica, para demonstrar todo o poder que um BC possui. É aqui que identificamos o erro fundamental do economista: o BC (e o mercado) não estão preocupados com o “risco fiscal” per si. O risco fiscal só entra na equação porque pode determinar a inflação no futuro. Aliás, inflação que é a grande ausente do artigo de André Lara Resende. O BC determina a taxa de juros para controlar a inflação, e a expansão fiscal só torna esse trabalho mais difícil. Ao contrário do que diz Lara Resende, o BC não pode colocar a taxa de juros onde quiser. Quer dizer, poder pode. Mas as consequências vêm depois.
Com esse artigo, André Lara Resende se credencia como futuro banqueiro central do Brasil, talvez mais cedo do que mais tarde. Suas ideias devem soar como música aos ouvidos de Lula e Haddad. Lara Resende terá, então, a oportunidade de colocar em prática toda a sua sabedoria baseada em “fatos”. E se der errado, sempre haverá um bode expiatório à mão, nem que seja uma distante “herança maldita”. Nisso o PT é craque.
A última do PT é ameaçar destituir o presidente do BC por incompetência. Afinal, Roberto Campos Neto perdeu a meta de inflação em 2021, 2022 e, provavelmente, vai perder também em 2023. Se acontecer, Campos Neto poderá pedir música no Fantástico.
O irônico dessa proposta está no absoluto contraste entre o alegado motivo para a destituição e o seu verdadeiro objetivo. O alegado motivo é a incapacidade de controlar a inflação. O verdadeiro motivo é reduzir os juros na marra, perdendo, assim, o controle da inflação.
Para que Campos Neto não corresse esse risco de destituição (de acordo com o motivo alegado pelo PT), deveria ter aumentado muito mais a taxa de juros. Ou seja, para manter o seu emprego, o presidente do BC precisaria irritar ainda mais Lula e seu séquito, aumentando ainda mais a taxa de juros para conter a inflação. Um completo contrassenso.
Existe uma ação concertada do PT para desgastar e tentar forçar uma renúncia do presidente do BC, já que destituí-lo, a qualquer título, parece ser difícil. E, se não conseguir, pelo menos já tem um bode expiatório para o seu fracasso.
O problema é que Lula e o PT podem procurar o bode expiatório que quiserem. Quem recebeu votos para resolver os problemas do país foi Lula, não Roberto Campos Neto, como bem lembrou o fiel escudeiro Guilherme Boulos. O povo sabe disso, e vai colocar a culpa do fracasso naquele que recebeu os votos, por mais que o gabinete do ódio petista tente passar a culpa para frente.