Chamou-me a atenção uma foto de uma matéria de O Globo, mostrando um gramado em frente ao Congresso, com mochilas escolares espalhadas. A legenda nos informa que se trata de um movimento (não nomeado) que teria colocado os objetos para “lembrar as vítimas dos massacres em escolas”, de modo a pressionar pela aprovação da lei das Fake News.
A foto, sem dúvida, é tocante, e parte do pressuposto de que os massacres em escolas têm relação com as redes sociais. Portanto, seria necessária a regulação das redes para que tragédias desse gênero fossem evitadas.
Estamos, obviamente, chocados pelos últimos eventos ocorridos (a facada na professora e o assassinato das crianças na creche). Mas, como qualquer correlação, precisa-se provar relação de causalidade entre os dois eventos. Aliás, antes disso até, é necessário que se prove a correlação.
No Brasil, felizmente, não temos um número de eventos desse tipo que nos permita fazer qualquer inferência. Vamos, então, para os EUA, a terra das redes sociais e dos tiroteios em escolas. O Washington Post publicou recentemente uma estatística com todos os eventos desse tipo desde o massacre de Columbine, em 1999. Além disso, o site Our World in Data tem uma estatística de quantos lares americanos usam redes sociais desde 2005 (o Facebook é de 2004) até 2019. Fiz então um gráfico com as duas variáveis para tentar observar alguma correlação (gráfico 1).
Podemos observar algumas coisas interessantes:
1) Houve 359 tiroteios entre 1999 e 2022, dos quais 58 (16%) ocorreram sem que houvesse a existência de redes sociais.
2) Há uma certa estabilidade no número de eventos entre 2005 e 2016, mesmo com a explosão do número de usuários de redes sociais.
3) Há um salto no número de eventos a partir de 2018 (com exceção de 2020, ano da pandemia), depois que o número de usuários se estabiliza no patamar atual.
A relação entre número de eventos e número de usuários, se houvesse uma correlação perfeita, deveria ser constante no tempo. O que observamos, no entanto, é que há grande variação ano a ano (gráfico 2), variando entre 0,03 e 0,22 eventos para cada milhão de usuários (tirei os anos de 2004 e 2005 pois os números ficam distorcidos pelo pequeno número de usuários).
Por fim, a correlação (gráfico 3). Podemos observar que há uma leve tendência de aumento de eventos na medida em que aumenta o número de usuários: são 5 eventos adicionais para cada 100 milhões de usuários adicionais (p-value desse coeficiente de 0,6%). O r2 é de 0,3. Portanto, há alguma correlação, ainda que fraca. Falta, obviamente, provar a causalidade.
Esse foi um exercício simples, feito em alguns minutos, sem muito rigor. Seria interessante ver algo mais elaborado, considerando outras variáveis que poderiam explicar os eventos. De qualquer modo, parece uma apelação sensacionalista, que tem como objetivo usar essa suposta e longe de estar provada causalidade para mexer com os sentimentos da opinião pública e dos deputados. Mas essa manipulação o Ministério da Justiça e o STF não irão multar.