O senador Omar Aziz quer entender porque o Fundeb está dentro do novo teto de gastos. Vamos tentar explicar.
O Fundeb é um gasto importante. Não, é um gasto muito importante. Tão importante, que, se estiver dentro dos limites do novo teto, empurrará outros gastos para fora. E é isso que Omar Aziz não quer. Ele e seus colegas não estão preocupados com o Fundeb. Eles estão preocupados com os outros gastos, que serão comprimidos pela presença do Fundeb. Porque, claro, o Fundeb é muito importante, e ninguém vai cortá-lo.
Esse raciocínio vale para qualquer outro gasto que fique de fora do teto. O objetivo é que esse gasto não obrigue o corte de outros gastos menos nobres. Mas, afinal, esse é o objetivo do limite de gastos, estabelecer prioridades. Cada gasto que fica de fora do teto, significa que outros gastos vão tomar o seu lugar.
O teto de gastos desse novo arcabouço já é frouxo. Tirar gastos de debaixo do teto deixará a regra ainda mais frouxa. Omar Aziz quer mais espaço para gastar, e se esconde atrás da importância do Fundeb para atingir esse objetivo.
Gabriel Boric, nessa reportagem do Estadão, foi classificado como um político de “centro-esquerda”. Quem te viu e quem te vê! Quando foi eleito, Boric representava o radicalismo da esquerda que havia enchido as ruas em protestos contra Piñera e forçado a convocação de uma Constituinte. Passado o tempo, com uma derrota fragorosa no referendo da nova Constituição e outra na eleição da nova Constituinte, Boric tornou-se a Bachelet de calças. Seu discurso sobre Maduro, hoje, tem mais a ver com a busca de apoio interno em seu país do que propriamente uma posição de convicção. De qualquer modo, demonstra porque o Chile está várias casinhas à frente do Brasil quando se trata de instituições democráticas.
O discurso de Lula, condenado por Boric, é o discurso padrão da esquerda latino-americana, aquele consagrado no As Veias Abertas da América Latina, ou na sua versão sarcástica O Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano. Não tem absolutamente nenhuma novidade. A novidade é Boric, e seu posicionamento civilizado, mesmo que seja somente para agradar a opinião pública de seu país.
“Frente ampla”, assim como “terceira via”, é daquelas categorias políticas que só existem no mundo do realismo fantástico brasileiro. Alckmin no primeiro turno e Tebet no segundo tiveram a missão de embrulhar a candidatura do PT com o papel de presente chamado “frente ampla”, que teria como objetivo livrar o país das garras do anti-democrata Bolsonaro.
O que se viu na eleição, depois de conhecidos os números, foi algo bem diferente. Se a intelectualidade tupiniquim caiu no conto da “frente ampla”, o mesmo não se pode dizer do eleitor médio: apenas 1,8% de votos separou os dois candidatos no 2o turno. O que nos leva a concluir que não existiu apenas uma “frente ampla”, mas duas: a frente ampla anti-bolsonarista e a frente ampla anti-petista, que perdeu para a primeira por uma fração de votos. Por algum estranho motivo, somente a “frente” anti-bolsonarista mereceu este nome.
Lula não perde ocasião de rir na cara de quem acreditou nessa esparrela. O editorial do Estadão lamenta a fala do presidente a respeito de Maduro, afirmando que aquilo implodiria de vez a tal “frente ampla”. Só é possível implodir um edifício que existe, e Lula sabe, mais do que ninguém, que essa história de “frente ampla” é conversa para boi dormir. Ele sabe que pode sair pelado na Praça dos 3 Poderes e estuprar a primeira velhinha que encontrar pelo caminho, que os que votaram nele ainda dirão “pelo menos, é melhor do que Bolsonaro”. O mesmo vale para as barbaridades de Bolsonaro, com o sinal invertido. Não, não temos uma “frente ampla”, temos uma “polarização” entre duas frentes amplas.
Por isso, estranharia muito que Bolsonaro fosse impedido de disputar eleições. O PT perderia seu espantalho, aquele que carreia votos para a sua própria “frente ampla”. Enquanto existir Bolsonaro e bolsonaristas, Lula pode falar e fazer as barbaridades que for, seus votos estarão garantidos.
Você vai a um banco e toma um empréstimo. Para tanto, assina um contrato onde estão definidos o montante emprestado, a taxa de juros cobrada e o prazo para a devolução. A partir daí, é só matemática financeira básica: PMT, dados PV, i e n. Atrasou? Não pagou? Não tem problema matemático, basta calcular os juros sobre as parcelas vencidas, além de eventuais multas previstas no contrato.
Mas na Venezuela não é assim. No maravilhoso mundo do socialismo moreno, a matemática financeira tem outras leis, ditada por uma Comissão da Verdade, que estabelecerá o real montante devido. Note que não estamos falando de simples negociações de desconto de dívida, uma espécie de Desenrola para Maduro. Não. Trata-se de estabelecer a “verdade” sobre a dívida, uma espécie de “auditoria cidadã”. O objetivo é que, no fim do processo, quando e se a Venezuela pagar, que pareça que não houve calote algum. Afinal, o montante pago era exatamente o devido.
Mas o ponto mais divertido desse imbróglio todo é o ar de festa de quatrocentões decadentes, como se os personagens ainda contassem com a riqueza de outrora. Em sua primeira passagem pelo Planalto, Lula podia se dar ao luxo de fazer política chinesa para conquistar e manter aliados, financiando obras de infraestrutura em países amigos. A Venezuela, por sua vez, surfava nos preços altos do petróleo, um período em que tudo parecia possível. 15 anos depois, Maduro depende do escambo com Cuba, enquanto Lula cata moedinhas onde pode para fechar as contas. Alberto Fernández que o diga.
O encontro de Lula com Maduro e a ressurreição da Unasul fazem parte de um teatro ideológico que arranca suspiros dos intelectuais da Vila Madalena, mas tem pouco efeito prático. A região ainda vive a ressaca da esbórnia dos loucos anos 2000, e não tem dinheiro nem para as necessidades básicas, quanto mais para grandes projetos megalomaníacos. Lamento apenas a perda de tempo com tudo isso.
Eu já estava convencido de que a Venezuela não tinha dado calote. Pelo menos, foi isso que disse o ministro da Secon, Paulo Pimenta, que explicou direitinho que o BNDES não financia países, financia as empresas brasileiras. E, se o país não paga a dívida com a empresa, “o seguro cobre”, tudo certo.
Agora, vem o Maduro e diz que vai pagar a dívida! Que é isso, Maduro, não se preocupa não amigo, o “seguro já cobriu”, a dívida já foi quitada, você não deve mais nada não, fica tranquilo, pode se dedicar a criar as suas narrativas em paz, sem stress.
E o Maduro ainda vai criar uma “comissão” pra determinar o tamanho da dívida. É muito boa vontade, olha, se todo mundo fosse igual ao Maduro, assim, honesto, o mundo seria muito melhor. Bem fez o Lula de trazê-lo aqui para o Brasil, é de exemplos assim que precisamos.
Reportagem sobre a inadimplência dos 60+. A matéria inicia afirmando que “inflação, juros altos e crescimento econômico fraco” têm obrigado os mais velhos a se endividarem para ajudar os mais jovens. Daí, para ilustrar, a repórter pega o exemplo de um idoso que se endividou porque resolveu construir um imóvel!
Mas, tirando a inadequação do exemplo pretendido, a história está longe de ser incomum: o cidadão toma uma decisão de gasto sem o devido planejamento, e depois culpa “a inflação, os juros altos e o crescimento fraco” pelas suas desventuras. Isso vale para os idosos e para os jovens que os idosos ajudam.
O curioso é que, em determinado ponto da reportagem, o idoso cita o 13o do INSS como a “tábua de salvação” para dar um alívio nas suas dívidas, mas não menciona a possibilidade de vender o terreno que a esposa herdou. Isso é muito comum, as pessoas resistem a se desfazer de patrimônio, enquanto se afundam nos juros do cartão de crédito. Não percebem que adiar a solução do problema só faz piorá-lo. Ficam à espera do “13o salvador”, e não tomam a decisão difícil, mas que resolverá o problema de maneira definitiva.
A inadimplência só muito raramente tem origem em um “acidente de percurso”. E, menos ainda, das condições macroeconômicas do país. Essas condições somente trazem à tona mais rapidamente uma situação, em si, insustentável. Ou é normal a pessoa pegar R$ 50 mil de empréstimos tendo renda de R$ 3 mil? Claro que não é sustentável, independentemente das condições macroeconômicas. Mas é mais fácil culpar a inflação e os juros altos.
Por mais que eu tente me acostumar, ainda fico espantado com o grau de amadorismo e improvisação desse governo na área econômica. Esse anúncio de incentivo ao carro popular bateu o recorde: anunciado com pompa e circunstância, sequer foi desenhado ainda. Haddad vai precisar parar de se dedicar ao Desenrola por uns dias para fazer as contas da renúncia fiscal do carro popular.
Mas queria chamar a atenção para outros dois pontos aqui. O primeiro é a fixação de Haddad na política monetária. A história do Brasil se dividirá, segundo o ministro da Fazenda, em duas eras: antes e depois do início da queda dos juros. Depois que os juros começarem a cair, o Brasil se tornará um lugar onde correrá o leite e o mel. Antes disso, no entanto, é preciso dar refrigério para a miséria humana, provendo incentivos para a compra do carro popular pelo brasileirinho. Mas isso só enquanto a era de Aquarius, quer dizer, dos juros baixos, não chega.
O segundo ponto é a modéstia do programa, “3 ou 4 meses”. Notaram que está sendo tudo assim no governo Lula? Já escrevi aqui sobre o novo Minha Casa Minha Vida: com R$ 9 bilhões de funding, dá, quando muito, para palitar os dentes. O fato é que o cobertor está muito curto para todos os sonhos megalomaníacos de Lula. Os primeiros mandatos do PT foram marcados por projetos gigantescos, financiados pela abundância de capitais da época. Acabou. O dinheiro está contado. Então, para fazer de conta que ainda pode fazer as mesmas coisas, Lula faz, mas sempre em escala diminuta. Faz-me lembrar o Mini Mundo, um parque com uma cidade em miniatura que fica em Gramado. Está tudo lá, mas só serve para a diversão da petizada. Os programas mini do governo só servem para a diversão da petezada, que fica com a sensação gostosa de que está mudando os rumos da economia do país.
Acima, apenas um pequeno potpourri de notícias dos jornais de ontem e hoje, a respeito de um tema candente: benefícios fiscais e creditícios. São 4% do PIB só de benefícios fiscais, fora o crédito subsidiado, que a Receita não computa.
A distribuição discricionária de benefícios fiscais e creditícios parte do pressuposto de que o Estado tem o dom de escolher os beneficiários de acordo com o benefício gerado para o país como um todo. Não há um único mísero estudo sistemático que prove este ponto. Na verdade, os beneficiários são escolhidos de acordo com o viés ideológico do governo de plantão e com o poder do lobby no Congresso.
A lista de beneficiários de isenções fiscais é encabeçada pela Vale. Seus projetos se dão dentro do âmbito da SUDAM e da SUDENE. Vai convencer as bancadas do Norte e do Nordeste a encerrarem esses benefícios.
O super-hiper-moderno-e-eficiente setor do agronegócio não sobrevive sem o Plano Safra. E a indústria agora será a beneficiária de um novo plano de neoindustrialização nacional, anunciado ontem com pompa e circunstância em artigo no Estadão pelo presidente. O que incluirá, obviamente, muitos subsídios e crédito “mais barato”, a começar pelo crem de la crem da indústria, as montadoras.
A lista de empresas do Haddad soma apenas R$ 50 bi em isenções, de um total de R$ 400 bi. Falta muita coisa: regime do simples, isenções do IR e uma longa lista de etceteras. Se é para acabar com as isenções, que seja de tudo. Mas, claro, cada beneficiário defenderá com unhas e dentes os seus benefícios, destacando o quanto fazem bem ao Brasil, mesmo que não haja nenhuma evidência científica para tal afirmação.
Eu tenho um sonho: usar esses 4% do PIB para diminuir horizontalmente a carga tributária de todas as empresas. Não tenho dúvida de que o efeito positivo sobre o crescimento econômico seria muito maior. Mas este é apenas um sonho.
O presidente e o vice-presidente da República fizeram publicar um artigo no Estadão de hoje. Trata-se de importante peça, que deve ser lida com atenção. Muito se reclamou que Lula não explicitara seu programa econômico antes da eleição. Pouco menos de 5 meses após a posse, aí está. Neste artigo, Lula descreve o que de mais importante pretende fazer na seara econômica durante o seu governo. Essa é a boa notícia. A má, é que, depois de ler, não me ocorre outro ditado do que “a ignorância é uma benção”.
Optei por comentar trecho por trecho, pois trata-se de artigo em que o presidente e o vice-presidente desfilam, parágrafo após parágrafo, todas as suas várias ideias equivocadas sobre como funciona a economia.
O primeiro parágrafo já começa com uma imprecisão e uma mistificação. A imprecisão está no uso da palavra “anos” para caracterizar o período de encolhimento da indústria no PIB. A palavra correta seria “décadas”. O pico da participação da indústria no PIB foi na década de 80. A partir de então, só fez diminuir, inclusive durante os “anos de ouro” do governo PT, em que abundaram “políticas de incentivo à indústria”, as mesmas que estão sendo apresentadas agora como grande novidade. A mistificação é o termo “emprego de qualidade”. Aqui vou fazer uma pequena digressão.
Quando se defende a indústria por criar “empregos de qualidade”, ou se demoniza os aplicativos por “precarizar os empregos”, o foco está na DEMANDA por mão de obra. O raciocínio é sempre esse: precisamos criar demanda por “empregados de qualidade” e suprimir a demanda por “empregados precários”. O problema, no entanto, está na OFERTA de mão de obra. O Brasil simplesmente não cria suficiente mão de obra de qualidade. Pergunte a qualquer empresário a dificuldade de se encontrar mão de obra com a qualificação necessária, principalmente em áreas de exatas. Formamos psicólogos, advogados e sociólogos a rodo, enquanto faltam engenheiros e técnicos. Quando, por outro lado, empresas como o Uber oferecem uma opção de fonte de renda para essas pessoas sem qualificação, são demonizadas, como se fossem elas as culpadas pela vergonhosa falta de qualificação da nossa mão de obra. Nunca se discute produtividade da mão de obra, mas somente os seus “direitos sociais”, que serão pagos por alguém, independentemente da geração de valor do trabalho.
Continuemos. A seguir, os autores afirmam, corretamente, que o Brasil está perdendo a corrida da sofisticação tecnológica, e citam o exemplo da China, que fez o caminho inverso. Seria interessante que explorassem um pouco mais esse exemplo. Lula/Alckmin afirmam que a China foi capaz de levantar centenas de milhões de trabalhadores da pobreza. O que eles não contam é que o trabalhador chinês está longe, muito longe, do tal “emprego de qualidade” que eles sonham para o brasileiro. Eles têm uma fração dos “direitos sociais” com que os trabalhadores daqui contam, além de enfrentarem jornadas de trabalho que fariam um entregador do iFood parecer um bon vivant. Não tem dúvida de que o trabalhador chinês hoje está muito melhor do que há 3 ou 4 décadas. Mas isso aconteceu também no Brasil, entre as décadas de 30 e 70 do século passado, quando houve uma urbanização intensa do país. O próximo passo é que é o complicado, que é a formação dessa mão de obra. Nisso a China se saiu muito melhor, basta ver os exames internacionais de proficiência. Mas, certamente, Lula olha para a “política industrial” da China, não para a sua “política social” ou mesmo sua “política educacional”. Como se uma coisa prescindisse das outras.
A seguir, nossa dupla dinâmica entra na seara que mais lhes interessa, que é montar o seu país no Sim City. Então, devemos ser “criteriosos” em estimular que setores em que já tenhamos know how caminhem para produzir mais “valor adicionado”. Acho graça quando ouço esse termo, como se fosse algo mágico, uma espécie de varinha de condão, e não o resultado de muito capital de risco e mão de obra especializada. Claro, e não poderia deixar de haver a menção ao “conteúdo nacional”, como “até” os países desenvolvidos estão fazendo. Ou seja, continuaremos a ser um país fechado, reinventando a roda com nossos parcos recursos.
Mas é a seguir que Lula/Alckmin revelam o plano em todo o seu esplendor. Um tal de Conselho Nacional de Desenvolvimento Nacional vai dar “missões” para a indústria brasileira! Uau! Não consegui deixar de lembrar do agente 86, recebendo uma missão do Controle. Como pode, depois de décadas de “políticas industriais” que alguém ainda defenda que o governo pode dirigir investimentos produtivos de maneira eficiente. E já sabemos que há um programa novo de incentivos na praça, o Padis, para estimular a produção de semicondutores, hoje uma commodity. Quando vejo uma nova sigla, já sei que, daqui a alguns anos, será a plaquinha na porta de um armário onde estará guardado um esqueleto em decomposição. Não falha.
Ah, e tem a política comercial também. Porque, sabiamente, Lula&Alckmin nos informam que, além de produzir, precisa vender. Vender para quem? Para quem tem dinheiro? Naaaao! Para os pés rapados dos nossos vizinhos e da África. Essa é a “nova política comercial”. Que, claro, deverá envolver “linhas de financiamento” do BNDES. Afinal, como você vende para alguém que não tem dinheiro? Outro dia, comentei aqui que a China está passando por problemas de calote, principalmente na África. Queremos tomar o lugar dos companheiros chineses nessa missão.
Em seguida, vem o mambo jambo dos “investimentos verdes”. O Brasil estaria posicionado para receber investimentos porque tem “energia limpa”. É a versão moderna do “aqui, em se plantando tudo dá”, de Pero Vaz de Caminha. Todo dirigente brasileiro, e uma parcela relevante do povo brasileiro, acredita piamente que as nossas “riquezas naturais” (e nossa matriz de energia é limpa porque fomos abençoados com uma quantidade imensa de rios, sol abundante e ventos) são suficientes para nos fazer ricos. Segundo Lula&Alckmin, ter “energia limpa” seria condição suficiente para atrair investimentos, quando, na verdade, é condição apenas necessária, e talvez nem isso.
Para o agronegócio, haverá um Plano Nacional de Fertilizantes (PNF, outra sigla). Não custa lembrar que as maiores minas de produção de potássio estão no Amazonas, perto de terras indígenas. Mais um embate titânico no governo à vista?
Quase no final, como quem havia esquecido o assunto e foi lembrado, a dupla Lula&Alckmin faz menção a “medidas horizontais”, citando a reforma tributária como o elixir mágico que curará a sua unha encravada e todos os males da economia brasileira. É nesse parágrafo que os autores mencionam, pela única vez em todo o artigo, o “custo Brasil”. Um único parágrafo para endereçar o que realmente é o problema brasileiro e deveria ser o foco e o guia para todo o resto. É sintomático.
Claro, não poderia deixar de haver menção à “redução do custo do capital”, deixando claro que o governo já fez a sua parte com a aprovação do novo arcabouço fiscal. Só pode ser piada, não é possível que acreditem que esse arremedo de teto de gastos seja suficiente para reduzir o alto custo de capital no Brasil, que tem várias origens, sendo a insegurança jurídica a não menor delas. Óbvio que Lula&Alckmin querem jogar a bomba no colo do BC, nesse caso.
Ah sim, e tem o “investimento nas pessoas”. Afinal, como dissemos acima, sem mão de obra qualificada, nada feito. E quais são esses investimentos? Bolsa Família e aumento do salário mínimo! Não sei se choro de rir ou choro de chorar mesmo.
O último parágrafo encerra com a tese inicial, para que ninguém tenha dúvida do que estão falando: a indústria será o condutor da política econômica. O Brasil retomará a linha de produção de esqueletos e zumbis que ainda hoje assombram as contas públicas sem terem movido um milímetro sequer o ponteiro da industrialização brasileira. Está aí, escrito, preto no branco, para que ninguém possa alegar ignorância depois.
Entrevista de página inteira, hoje, no Valor Econômico, do embaixador da Argentina no Brasil e pré-candidato à presidência, Daniel Scioli. Destaco abaixo dois trechos de interesse.
Antes de comentar, devo dizer que, ao ler a entrevista, não pude deixar de lembrar o caso de um grande amigo meu, sempre, sempre, sempre em dificuldades financeiras. Esse meu amigo sempre está envolvido em “grandes negócios”, que vão dar a receita mais do que suficiente para ele sair da enrascada em que se encontra. É um eterno otimista, o pote de ouro está ali na esquina, sem risco. Vive do favor de amigos e da família (que é abastada), e só a muito custo corta despesas incompatíveis com sua renda. Essa é a Argentina de Scioli.
No primeiro trecho, o embaixador afirma que não há “nenhum risco” de as empresas argentinas não conseguirem pagar pelas importações de produtos brasileiros, pois “ano que vem” a safra será maravilhosa e todos os problemas do país, que são apenas conjunturais, terão ficado para trás. É ou não é o meu amigo? Cita o exemplo da China, que tem aceitado yuans no comércio. Como se o problema fosse a moeda em que a importação é paga, e não o risco de não arrumar yuans (ou dólares, ou euros ou reais ou qualquer outra moeda que não seja o peso argentino) para pagar pelas importações.
No segundo, Scioli dá a sua receita para a Argentina sair da crise: “desenvolvimento”. O crescimento econômico dará jeito em tudo, inclusive na crise fiscal, pois o aumento da receita evitará o corte de “direitos sociais”. Novamente, temos o meu amigo dizendo que a solução para os seus problemas é “fechar o próximo grande negócio”, e tudo vai dar certo.
A Argentina é problema dos argentinos. O mundo é grande, e se nossos empresários tiverem dificuldades para vender seus produtos para os nossos vizinhos, certamente encontrarão outros mercados neste vasto mundo. O que realmente me preocupa é que essas ideias de Scioli são exatamente as mesmas que agora nos presidem, a nós, brasileiros. A diferença é que estamos com a casa mais bem arrumada, então ainda demorará para que este tipo de mentalidade nos leve ao poço onde hoje estão los hermanos. Mas o caminho é este, sem dúvida: disciplina fiscal frouxa, política monetária frouxa, desenvolvimento via incentivos do Estado ao invés de reformas microeconômicas. Não vamos virar uma Argentina amanhã. Mas o caminho é este.