O papel das expectativas

A discussão sobre a meta de superávit fiscal é muito interessante, por envolver percepções e expectativas, mais do que a realidade em si.

O ministro Haddad bateu o pé, e enviou uma LDO com previsão de déficit zero para 2024, que é a meta estabelecida para o ano que vem na lei do arcabouço fiscal. Para que essa meta seja cumprida, é necessária a arrecadação de R$ 168 bilhões adicionais às receitas já previstas. O grosso da lista de potenciais receitas refere-se a decisões judiciais favoráveis ao fisco.

A verdade é que, para o governo, tanto faz cumprir a meta ou não. Qualquer que seja o resultado primário, as despesas vão crescer, em termos reais, 50% do aumento das receitas, ou, no mínimo, 0,6% ao ano. Ou seja, faça chuva, faça sol, o crescimento real das despesas está garantido.

Então, por que bater o pé em uma meta, qualquer que seja? Simples: para manter as expectativas do mercado sob controle. O ministro não pode simplesmente jogar a toalha, demonstrando lassidão. Ele precisa parecer comprometido com a meta, mesmo que não acredite que seja possível alcançá-la. Aliás, ninguém no mercado realmente acredita nessa meta. Mas deixa para o mercado o ceticismo, o ministro não pode piscar.

Mas se o mercado duvida da promessa do ministro, de que adianta prometer? Adianta muito. Uma coisa é não cumprir a meta tentando cumpri-la. Outra coisa é simplesmente não tentar. As expectativas são formadas não somente com base na promessa para o ano que vem. Os agentes extrapolam as atitudes de hoje para a perpetuidade, de modo que a promessa de hoje é considerada como uma promessa para sempre.

É claro que promessas não cumpridas têm prazo de validade. Se a meta de 2024 não for cumprida (e não será), uma promessa para 2025 parecerá menos crível. E, assim, ao longo do tempo, o governo perderá a sua credibilidade, com os efeitos conhecidos sobre os mercados. Mas esse é um problema do futuro. Hoje, Haddad precisa correr atrás de receitas, mesmo que não sejam permanentes, para cumprir a meta de 2024. Quanto mais próximo chegar, mais crível será a sua promessa para 2025. Desistir a zero de jogo de 2024 significaria desistir do próprio arcabouço fiscal.

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