Entrevista com o relator do projeto das “fake news”, Orlando Silva. Não li o projeto, mas o deputado passa a impressão de que o seu núcleo consiste na responsabilização das redes sociais.
Há dois anos, escrevi um longo artigo intitulado “Redes Sociais e a busca do censor ideal”. Na época, estava ainda quente o debate sobre as eleições americanas e a invasão do Capitólio. O canal de Alan dos Santos havia sido derrubado pelo YouTube por difundir notícias de fraudes nas eleições, e a discussão era sobre o direito (ou o dever) de o YouTube fazer isso.
Naquele artigo, trago dois depoimentos, ambos coincidentes: o primeiro de Mark Zuckerberg e o segundo de Angela Merkel. Ambos concordam que os critérios de seleção de conteúdo deveriam ser do poder público e não de entidades privadas, que não teriam legitimidade para fazê-lo, principalmente quando se trata da arena política.
Não há aqui “absolutização” da liberdade de expressão. Crimes não são, obviamente, cobertos por esse direito. A questão é determinar quem será o árbitro para definir o que é ou não é crime. Na esfera jurídica, o juiz é esse árbitro que define se houve ou não crime. O que o projeto das fake news quer estabelecer, até onde pude depreender da entrevista do seu relator, é que as plataformas sejam transformadas em juízes de conteúdo, sob pena de elas mesmas serem consideradas criminosas.
Na verdade, as plataformas já fazem isso. Segundo seus termos de uso, não é permitida a postagem de conteúdos envolvendo pedofilia ou racismo, por exemplo. E há uma filtragem ativa, como demonstra a suspensão de Alan dos Santos dois anos atrás. O problema é que pedofilia é relativamente fácil de identificar. Já quando nos movemos para a arena política, a coisa fica mais nebulosa.
Orlando Silva afirma, por exemplo, que a convocação para o 8 de janeiro foi nitidamente uma incitação ao golpe de estado. Bem, essa é uma opinião do excelentíssimo deputado. Vendo as convocações, não me pareceu nada diferente das anteriores. O fato de ter descambado em violência não faz da convocação em si um ato golpista. Nessa linha, fico imaginando que as convocações para as manifestações contra Dilma também seriam taxadas de golpistas, dado que o impeachment, segundo o PT e seus aliados, foi um golpe. Quem vai definir o que é ou não é crime político? É correto exigir que as plataformas se envolvam nesse terreno pantanoso?
O problema da censura (esse é o nome) política é que não existe árbitro isento. Por isso, alguma dose de arbitrariedade sempre irá existir. A questão é qual o nível de arbitrariedade tolerável (se é que há algum nível tolerável) para que se protejam as instituições democráticas. Não se trata de uma discussão trivial, e as plataformas são o menor dos problemas.