O Estadão pública hoje um excelente artigo sobre os problemáticos planos de saúde, um sistema que combina pacientes e médicos insatisfeitos com empresas de saúde deficitárias. Apesar do tom pessimista, o autor descreve muito bem as mazelas do setor, de resto conhecidas por todos os atores envolvidos, à exceção dos usuários, que só querem uma assistência decente de saúde, que permita viver o tanto quanto possível. Voltaremos a este ponto adiante.
O trecho do artigo que mais me chamou a atenção, no entanto, está logo no início: contar com um plano de saúde é um sinal que identifica o indivíduo, um privilégio com que somente os mais ricos dentre os brasileiros podem contar. Trata-se de uma questão identitária, em feliz expressão do articulista.
Queremos saber o tamanho da classe média brasileira? Simples: basta contar o número de pessoas que podem contratar um plano de saúde particular. Hoje são 26% da população, ou pouco mais de 50 milhões de pessoas. Estes, ou trabalham para o Estado ou para empresas minimamente estruturadas, ou têm recursos suficientes para pagar um plano de seu próprio bolso. Podemos definir classe média, no Brasil, como aquele estrato da população que pulou fora do barco do SUS, um sistema incensado somente por aqueles que dele não dependem.
Mas, com todos os problemas do sistema de saúde complementar, começo a me questionar se realmente é economicamente racional a um cidadão de classse média aderir a um plano de saúde. Vejamos.
Quando pensamos no SUS, nos vêm à mente notícias de consultas e exames que demoram séculos a serem marcados. A última reportagem que li sobre o assunto dava conta da fila para a marcação de exames oncológicos, em que o tempo pode significar a diferença entre a vida e a morte. Mas, convenhamos: se for para isso, vale a pena ter plano de saúde? Quanto custa uma consulta? Ou um exame? Digamos que seja um exame caro, R$ 10 mil. Com 6 meses da mensalidades de, por exemplo, uma Prevent Senior, um dos planos mais baratos da praça, esse exame já estaria pago. Uma consulta com um médico de primeira linha sai por R$ 1.200. Convenhamos: não será pelos exames ou consultas pagas de maneira avulsa que um cidadão de classe média irá à falência. O problema é a internação hospitalar. E é neste ponto que entra o SUS.
Aqui, vou pedir o auxilio dos médicos que leem esta página. Eu caminho todos os dias pela manhã pelas ruas do meu bairro. Se eu tiver um ataque do coração ou for atropelado, o que acontece? Digamos que não tenha documento nenhum comigo, para onde serei levado? Acredito que seja para o hospital público mais próximo. No meu caso, o Hospital das Clínicas de São Paulo, o maior hospital do Brasil. Preciso de uma carteirinha do SUS para dar entrada e receber os primeiros socorros? E para ser internado? E para uma doença crônica, como o câncer? Posso pleitear a internação nesse mesmo hospital? Se sim, posso ser atendido por meu médico particular (que pagarei por fora), ou somente por médicos credenciados no hospital? A depender das respostas a essas questões, a balança pode pender para a utilização do SUS ao invés de um plano privado.
Há dois outros pontos que pesam a favor da utilização de um plano de saúde. O primeiro refere-se à questão identitária mencionada acima. Internar-se em um hospital público significa misturar-se com a patuleia. E, em nossa tradição fidalga, isso é inadmissível. O segundo ponto é o instinto de sobrevivência, ou o medo de sofrer ou de morrer. Queremos maximizar nossas chances de sobrevivência, e pagar por isso parece ser bem razoável. Não convivemos bem com a ideia de finitude, com o fato de que, às vezes, não há nada a fazer, a não ser aceitar serenamente o desfecho natural da vida. Queremos porque queremos que médicos, hospitais e planos de saúde “façam alguma coisa”. E sempre haverá advogados que nos convençam de que temos direito à imortalidade. Nesse sentido, os planos de saúde são encarados como um “seguro contra a morte”.
Enfim, tenho mais perguntas do que respostas sobre esse assunto.