Imagine você entrando em um carro de fabricação 1973. Ar-condicionado? Não. Direção hidráulica? Tampouco. Freio ABS? Vai sonhando.
Bem, foi essa a sensação que tive ao ler reportagem de hoje no Valor, em que os políticos de vários países europeus estão culpando os lucros das empresas pela inflação. Em 1971, Richard Nixon estabeleceu congelamento de preços nos EUA com base na mesma premissa. 15 anos depois, a Sunab fechava supermercados aqui, demonizando o lucro dos empresários. E não é que, 50 anos após Nixon, voltamos na história? É a macroeconomia vintage.
A matéria afirma que FMI e OCDE respaldam esse diagnóstico dos políticos, pois concluíram que uma parte relevante do aumento de preços foi parar na linha de lucros das empresas. Os políticos, matreiramente, confundem causa com consequência: não é que o lucro causa inflação, mas é justo o oposto: o excesso de demanda é que permite aumentar os lucros.
Digamos que, por hipótese, as empresas cortassem os preços e diminuíssem suas margens. O que ocorreria? Simples: haveria um excesso de demanda não atendida, provocando escassez de produtos. As empresas poderiam eventualmente produzir mais para atender a esse excesso de demanda, mas trata-se de uma decisão que 1) leva tempo e 2) pode não ser ótima economicamente para as empresas, dados os lotes econômicos e os custos fixos. De qualquer forma, como em todo congelamento de preços, haveria escassez, como explico em detalhe no meu livro Descomplicando o Economês.
Além disso, se as empresas baixassem seus preços, haveria uma diminuição dos preços, não necessariamente uma redução da inflação. Há aqui uma confusão entre inflação e nível de preços, que também explico no meu livro. Depois do degrau para baixo, o processo inflacionário permaneceria intacto, pois a demanda permaneceria lá.
A ciência monetária avançou muito nos últimos 50 anos, e sabemos que inflação se combate com política monetária, calibrando o custo do dinheiro. A inflação que estamos vivendo ainda é fruto dos gigantescos estímulos fiscais da pandemia, além de uma política monetária frouxa, principalmente na Europa. Culpar os empresários é fácil. Difícil é fazer a lição de casa.