Eu não faço parte dessa estatística, pois não fui vítima de golpe na internet no ano passado. Mas já sofri dois golpes na internet anos atrás.
O primeiro foi simples: minha filha queria um iPhone, e viu um anúncio no Facebook de um aparelho vendido por R$1.500 no Extra. Ela me mandou o link, eu cliquei e entrei em um site que era um clone perfeito do site da varejista. O pagamento podia ser feito somente por boleto. Emiti o boleto e paguei. Recebi um e-mail de confirmação também idêntico aos que o Extra manda. Depois de alguns dias, diante do “atraso” da entrega, liguei para o próprio Extra, e recebi a informação, sobre a qual já desconfiava, de que não havia pedido algum. Eu havia caído em um golpe. Tentei reaver o dinheiro reclamando junto ao Banco Central, pois o Santander (banco emissor do boleto) havia sido conivente com um estelionatário. Sem sucesso.
O segundo golpe envolveu o Banco Inter. Este foi bem mais elaborado. Certo dia, meu acesso ao site do banco deixou de funcionar. “Coincidentemente”, recebo uma ligação de alguém que se identifica como do suporte técnico do Inter, e que iria me ajudar a resolver o problema. O número que aparecia no celular era o mesmo que constava no meu cartão do banco, fez questão de frisar o atendente, para dirimir qualquer suspeita. Para fazer transações eram necessários não somente a senha (que passei pelo telefone) como os códigos por SMS para autorizar cada transação. Passei o primeiro código, passei o segundo, mas quando fui passar o terceiro, parei para ler a mensagem que acompanhava o código: “não revele este código a ninguém”. Aquilo foi uma espécie de despertador, que me fez acordar do meu entorpecimento. O prejuízo foi bem maior neste caso (algo como R$ 15 mil), que o Banco Inter acabou ressarcindo. Minha hipótese, dado o nível de elaboração do golpe, é de que se tratava de funcionários ou ex-funcionários do próprio banco.
Quando ouvimos sobre golpes na internet, tendemos a achar que vitimam pessoas ignorantes, que não têm suficiente discernimento para distinguir a realidade da fantasia. As narrativas acima certamente levam ao questionamento: “mas como alguém pode cair em um golpe manjado desse tipo?”
As pessoas caem em golpe não porque sejam ignorantes ou lentas de raciocínio. As pessoas caem em golpes por serem seres humanos e, portanto, terem pontos cegos que as fazem focar em sua necessidade imediata e ignorar todo o resto. A descrição de um golpe, como feito acima, não reproduz todo o contexto em que a vítima está inserida. Eles parecem bobos (e são), assim como parecem bobos os truques do mágico quando são revelados. Mas, durante o espetáculo, o mágico explora justamente os nossos pontos cegos, aqueles para os quais não prestamos atenção.
Os melhores golpes são aqueles que usam dessa “engenharia social”, que justamente aproveitam-se de uma necessidade urgente e, através de truques, exploram nossos pontos cegos. No caso do iPhone, a sensação de urgência da oferta, combinada com um site muito bem elaborado, foi suficiente para consumar o golpe. No caso do Banco Inter, a urgência em acessar a minha conta, combinada com um contato bastante verossímil (a música de espera era a mesma e o “técnico” que me atendeu parecia entender bastante do sistema do banco) me fez cair como um pato. Claro que desconfiei do baixo preço do iPhone. Claro que desconfiei de alguém me pedindo a senha pelo telefone. Mas a urgência, combinada com toda a verossimilhança construída ao redor, me fizeram realmente acreditar que aquilo era real, e essas “estranhezas” não passavam de detalhes a que não dei importância. A coisa funciona como em um sonho, em que realmente acreditamos que estamos vivendo aquilo, apesar das coisas estranhas que o acompanham.
Os golpes são óbvios depois que acontecem. Nesses que eu descrevi não caio mais. Mas eles me ensinaram que ninguém, por mais inteligente e esperto que seja, está livre de ser enganado. Basta que a ocasião se una a uma boa engenharia social. Claro, quanto mais conhecemos sobre os diversos golpes, mais estamos protegidos contra estes que conhecemos. Mas a criatividade dos golpistas sempre está um passo à frente. E os nossos pontos cegos estão aí para serem explorados.