A matemática é cruel

Tem muito frenesi sobre hidrogênio verde ultimamente. O Brasil seria candidato a ser grande produtor do combustível, por contar com uma matriz de geração de energia elétrica menos poluente. Para quem não sabe, o hidrogênio verde recebe esse nome porque, para a sua produção, só é usada eletricidade com origem “verde”, ou seja, de combustíveis não fósseis. O hidrogênio do mal recebe outras cores.

Fui tentar entender onde estamos nesse assunto. Fiz uma rápida pesquisa na internet e descobri alguns números interessantes. Por exemplo, para se produzir 1 kg de hidrogênio verde são necessários 55 kWh de energia. Esse número em si não quer dizer muita coisa, mas se juntarmos com a informação de que a bateria de um Tesla precisa de uma carga de 80 kWh de energia para ficar completa, concluiremos que uma bateria de Tesla equivale a aproximadamente 1,5 kg de hidrogênio.

Pois bem. Se a autonomia de um Tesla com essa bateria é de 500 km, qual seria a autonomia de um automóvel movido com 1,5 kg de hidrogênio? Considerando a informação da reportagem de que o poder calórico do hidrogênio é de 3 vezes o da gasolina (1 kg de hidrogênio = 3 kg de gasolina), e que cada litro de gasolina pesa mais ou menos 0,75 kg, podemos afirmar que 1 kg de hidrogênio equivale a mais ou menos 4 litros de gasolina em termos de poder calórico. Considerando um consumo de mais ou menos 8 km/l de gasolina, um tanque de 60 litros equivaleria a mais ou menos uma bateria de 80 kWH, ambas podendo rodar 500 km. Se 1 kg de hidrogênio gera o mesmo poder calorífero de 4 litros de gasolina, então teríamos que ter um tanque de 15 kg de hidrogênio para andar os mesmos 500 km. Ou, de outra maneira, cada 1,5 kg de hidrogênio serve para andar 50 km, 10 vezes menos do que a bateria de lítio que usa a mesma quantidade de eletricidade. Visto de outra forma, se para gerar 1 kg de hidrogênio são necessários 55 kWh de energia elétrica, para 15 kg seriam necessários 825 kWh . Ou seja, para andar 500 km, um Tesla gasta 80 kWh enquanto um carro movido a hidrogênio gastaria 825 kWh. Peço a alguém entendido no assunto que confira as contas acima.

Mas não é só isso. Em 2022, foram produzidos 28.700 TWh de energia elétrica no mundo. Se para andar 500km são necessários 825 kWh, o total de energia elétrica produzida no mundo poderia mover todos os carros, por ano, por cerca de 17,4 trilhões de quilômetros. Para os aproximadamente 1,4 bilhões de carros no mundo, isso equivaleria a cerca de 12,4 mil km/ano. Ou seja, se toda a eletricidade do mundo fosse transformada em hidrogênio, isso seria o suficiente para que cada carro rodasse por pouco mais de 10 mil km/ano.

Mas, obviamente, trata-se de um hipótese heróica. Não podemos abrir mão de toda a eletricidade do mundo só para mover carros. Além disso, grande parte da eletricidade é gerada de fontes sujas, que não servem para produzir hidrogênio verde. De todas as fontes de eletricidade, somente 39% são de fontes “limpas”. Então, a conta seria de 4,8 mil km/ano/carro se toda a energia elétrica limpa fosse transformada em hidrogênio verde.

As contas acima, se estiverem corretas, mostram que estamos longe, muito longe, de ter um substituto para a bateria de lítio, quanto mais para o petróleo. Obviamente, não se trata de desmerecer iniciativas como a do hidrogênio verde. Um dia teremos tecnologia para que esse combustível seja economicamente viável. O problema é achar que estamos às portas de uma revolução, quando, na verdade, estamos muito distantes. E o pior é que, por mais que tenhamos crescimento na geração de energia limpa, a demanda por energia, essa danadinha, cresce ainda mais rápido, fazendo com que a geração de energia suja mantenha seu crescimento. E se a demanda por hidrogênio verde aumentar, adivinha, não vai ter como manter a oferta de energia elétrica sem aumentar a geração de energia suja.

Bem, tudo isso pra dizer que palavras são bonitas, mas no final do dia o que importa é a matemática. É ela que vai definir qual tecnologia será adotada. Discursos inflamados e chamadas para a ação não substituem uma boa conta econômica. E, no caso do hidrogênio verde, a julgar pelos números acima, ainda temos muito a caminhar até chegar lá.

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