Imagine, por um momento, que o governo federal deixasse de pagar os salários do funcionalismo por 3 meses. A “economia” seria de aproximadamente R$ 80 bilhões, que poderiam ser usados para outros fins, como investimentos e programas sociais. Ou, se não fossem gastos, esse dinheiro diminuiria o déficit primário do governo.
Mas claro, como é de se prever, o judiciário não deixaria que isso acontecesse, e obrigaria o governo a pagar os salários atrasados. Essa decisão geraria uma dívida, chamada de “precatório”. Mas, por uma manobra contábil que virá embalada em uma PEC, essa despesa, que antes era primária, se transformará em uma “despesa financeira”. Para deixar claro, neste exemplo, o salário do funcionalismo seria equiparado aos juros da dívida pública, que não tem nenhum teto.
O exemplo é extremo, mas não falso. Todo precatório tem sua origem em uma despesa primária que o governo incorretamente não executou, ou, o que é mais comum, uma receita primária (imposto) da qual o governo se apropriou indevidamente. Fazer equivaler isso à despesa com juros é abrir uma caixa de Pandora. O governo Bolsonaro aventou essa hipótese, mas a abandonou e decidiu por simplesmente dar um calote organizado nessas dívidas.
Muitos questionam porque deve haver um limite para despesas primárias e não para os juros da dívida. A resposta é simples: o gasto com os juros não é controlado pelo governo, pois depende da taxa de juros cobrada pelos financiadores da dívida. Já a despesa primária é controlada pelo governo. Não quer pagar uma montanha de juros? Simples: faça menos dívidas.
O superávit primário é necessário justamente para pagar os juros da divida, de modo que a dívida não entre em uma trajetória explosiva. Se os precatórios forem somados aos juros, será necessário MAIS superávit primário para estabilizar a divida, não menos, ao contrário do que pensam os gênios que tiveram essa ideia. No final do dia, o que importa é a dinâmica da divida, ou seja, como ela cresce ou diminui. Classificar os precatórios como “juros” é apenas um artifício contábil que não resolve o problema de fundo, apenas o varre para debaixo do tapete.