Acabei de ler, há alguns dias, Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Sim, incrível que, depois de décadas usando referências da obra, somente agora tenha me dado conta de que nunca a tinha lido. Há muitos e muitos anos assisti ao filme, mas era muito novo e não alcancei todo o seu significado. Além disso, filme é filme, livro é livro.
Escrito há 90 anos, Admirável Mundo Novo nos coloca dentro de uma sociedade em que tudo é planejado para que as pessoas fiquem satisfeitas com o lugar que lhes cabe. Para isso, a engenharia genética produz embriões formatados, que serão, uma vez nascidos, condicionados, durante anos, de acordo com a sua função na sociedade.
A trama esquenta quando um selvagem é trazido para o seio dessa sociedade. Por “selvagem”, entendemos alguém como eu e você, nascido de mãe e criado livremente. O interessante é que as referências que o selvagem usa se limitam a uma coletânea de obras de Shakespeare, única leitura de sua vida e que ele decorou. O próprio nome da obra de Huxley, Brave New World, é uma citação de uma das obras do mestre inglês (O Brave New World, that has such people in it). Praticamente todas as suas falas são citações de Shakespeare.
O uso de Shakespeare não é acidental: poucos como o bardo conseguiram traduzir a eterna alma humana, suas contradições e grandezas. O selvagem representa a natureza humana no que tem de pior e melhor, em contraste com homens e mulheres programados para serem felizes. No final, a grande discussão da obra é o preço da felicidade sem limites.
A sociedade humana, liderada pela ciência, caminha em marcha batida para um mundo de prazer sem dor, em busca dessa felicidade sem limites. Aldous Huxley levanta levemente a cortina para observarmos um mundo assim.
Um artigo até certo ponto surpreendente de Fareed Zakaria, traduzido no Estadão de hoje. Quer dizer, surpreendente para quem vive no planeta Greta. Aqui na Terra, continuamos (e, segundo Zakaria, continuaremos ainda por muitos anos) dependendo do bom e velho e sujo petróleo.
Esse artigo parece um deja vu, por isso me chamou a atenção. O articulista descreve os rios de dinheiro que os sauditas e seus vizinhos estão gastando para comprar torneios de golfe e times de futebol. Faz-me lembrar da “reciclagem dos petrodólares” na década de 80. É de estranhar que o articulista do Washington Post gaste sua tinta com um fenômeno que já dura 50 anos, e não parece que vai cessar tão cedo.
No início de 1973, o barril de petróleo era negociado a cerca de US$ 3. Passado um ano, após o primeiro boicote da OPEP, o mesmo barril estava sendo negociado a US$ 11. Consideram que a inflação americana foi de aproximadamente 600% nesses últimos 50 anos, a dinheiro de hoje o barril de 1974 estaria valendo R$ 77, que é mais ou menos o seu preço atual. Ou seja, passaram-se 50 anos, e o preço do petróleo continua lá, firme e forte, enriquecendo os árabes. Como qualquer mercadoria, o preço do petróleo cairá de maneira definitiva somente quando a demanda cair de maneira definitiva. Esse será o sinal de que a era do petróleo chegou ao fim.
PS.: claro que, no curto prazo, os produtores podem manter os preços altos regulando a produção. Mas essa é uma tática que funciona somente no curto prazo. A saúde econômica desses países depende visceralmente da exportação de petróleo, e eles não podem deixar de vender eternamente. Então, os produtores mais caros saem do mercado, estabelecendo um novo equilíbrio a preços mais baixos.
Eu fico me perguntando: se era assim tão fácil, por que não foi feito antes? A resposta a essa pergunta normalmente é: é porque não é assim tão fácil.
Com uma canetada, Lula “resolveu” o problema do Galeão: vai restringir os voos do Santos Dumont a aqueles com origem/destino em Congonhas e Brasília. Para mim, que uso Congonhas, tudo certo. Para os políticos de Brasília, também. Para vocês do resto do Brasil, que lutem.
Jabuti não sobe em árvore. Se há excesso de voos no Santos Dumont e falta no Galeão, algum motivo tem. Normalmente, citam a dificuldade de acesso e a segurança. O fato é que, deixado ao natural, a demanda é pelo Santos Dumont, daí seguindo a oferta. Reduzir a oferta na canetada pode ter uma consequência não intencional: a desistência das pessoas de virem ao Rio. Diante da escolha “Galeão ou nada”, a escolha pode ser “nada”. Isso só saberemos quando a medida for implementada.
Enfim, e voltando ao início, se fosse assim tão fácil alguém já teria feito. Vamos ver as cenas dos próximos capítulos.
Essa entrevista deve ser emoldurada e pendurada na parede de todos aqueles que choram pelo baixo potencial de crescimento do PIB nacional. Está tudo aí, um retrato de corpo inteiro de como pensam as elites tupiniquins. Em resumo: podem fazer o que quiserem, mas não mexam no meu queijo. No caso, no poder que eu, como governador, tenho de dar subsídio para quem eu bem entender. Eu, governador, sou o responsável por tirar o meu estado da pobreza, e ninguém vai tirar isso de mim. Outro dia, comentei entrevista com o prefeito de São Paulo, com exatamente o mesmo teor.
Amigos, é isso. Para reindustrializar o país, subsídios. Para tirar o estado da pobreza, subsídios. Todos mamando nas cada vez mais magras tetas do Estado, até tirarem a última gota de leite, e se perguntarem porque acabou.
Um diretor da CNI e um diretor do BNDES nos oferecem um artigo sobre o tema candente do momento: neoindustrialização. Fui ler, já sabendo o que encontraria, e não me decepcionei. Em artigo de 5.000 caracteres, os autores conseguem elencar apenas duas ideias que, teoricamente, nos levarão ao próximo patamar: o reestabelecimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Nacional, ligado à presidência da República, e novas linhas subsidiadas do BNDES. (Suspiro).
Para preparar o terreno, os articulistas nos informam que EUA e Europa recém aprovaram subsídios para fomentar a indústria de semicondutores em suas regiões. Ora, se eles estão fazendo, o índio aqui também pode fazer. É como o pobretão que vê os ricaços jogando golfe, e conclui que, para ser rico, precisa comprar o equipamento e treinar umas tacadas. Quando, na verdade, é o oposto: primeiro fica rico, depois vai jogar golfe. Subsídios para fábricas de semicondutores é uma política cara, que diminui a produtividade das economias desenvolvidas, e só está sendo feito por razões geopolíticas, que justificam seu custo.
A pergunta é: se não foi o golfe, o que levou as economias desenvolvidas a terem indústrias pujantes? O que levou a Coreia, e agora a China, a terem indústrias pujantes? Bem, a lista do que é preciso ser feito para chegar lá é de amplo conhecimento, mas nada disso aparece no artigo. Aliás, pelo contrário. Por exemplo, sabemos que, para aumentar a produtividade da indústria, é necessário abrir para a importação de maquinário. Pois bem, uma das linhas subsidiadas do BNDES citadas é dedicada a financiar a aquisição de maquinário NACIONAL. Ou seja, na direção oposta ao que é preciso ser feito.
Enfim, esse tipo de miopia foi a responsável pelo encolhimento da indústria brasileira. Ao que tudo indica, ainda estaremos falando de desindustrialização daqui a 20 anos.
Algum tempo atrás, o câmbio era o inimigo número um dos empresários. O real estava sempre no “nível errado”, impossibilitando o desenvolvimento do país. Hoje, esse papel passou a ser exercido pelo nível da taxa Selic.
Em ambos os casos, os empresários miram em algo que está fora do alcance do governo resolver. Ou melhor, algo que o governo pode resolver, mas não na base da canetada. Os empresários deveriam estar pedindo ao governo que estabeleça as condições necessárias para termos uma taxa de juros mais baixa, principalmente no que se refere ao equilíbrio fiscal. Estamos hoje na situação em que o Banco Central tira água de um barco com um furo no casco que o governo faz questão de alargar. Os empresários deveriam estar pedindo para que o governo tape o buraco, não que o BC pare de tirar a água.
Há alguns anos, ainda no primeiro governo Lula, estava eu conversando com um amigo meu, pequeno industrial, que me disse mais ou menos o seguinte: “o Banco Central precisa baixar a taxa de juros. Um pouco mais de inflação não tem problema, desde que tenhamos um pouco mais de crescimento”. Era a época do BC do Meirelles ortodoxo, que elevou a taxa de juros até 26,5% sem que Lula desse um pio.
Esse meu amigo foi sincero. Implícito no pedido dos empresários está exatamente essa premissa (errada, já veremos) de que “um pouco mais de inflação” é tolerável. Pode notar: em nenhuma dessas manifestações de empresários aparece a palavra “inflação”. No máximo, quando aparece, é para dizer que a inflação não é “de demanda” e, por isso, a ação do BC seria inócua. O que vem a dar no mesmo, ou seja, deixa a inflação correr solta, dado que nada é capaz de contê-la.
Por que a premissa do meu amigo é errada? Simples: não há crescimento econômico sustentável sem uma inflação em níveis civilizados. – Ah, mas 4% é um nível civilizado! Sim, verdade. Mas quem disse que a inflação para em 4%? Quando chegar lá, se o barco ainda tiver um buraco no casco, o BC vai precisar tirar água do mesmo jeito. Caso contrário, a inflação não para em 4%. O trade-off entre inflação e crescimento pode ser verdadeiro no curto prazo, mas não como política permanente. E o curto prazo, como o próprio nome diz, acaba rápido, como já deveríamos saber de cor depois de décadas de políticas populistas.
O alvo de empresários como Luiza Trajano está errado. Se gastassem suas energias para pressionar o governo a fazer a sua lição de casa, tapando o buraco do barco, talvez pudéssemos ter algum resultado positivo. Mas acho que é esperar demais.
A perspectiva do rating soberano brasileiro foi elevada de estável para positiva pela S&P. A última vez que isso aconteceu foi em 11/12/2019, quando o governo Bolsonaro estava para completar um ano. A perspectiva foi colocada novamente em “negativa” quatro meses depois, em 06/04/2020, por conta das incertezas da pandemia, e por lá ficou até hoje.
A S&P justificou essa ação com base no “pragmatismo da política econômica”, que leva a uma “maior certeza sobre a estabilidade das políticas fiscal e monetária, que podem levar a um maior crescimento econômico”. A agência reconhece que o déficit fiscal ainda está alto, mas “o crescimento do PIB aliado ao novo arcabouço fiscal pode resultar em um crescimento da dívida menor do que o esperado”. Por fim, a S&P afima que “esses desenvolvimentos reforçariam a sua visão sobre a resiliência do framework institucional brasileiro, com políticas econômicas estáveis baseadas em ‘checks and balances’ entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário”. Para efetivamente elevar o rating, a S&P coloca como condição a perseverança em políticas pragmáticas e a aprovação de reformas – como a tributária – que aumentem o PIB potencial.
Bem, o que dizer? Em primeiro lugar, esse anúncio da S&P pegou o mercado de surpresa. Só aí, já vemos que tem alguma coisa errada. As agências de rating são followers, quem antecipa tendências são os mercados. As agências chegam depois, para “carimbar” algo que já aconteceu. Note que a S&P conta com o ovo dentro da galinha, ao supor que o crescimento do PIB e o novo arcabouço fiscal “podem” gerar uma dívida menor que a esperada. Ainda não aconteceu, aliás é consenso de que será difícil com esse arcabouço frouxo, mas a S&P deu o seu “voto de confiança”.
Uma casa de análise gringa expôs a sua perplexidade, em relatório enviado a clientes, nesses termos: “Trata-se de um desenvolvimento positivo, ainda que inesperado, dado que o novo arcabouço fiscal ainda precisa ser aprovado, e o conteúdo final da reforma tributária ainda é incerto. Além disso, tem havido, em meses recentes, uma clara deterioração de políticas microeconômicas e do ambiente regulatório. Em nossa avaliação, elevar o rating e, no fim, recuperar o investment grade, requereria reformas decisivas e políticas macro, micro e regulatórias que suportassem investimentos e aumentassem a produtividade (isto é, elevassem o atual modesto crescimento potencial do PIB), e estabilizassem a dinâmica da dívida. Em nossa avaliação, com exceção da política monetária, o atual mix de políticas macro e microeconômicas e o cenário de reformas ainda estão siginificativamente distantes desse padrão”.
Mas o mais interessante desse anúncio não foi o anúncio em si, mas a reação do ministro da Fazenda. Claro, como pinto no lixo, Haddad desfilou toda a sua satisfação com esse verdadeiro presente dado pela S&P, e não poderia ser diferente.
No entanto, Haddad coroa a sua festa com um pedido que demonstra a sua total, inequívoca e irremediável ignorância sobre os processos que levam à melhora do rating soberano. O ministro da Fazenda pede que o Banco Central se junte ao esforço de recuperação do rating reduzindo as taxas de juros! Não entendeu nada!
A S&P começa dizendo que sua decisão se baseou no “pragmatismo de políticas fiscal e monetária estáveis”. Ora, a atual política monetária, que busca trazer a inflação para a meta, foi elogiada pela S&P! Claro, a agência faz menção inúmeras vezes ao crescimento do PIB, e Haddad, então, do alto de seu apedeutismo, acha que, se o BC simplesmente derrubar os juros, tudo estará resolvido. A S&P em momento algum afirmou isso. A agência citou a continuidade dos esforços fiscais e a reforma tributária como condições para o crescimento e a recuperação do grau de investimento. Como disse a casa gringa em sua análise, a política monetária é a única que está em seu lugar.
Enfim, a S&P deu um presentão para o governo do PT. Mas é preciso saber usá-lo. Há sérias dúvidas com relação a isso.
Tem muito frenesi sobre hidrogênio verde ultimamente. O Brasil seria candidato a ser grande produtor do combustível, por contar com uma matriz de geração de energia elétrica menos poluente. Para quem não sabe, o hidrogênio verde recebe esse nome porque, para a sua produção, só é usada eletricidade com origem “verde”, ou seja, de combustíveis não fósseis. O hidrogênio do mal recebe outras cores.
Fui tentar entender onde estamos nesse assunto. Fiz uma rápida pesquisa na internet e descobri alguns números interessantes. Por exemplo, para se produzir 1 kg de hidrogênio verde são necessários 55 kWh de energia. Esse número em si não quer dizer muita coisa, mas se juntarmos com a informação de que a bateria de um Tesla precisa de uma carga de 80 kWh de energia para ficar completa, concluiremos que uma bateria de Tesla equivale a aproximadamente 1,5 kg de hidrogênio.
Pois bem. Se a autonomia de um Tesla com essa bateria é de 500 km, qual seria a autonomia de um automóvel movido com 1,5 kg de hidrogênio? Considerando a informação da reportagem de que o poder calórico do hidrogênio é de 3 vezes o da gasolina (1 kg de hidrogênio = 3 kg de gasolina), e que cada litro de gasolina pesa mais ou menos 0,75 kg, podemos afirmar que 1 kg de hidrogênio equivale a mais ou menos 4 litros de gasolina em termos de poder calórico. Considerando um consumo de mais ou menos 8 km/l de gasolina, um tanque de 60 litros equivaleria a mais ou menos uma bateria de 80 kWH, ambas podendo rodar 500 km. Se 1 kg de hidrogênio gera o mesmo poder calorífero de 4 litros de gasolina, então teríamos que ter um tanque de 15 kg de hidrogênio para andar os mesmos 500 km. Ou, de outra maneira, cada 1,5 kg de hidrogênio serve para andar 50 km, 10 vezes menos do que a bateria de lítio que usa a mesma quantidade de eletricidade. Visto de outra forma, se para gerar 1 kg de hidrogênio são necessários 55 kWh de energia elétrica, para 15 kg seriam necessários 825 kWh . Ou seja, para andar 500 km, um Tesla gasta 80 kWh enquanto um carro movido a hidrogênio gastaria 825 kWh. Peço a alguém entendido no assunto que confira as contas acima.
Mas não é só isso. Em 2022, foram produzidos 28.700 TWh de energia elétrica no mundo. Se para andar 500km são necessários 825 kWh, o total de energia elétrica produzida no mundo poderia mover todos os carros, por ano, por cerca de 17,4 trilhões de quilômetros. Para os aproximadamente 1,4 bilhões de carros no mundo, isso equivaleria a cerca de 12,4 mil km/ano. Ou seja, se toda a eletricidade do mundo fosse transformada em hidrogênio, isso seria o suficiente para que cada carro rodasse por pouco mais de 10 mil km/ano.
Mas, obviamente, trata-se de um hipótese heróica. Não podemos abrir mão de toda a eletricidade do mundo só para mover carros. Além disso, grande parte da eletricidade é gerada de fontes sujas, que não servem para produzir hidrogênio verde. De todas as fontes de eletricidade, somente 39% são de fontes “limpas”. Então, a conta seria de 4,8 mil km/ano/carro se toda a energia elétrica limpa fosse transformada em hidrogênio verde.
As contas acima, se estiverem corretas, mostram que estamos longe, muito longe, de ter um substituto para a bateria de lítio, quanto mais para o petróleo. Obviamente, não se trata de desmerecer iniciativas como a do hidrogênio verde. Um dia teremos tecnologia para que esse combustível seja economicamente viável. O problema é achar que estamos às portas de uma revolução, quando, na verdade, estamos muito distantes. E o pior é que, por mais que tenhamos crescimento na geração de energia limpa, a demanda por energia, essa danadinha, cresce ainda mais rápido, fazendo com que a geração de energia suja mantenha seu crescimento. E se a demanda por hidrogênio verde aumentar, adivinha, não vai ter como manter a oferta de energia elétrica sem aumentar a geração de energia suja.
Bem, tudo isso pra dizer que palavras são bonitas, mas no final do dia o que importa é a matemática. É ela que vai definir qual tecnologia será adotada. Discursos inflamados e chamadas para a ação não substituem uma boa conta econômica. E, no caso do hidrogênio verde, a julgar pelos números acima, ainda temos muito a caminhar até chegar lá.
A jornalista Eleiane Cantanhêde avisa: os bolsonaristas vão se arrepender de terem insistido na instalação da CPMI dos eventos de 08/01, que ela chama de “CPMI do golpe”. Toda a coluna de hoje serve para provar a tese, repetindo tudo o que já sabemos: a existência de uma “minuta do golpe” e as mensagens sobre a trama trocadas entre auxiliares próximos do ex-presidente.
Fico cá pensando com meus botões: o que faz o Estadão ainda manter entre seus colunistas alguém tão limitada como Eliane Cantanhêde? Sim, porque uma coisa é defender ideias com as quais pode-se não concordar, mas que contam com alguma lógica interna. Outra, é desfilar platitudes que ficam no térreo da análise, sem conseguir nem ao menos descer ao primeiro subsolo dos fatos, o nível mais óbvio de qualquer análise. Aliás, nem mesmo como “jornalista de bastidor” a colunista serve, pois é raro haver elementos de bastidor em suas colunas. É só análise rasa mesmo.
No caso em tela, todos os fatos listados pela jornalista já são de conhecimento público há muito tempo. O que uma CPMI mudaria exatamente? Por que esses mesmos fatos fariam os bolsonaristas se “arrependerem” da convocação da CPMI? Mistério.
Cantanhêde não desce ao primeiro subsolo mais óbvio: quem lutou com unhas e dentes pela não instalação da CPMI foi o governo, não os bolsonaristas. Só não conseguiram seu intento porque um vídeo comprometendo o ajudante de ordens de Lula vazou na CNN, tornando irresistível o movimento pela instalação. Aliás, há alguns dias, editorial do Estadão reclamava que, até o momento, os vídeos das invasões não foram liberadas pelo governo e pelo STF, apesar de ordem em contrário do próprio Alexandre de Moraes. Cabe a dúvida legítima: será que o governo não queria uma CPMI pois esta tem autoridade para requisitar todos os vídeos daquele dia? O quadro descrito por Cantanhêde já conhecemos. A pergunta é: o que não conhecemos?
O mundo é bem mais do que a luta entre o “bem” e o “mal”, fato que um bom comentarista político, verdadeiramente isento, deveria saber de cor. Que foram bolsonaristas os que invadiram as sedes dos poderes parece não haver dúvida. O que ainda está para ser esclarecido é o papel das autoridades do governo Lula nesse episódio. Um crime tem autoria, ocasião e beneficiário. As duas primeiras características estão mais ou menos claras. A CPMI poderá jogar luz na terceira.
Cantanhêde assumiu o compromisso, juntamente com outros jornalistas, de “defender a democracia”, o que se traduz em colocar Bolsonaro como o inimigo número 1 do país, mesmo que isso signifique repetir bovinamente fatos já conhecidos. Assim como um STF que “defende a democracia” faria melhor em defender a justiça, jornalistas prestariam um melhor serviço se esquecessem essa estória de “defender a democracia”, e simplesmente defendessem os fatos.
O JN mostrou hoje uma pequena reportagem de 3 minutos sobre trabalho infantil, por ocasião do Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil. Não, não assisti, li o conteúdo no site do jornal.
É daquelas matérias que terminam e você se pergunta: e? Qual a linha de ação para acabar com essa chaga social? Nada. O máximo que se conseguiu nesse sentido foi uma passeata em São Luiz, promovida por “entidades”. Realmente, vai resolver muito. – Ah, mas pelo menos vai conscientizar os brasileiros sobre o problema. Claro, eu mesmo não sabia que havia crianças pedindo dinheiro no farol, foi uma revelação para mim. Tenha a santa paciência.
Mas paciência mesmo precisa para ouvir, sem perder a compostura, a declaração de um juiz da vara da infância sobre os males do trabalho infantil. Além de ser contra a lei (sério?), o trabalho infantil impede a criança de brincar (?!?). E o que o juiz sugere? Que se prenda os pais? Que se arranque os filhos dos pais e os mande para um reformatório? Qual a sugestão exatamente?
Pois eu tenho uma sugestão. Que tal se os juízes, inclusive esse que deu a entrevista, abrissem mão dos seus 60 dias de férias remuneradas e, com o dinheiro poupado, se fizesse um fundo para ajudar na manutenção das crianças na escola?
Na boa, é muito blá-blá-blá, muito escândalo farisaico diante de uma realidade triste, mas ninguém está disposto a mover-se um milímetro de sua posição para mitigar o problema. A Globo, claro, acha que já contribuiu com 3 minutos de reportagem sobre o tema. Seus editores devem ter ido satisfeitos para a cama, com o sentido do dever cumprido. Amanhã, essas mesmas crianças da reportagem estarão nas ruas novamente. O que merecerá mais uma matéria daqui a um ano.