Todos já descobriram o segredo de polichinelo desse novo “arcabouço fiscal”: o ajuste depende do aumento da arrecadação. Como não haverá novos impostos e nem aumento de alíquotas, resta saber como esse aumento de arrecadação ocorrerá. Transcrevo abaixo a fala do ministro, durante o anúncio do arcabouço.
“Nós temos que fazer quem não paga imposto, pagar. E nós temos muitos setores que estão demasiadamente favorecidos com regras que foram sendo estabelecidas ao longo das décadas, e que não foram revistas por nenhum controle de resultado. Muitas caducaram do ponto de vista de eficiência, que vão ser revogadas, e nós vamos, ao longo do ano, e já começando na semana seguinte à apresentação do arcabouço, nós já vamos encaminhar para o Parlamento as medidas saneadoras que vão dar consistência para o resultado previsto nesse anúncio. Nós contamos, portanto, que, aqueles setores que estão muito beneficiados, ou setores novos que sequer estão regulamentados (falava-se muito lá na Câmara e no Senado sobre essa questão das apostas eletrônicas, que vai ser regulamentado), mas esse é um item, esse é um item de uma lista extensa de benefícios indevidos, de fraudes, de todo tipo de coisa que vocês possam imaginar, que vão ser revistas pra fechar os ralos que a gente chama de patrimonialismo brasileiro. Nós vamos ter que enfrentar a agenda contra o patrimonialismo e acabar com uma série de abusos que foram cometidos contra o Estado brasileiro, contra a base fiscal do Estado brasileiro ao longo dos anos. Isso não vai penalizar absolutamente ninguém que está com seus tributos em dia, mas sim há um esforço mundial, mundial, isso não é do Brasil, isso é um caso mundial, de acabar com os abusos que grandes empresas muitas vezes cometem contra os seus Estados nacionais que deram origem a elas. Está cheio de problema, que nós já mapeamos, uma equipe aqui da Receita e do Tesouro, passando em revista a legislação pra que nós soubéssemos identificar onde é que estão os grandes problemas, os chamados grandes jabutis. Não estamos falando dos pequenos jabutis, estamos falando dos grandes jabutis. Esses jabutis realmente é uma manada, um dos maiores rebanhos existentes hoje nesse país é a quantidade de jabuti que foi entrando no sistema tributário e que tornou esse modelo caótico. E isso não tem nada a ver com a reforma tributária que está em curso, que vai sanear outros tantos problemas.”
O plano, portanto, é enfrentar os diversos lobbies presentes no Congresso, para que setores econômicos beneficiados com incentivos fiscais deixem de sê-lo. O problema desse tipo de iniciativa, além dos lobbies, é como os agentes econômicos vão reagir ao fim dos subsídios. Três coisas podem ocorrer:
1) A empresa diminui a sua margem de lucro, mantendo o mesmo volume de vendas, o que aumenta o imposto arrecadado ou
2) A empresa mantém a sua margem de lucro, aumentando o preço do produto, o que pode fazer, a depender da elasticidade, com que diminua a demanda, o que pode ocasionar, inclusive, uma diminuição do imposto arrecadado. No limite, a empresa pode até desaparecer, pois o ponto de equilíbrio entre oferta e demanda com uma rentabilidade razoável pode não ser atingido ou
3) A empresa encontra outra maneira de operar, dentro dos meandros caóticos do sistema tributário brasileiro, mantendo seus lucros sem mexer nos preços dos seus produtos ou serviços.
Sempre que se mexe com impostos, é preciso contar com a defesa dos agentes econômicos, que sempre buscarão formas de maximizar seu lucro. E, no limite, cessarão de fornecer o produto ou serviço. Por isso, qualquer ajuste fiscal que tenha como base aumento de arrecadação é muito incerto. Este será o caso, como na piada, em que o ministro deixa escapar os jabutis.