Carteirada

Existe uma certa (e natural) reverência pelo “curriculum” das pessoas. Afinal, se a pessoa conquistou um título, é porque deve ser muito merecido. A partir daí, o que a pessoa fala transforma-se em uma espécie de “lei”. O píncaro da glória ocorre quando a pessoa é tratada como “especialista” pela imprensa. Neste ponto, não há o que se discutir, falou, tá falado.

Esta breve introdução vem a respeito de dois personagens que participaram anteontem do seminário do BNDES, que era sobre política fiscal, mas acabou sendo sobre política monetária: Joseph Stiglitz e André Lara Resende. Stiglitz é Prêmio Nobel, enquanto Lara Resende é um dos “pais do Real”. Os perfis de esquerda estão que nem pinto no lixo, repercutindo o “pensamento” dos dois como se fossem as tábuas trazidas por Moisés do Monte Sinai. E ai de você se tentar argumentar com “um Prêmio Nobel” ou com “um dos pais” do plano que simplesmente debelou a hiperinflação no Brasil? Não tem nem por onde começar.

Trata-se de uma falácia, claro. Joseph Stiglitz ganhou o seu Nobel por um trabalho de assimetria informacional, nada a ver com macroeconomia. Além disso, para cada Nobel que defende o que Stiglitz defende, há 10 que defendem o oposto. “Pensamento econômico mainstream” recebe este nome não é à toa.

O mesmo para Lara Resende. Os outros pais do Plano Real (Persio Arida, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Pedro Malan) certamente não concordam com as sandices que Lara Resende vem defendendo. E são igualmente “pais do Plano Real”. Aliás, estão em maioria, como sempre.

A autoridade concedida por um título muitas vezes serve de manto para preferências meramente ideológicas. Economistas (aliás, como qualquer cientista) têm suas próprias preferências, e você encontrará opinião para todos os gostos, sempre com um “carimbo de credibilidade”, dado por um título pomposo.

Como distinguir o certo do errado? Ou, pelo menos, aquilo que mais se aproxima da realidade? O chamado “mainstream”, que é o conjunto das hipóteses mais amplamente aceitas, dão uma boa pista. Nunca se trata de preto no branco, ainda mais quando se trata de uma ciência humana, como a economia. Mas indica mais ou menos a fonte de onde é mais seguro beber.

Além disso, faz sentido observar onde foi aplicado o receituário do “iluminado” que está pontificando, e quais foram os resultados. Depois do que aconteceu aqui mesmo no Brasil entre os anos de 2013-2016, não deveria haver muita dúvida a respeito.

Títulos, sem dúvida, são importantes e indicam que a pessoa, ao menos, tem preparo. Mas está longe de garantir que esteja certa 100% do tempo a respeito de tudo. O argumento de autoridade, desacompanhado de um racional minimamente embasado na realidade, não passa de uma carteirada.

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