Depois de meses de discussões, essa é a primeira vez que vaza alguma coisa concreta sobre o novo “arcabouço fiscal”, que irá substituir a regra do teto de gastos. Este é um primeiro comentário, outros virão na medida em que os detalhes (onde, como sabemos, mora o tinhoso) forem sendo conhecidos.
Por enquanto, a única coisa que sabemos é que haverá um… teto de gastos. O critério, porém, é pior. Ao atrelar as despesas às receitas, a nova regra torna-se pró-cíclica: quanto mais o PIB cresce, mais crescem as receitas e, portanto, maior o espaço para gastar. E vice-versa, se temos um crescimento menor do PIB, ou mesmo uma recessão, menor o crescimento de receitas e, portanto, diminui o espaço para o crescimento de despesas. Na regra anterior, as despesas cresciam nominalmente, independentemente do crescimento do PIB. Assim, quando o PIB crescia menos, as despesas passavam a representar uma fatia maior do PIB, em um movimento contracíclico.
Mauro Benevides, deputado do PDT e unha e carne com Ciro Gomes, afirmou que o caráter anticíclico da nova regra estaria na diferença de 70% do crescimento das despesas para 100% do crescimento das receitas, o que permitiria fazer um ”colchão” no tempo das vacas gordas para gastar no tempo das vacas magras. O problema é que essa dinâmica colide com um dos gatilhos mencionados na reportagem, em que o limite de despesas baixaria a 50% do crescimento das receitas no exercício seguinte em caso de extrapolação do limite de 70% no exercício anterior. Ou seja, o limite de despesas diminuiria ao invés de aumentar, em caso de fraco crescimento do PIB e consequente diminuição de receitas. Entre o repórter e o deputado, alguém não entendeu a regra.
Por fim, parece que haverá metas para o superávit primário. Não ficou claro, do que vazou, se essas metas são somente projeções ou serão restrições que acionarão gatilhos. Neste último caso, teríamos redundância de regras, e não seria realmente necessário ter regras de despesas. Vivemos durante 15 anos produzindo superávits primários sem a necessidade de regras de controle de despesas. Quando as receitas desabaram, a partir de 2013, os superávits sumiram. Qual a chance de qualquer regra de limite de despesa para preservar o superávit primário sobreviver a uma desaceleração forte do PIB? Despesas públicas são, por natureza, incomprimíveis, são como contratos com a sociedade, ninguém aceita abrir mão de “direitos adquiridos”. A regra de teto não sobreviveu quando mais precisávamos dela, e o mesmo vai ocorrer com qualquer regra de limitação de despesas quando a porca torcer o rabo.
As metas de superávit declaradas pelo governo são dacronianas perto do que se alcançaria com a finada regra do teto. Ou seja, a considerar essas metas, a nova regra seria ainda mais dura do que o teto de gastos. A não ser que tenhamos um brutal aumento de carga tributária.