Nenhum governador brasileiro visitou Lula tantas vezes quanto o presidente da Argentina, Alberto Fernandez. Ontem, foi a vez de seu ministro da Economia, Sérgio Massa, na quinta visita de alto nível ao País de um dignatário argentino em 8 meses.
Dessa vez, Massa não saiu de mãos abanando. Obteve uma linha de financiamento às exportações no valor de 600 milhões de dólares, que será garantida pelo Banco do Brasil, que, por sua vez, será garantida pelo CAF – Cooperação Andina de Fomento, uma espécie de BNDES da América do Sul.
O curioso é que esse acordo só foi possível porque a Argentina concluiu a sexta revisão do seu acordo com o FMI, o que permitiu o desembolso, por parte do Fundo, de uma parcela de US$ 7,5 bilhões, dinheiro esse que serviu para quitar parcelas de dívidas com a própria CAF, além de China e Qatar. E o CAF havia emprestado o dinheiro para que a Argentina quitasse parcela da dívida que tinha com o próprio FMI. Ou seja, a Argentina está naquela fase de pagar o saldo do cheque especial de um banco entrando no cheque especial de outro banco.
As reservas da Argentina estão negativas. O que significa que, descontando o empréstimo do FMI e a linha de swap cambial com a China, o governo da Argentina está sem dólares para pagar por importações ou para servir sua dívida externa. É como se alguém fizesse o supermercado com o saldo do cheque especial.
A última renegociação com o FMI, em meados de 2022, teve condições extremamente brandas, sendo elogiada até por Joseph Stiglitz, um desenvolvimentista acima de qualquer suspeita. Pois bem. Mesmo essas condições não foram cumpridas. Nessa última revisão, a meta de chegar ao fim do ano com reservas líquidas positivas de US$ 3 bilhões foi revisada para zero. Ninguém realmente acredita que mesmo essa condição abrandada será cumprida. E o mesmo ocorre com as metas monetárias e fiscais. A verdade é que o FMI, que deveria ajudar países com problemas conjunturais de liquidez, se meteu com um empréstimo gigante em um país com problemas de solvência sem as mínimas condições políticas de resolvê-los (pausa para um merchã: no meu livro Descomplicando o Economês, explico a diferença entre problema de liquidez e de solvência). Lula, como sempre, usa o FMI como boi de piranha, mas a verdade é que nunca o FMI foi tão generoso com qualquer outro país.
Massa foi recebido por Haddad. Ambos representam um pensamento econômico que levou a Argentina aonde ela está agora. A diferença é que Haddad herdou uma economia construída por FHC e depois consertada por Temer. Se dependesse de Dilma, era só uma questão de tempo para chegarmos aonde a Argentina está hoje. Haddad sabe disso, e por isso diz uma coisa mas faz outra: o Brasil de Lula e Haddad tem uma regra de limite de gastos, manteve a meta de inflação em 3% e reajustou os preços dos combustíveis quando precisou fazê-lo. O exemplo da Argentina é suficientemente poderoso para manter os nossos desenvolvimentistas na linha, ainda que o discurso continue a ser de grêmio estudantil. Como diria Guimarães Rosa, Haddad faz o que faz não por boniteza, mas por precisão. Que seja. Melhor assim do que se deixar convencer pelo próprio discurso.
E quais as chances do “Efeito Orloff” do passado voltar a respingar por aqui?
Houve um desaclopamento do nosso destino em relação à Argentina a partir do início dos anos 2000, quando eles abandonaram o currency board de maneira caótica. Depois daquilo, os ventos favoráveis da China até ajudaram, mas eles não fizeram a lição de casa que FHC e Lula 1 fizeram. Então, parece ser improvável que cheguemos ao mesmo ponto.