Jornalismo raso

A jornalista Eleiane Cantanhêde avisa: os bolsonaristas vão se arrepender de terem insistido na instalação da CPMI dos eventos de 08/01, que ela chama de “CPMI do golpe”. Toda a coluna de hoje serve para provar a tese, repetindo tudo o que já sabemos: a existência de uma “minuta do golpe” e as mensagens sobre a trama trocadas entre auxiliares próximos do ex-presidente.

Fico cá pensando com meus botões: o que faz o Estadão ainda manter entre seus colunistas alguém tão limitada como Eliane Cantanhêde? Sim, porque uma coisa é defender ideias com as quais pode-se não concordar, mas que contam com alguma lógica interna. Outra, é desfilar platitudes que ficam no térreo da análise, sem conseguir nem ao menos descer ao primeiro subsolo dos fatos, o nível mais óbvio de qualquer análise. Aliás, nem mesmo como “jornalista de bastidor” a colunista serve, pois é raro haver elementos de bastidor em suas colunas. É só análise rasa mesmo.

No caso em tela, todos os fatos listados pela jornalista já são de conhecimento público há muito tempo. O que uma CPMI mudaria exatamente? Por que esses mesmos fatos fariam os bolsonaristas se “arrependerem” da convocação da CPMI? Mistério.

Cantanhêde não desce ao primeiro subsolo mais óbvio: quem lutou com unhas e dentes pela não instalação da CPMI foi o governo, não os bolsonaristas. Só não conseguiram seu intento porque um vídeo comprometendo o ajudante de ordens de Lula vazou na CNN, tornando irresistível o movimento pela instalação. Aliás, há alguns dias, editorial do Estadão reclamava que, até o momento, os vídeos das invasões não foram liberadas pelo governo e pelo STF, apesar de ordem em contrário do próprio Alexandre de Moraes. Cabe a dúvida legítima: será que o governo não queria uma CPMI pois esta tem autoridade para requisitar todos os vídeos daquele dia? O quadro descrito por Cantanhêde já conhecemos. A pergunta é: o que não conhecemos?

O mundo é bem mais do que a luta entre o “bem” e o “mal”, fato que um bom comentarista político, verdadeiramente isento, deveria saber de cor. Que foram bolsonaristas os que invadiram as sedes dos poderes parece não haver dúvida. O que ainda está para ser esclarecido é o papel das autoridades do governo Lula nesse episódio. Um crime tem autoria, ocasião e beneficiário. As duas primeiras características estão mais ou menos claras. A CPMI poderá jogar luz na terceira.

Cantanhêde assumiu o compromisso, juntamente com outros jornalistas, de “defender a democracia”, o que se traduz em colocar Bolsonaro como o inimigo número 1 do país, mesmo que isso signifique repetir bovinamente fatos já conhecidos. Assim como um STF que “defende a democracia” faria melhor em defender a justiça, jornalistas prestariam um melhor serviço se esquecessem essa estória de “defender a democracia”, e simplesmente defendessem os fatos.

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