Ainda sobre o parcelado sem juros

Raras vezes um artigo meu recebeu tantas críticas quanto o de ontem, a respeito do parcelado sem juros. As críticas podem ser agrupadas em três tipos de argumentos: 1) lobby dos bancos, 2) liberdade dos agentes econômicos e 3) estratégia comercial legítima. Como demonstração de apreço pelo contraditório, vou procurar, mui respeitosamente, argumentar contra cada uma dessas tres objeções.

O primeiro argumento diz que cobrar juros nas compras parceladas só interessa aos bancos e, portanto, deve ser algo ruim. Antes de descartar liminarmente esse “argumento” conspiracional, afirmo que é justo o oposto: ao permitir a compra à vista com desconto, o banco é sacado para fora do esquema, com ganhos para vendedores e compradores. Demonstro isso mais à frente.

O segundo argumento é filosófico: a liberdade deve prevalecer nas relações comerciais. Portanto, qualquer arranjo livremente aceito entre as partes deve ser respeitado. Alguns amigos, inclusive, acharam estranho que eu, supostamente defensor de princípios liberais, compactuasse com ideias de regulação e limites impostos pelo Estado na livre relação entre os agentes econômicos. Essa objeção é séria e merece uma resposta mais elaborada.

Em primeiro lugar, e de maneira mais genérica, liberalismo não é anarquismo. Uma economia liberal não vive sem regras e regulações. Inclusive, a segurança jurídica, essencial para o crescimento econômico, supõe a existência de regras. Sendo assim, ser contra qualquer regulação não é ser liberal, é ser anarquista, o que é outra coisa.

Em nosso caso específico, a liberdade somente pode ser plenamente exercida se todos os agentes econômicos estiverem plenamente informados sobre os termos da troca que está sendo realizada. Caso contrário, não há verdadeira liberdade, apenas um seu arremedo. Se eu sou informado de que há uma cama elástica me esperando se eu pular pela janela, quando na verdade não há nada, minha decisão de pular não foi livre, pois não fui devidamente informado das consequências.

Pode-se argumentar que a tarefa de buscar informações é, no caso, do comprador. Caberia a mim olhar pela janela e verificar se há mesmo uma cama elástica me esperando caso eu pule. Nesse sentido, caberia ao comprador simplesmente saber que há juros embutidos no parcelado sem juros, assim como cabe ao comprador verificar os preços da concorrência, não cabendo ao vendedor informá-los. É um bom ponto, a menos de um problema: os preços da concorrência são acessíveis, ao passo que os juros são inacessíveis. Eles estão lá, embutidos no preço, e não há como saber o seu montante. E pior: a propaganda AFIRMA que não há juros. Trata-se de propaganda enganosa, que envenena qualquer relação comercial livre. Um dos objetivos principais da regulação econômica é justamente eliminar essas assimetrias informacionais, tópico que exploraremos a seguir.

O terceiro argumento é mais prático e estipula o seguinte: o comerciante escolhe obter menos margem ao vender à prazo pelo preço à vista, tendo como contrapartida um maior volume de vendas. Em outras palavras, o vendedor sacrifica a sua margem unitária para vender mais e, supostamente, obter lucros maiores na operação como um todo, somente possível porque o parcelado sem juros permitiu vender um volume maior. Sendo assim, a prática não teria nada de imoral, seria apenas mais um arranjo comercial entre as partes envolvidas.

Este argumento é bem elaborado, e confesso que levei algum tempo para entender o seu problema. Vejamos um exemplo numérico. Um comerciante compra uma mercadoria por 70 e vende por 100. Sua margem, portanto, é de 30. No entanto, para aumentar o volume de vendas, o comerciante aceita parcelar a compra em 10 vezes sem juros. Neste caso, ao custo de 70 da mercadoria junta-se o custo financeiro dessa operação, pois o comerciante precisa do dinheiro à vista. Ao antecipar esse recebível, o comerciante obtém 95 ao invés dos 100, sendo 5 o custo financeiro. Sua margem, portanto, passa a ser de 25, e não mais de 30. Tudo muito bem até aqui: o comerciante recebeu 95, a instituição financeira recebeu 5 e o consumidor pagou o equivalente a 97 (as 10 parcelas de 10 trazidas a valor presente pela taxa de juros de um investimento qualquer). A diferença de 2 entre aquilo que o consumidor pagou (97) e o comerciante recebeu (95) é a margem da instituição financeira, o chamado spread bancário.

A questão que se coloca, no entanto, é a seguinte: por que o comerciante simplesmente não coloca o preço da mercadoria em 96? Nesse preço, comerciante e consumidor estariam dividindo entre si o spread bancário: a margem do comerciante seria 1 a mais (25 para 26) e o preço para o consumidor seria 1 a menos (97 para 96). Por que simplesmente não eliminar a instituição financeira da jogada, em um jogo ganha-ganha? A resposta é simples: o jogo seria percebido como ganha-ganha somente se houvesse simetria de informações. Ocorre que a matemática acima é totalmente opaca para o consumidor. E é aí que entra a sacanagem: a imensa maioria entra nessa com a ilusão de que se trata de uma escolha sem custo algum. Aqui, voltamos à argumentação anterior: somente pode existir real negociação entre as partes quando ambas conhecem todos os termos do negócio. Parcelar sem juros pode ser uma boa estratégia mercadológica para o comerciante, pois aumenta as suas vendas. Mas não o é para o consumidor, que é induzido a comprar uma mentira.

Nesse sentido, o mercado construído pelo parcelado sem juros é um exemplo adaptado do que o economista e prêmio Nobel George Akerlof chamou de “lemon market”, um mercado em que o vendedor tem mais informações sobre o produto que está vendendo do que o comprador. O típico exemplo é o mercado de carros usados. Adaptando o conceito ao nosso caso, a mercadoria vendida a prazo “sem juros” é mais cara do que o consumidor é levado a acreditar. O vendedor sabe disso, mas não o consumidor. Para resolver essa assimetria, Akerlof sugere, entre outras coisas, aperfeiçoar o sistema informacional, de modo a diminuir a assimetria de informações entre vendedores e compradores. Cobrar juros ao parcelar uma compra é uma maneira de fazê-lo.

Parcelado sem juros, um instrumento de deseducação financeira

Anúncio de página inteira defendendo a manutenção do crédito parcelado sem juros no cartão. Aliás, esse não é o primeiro assinado pela Associação de Bares e Restaurantes (Abrasel). Fica aqui a charada: porque um setor que não vende à prazo está tão interessado no assunto? Sigamos.

Tem havido muita controvérsia a respeito dessa modalidade de crédito, principalmente em relação a quem estaria pagando os juros embutidos no parcelamento. Que há juros, não há dúvida. A prova é que o consumidor, ao parcelar, pode investir o dinheiro não gasto na compra à vista e obter rendimentos no mercado. No final, terá mais dinheiro do que o valor do bem adquirido. A diferença é uma parte dos juros embutidos.

Fugindo um pouco dessa discussão sobre a quem pertence a conta, gostaria de abordar a questão do ponto de vista da educação financeira. O parcelado sem juros é um instrumento de deseducação financeira, na medida em que induz o consumidor a adquirir bens de valores mais altos “sem dor”.

Se o valor do bem aumentasse pelo fato de se estar parcelando, o consumidor se veria menos tentado a parcelar, diminuindo seu apetite pelo consumo. Não por outro motivo, os comerciantes estão alucinados para manterem o “carnezinho gostoso” do parcelado sem juros.

E não resolveria se os comerciantes diminuíssem seus preços, de modo a que o total parcelado igualasse o preço anterior quando acrescido dos juros. O consumidor “ancora” a sua percepção de preço no preço à vista atual, ele não conhece o preço à vista anterior à diminuição do preço. Em outras palavras, o parcelado sem juros é uma maneira muito mais eficaz de induzir o consumo do que um desconto à vista sobre um preço anterior desconhecido.

Os patrocinadores deste anúncio mencionam o Desenrola, programa do governo para liberar o orçamento dos inadimplentes, de modo que possam voltar ao consumo. O que eles não dizem é que o parcelado sem juros é um dos grandes motivos que explicam porque tantos consumidores foram parar nos serviços de proteção ao crédito. Sem esse instrumento de deseducação financeira, com certeza teríamos menos gente recorrendo ao rotativo do cartão, e menos gente inadimplente. O Desenrola sem o fim do parcelado sem juros é equivalente a eliminar as consequências do vício no álcool e continuar frequentando o bar: é só questão de tempo para voltar à situação anterior.

Claro, o fim do parcelado sem juros representaria inicialmente um tombo nas vendas. Mas teríamos um mercado de credito mais saudável, com menor inadimplência. Sim, vender a prazo “sem juros” movimenta a economia e sustenta milhares de negócios e empregos. Mas o preço é alto: o sofrimento de milhões de famílias enredadas em dívidas, levadas a essa situação por truques como o “parcelado sem juros”.

Desigualdade de renda, um problema sociológico

Reportagem de ontem informa que a desigualdade de renda permanece mesmo naqueles municípios onde há grande investimento público. Estou estupefacto: quer dizer então que a desigualdade não se resolve na base da canetada governamental? Quem diria…

No meu livro Descomplicando o Economês há uma tabela com os dez países menos desiguais e os dez países mais desiguais do mundo em termos de índice de Gini. Adivinha em qual dessas tabelas o Brasil está.

O mais incompreensível é que isso aconteça mesmo com uma boa parte dos gastos do governo sendo direcionados para a assistência social, a começar da Previdência, passando por educação e saúde, até chegar no Bolsa Família turbinado. Por que, afinal, depois de décadas de políticas social democratas de distribuição de renda, o nosso índice de Gini não se mexe em relação à média global? Por que continuamos a ser um dos países mais desiguais do mundo?

Os economistas Gustavo Loyola e Marcelo Nery arriscam algumas hipóteses. Loyola afirma que investimentos públicos muitas vezes não são direcionados para aliviar as necessidades dos mais pobres, como educação e saúde, mas para construir equipamentos para os mais ricos, como aeroportos. Já Nery chama a atenção para o fato de que a mesma mão que dá o Bolsa Família retira o benefício através dos impostos indiretos. Ambos analisam facetas diferentes do mesmo problema: o poder das elites de manterem suas posições.

Seriam as elites brasileiras tão piores do que as de outros lugares do mundo a ponto de estarmos entre os 10 países mais desiguais do mundo? Não acho que seja assim. E aqui entra a minha tese sobre este assunto.

Se analisarmos o ranking da desigualdade de renda, vamos observar que os países menos desiguais, com índice de Gini menor que 0,3, estão no leste europeu (antigos satélites e repúblicas da União Soviética), alem sos países escandinavos e Japão. A seguir, com Gini entre 0,3 e 0,4, estão os países da Europa Ocidental. Com Gini entre 0,4 e 0,5, temos os EUA e os países mais desenvolvidos dentre os emergentes, como Chile. Por fim, com Gini acima de 0,5, temos os países mais desiguais do mundo, como os africanos e o Brasil-sil-sil. O que nos diz esse quadro?

Minha tese é a seguinte: o nível de desigualdade de renda tem mais a ver com a formação do país e a homogeneidade de seu povo do que com características econômicas. É mais uma questão sociológica do que econômica. Países escandinavos e do leste europeu são muito mais homogêneos do que os da Europa Ocidental, que receberam muito mais imigrantes. Além disso, o socialismo imposto de cima para baixo no leste europeu certamente teve o seu papel, em um movimento que dificilmente seria tolerado em países com tradição democrática.

Já os EUA, apesar de sua riqueza, têm a marca da escravidão, e um contingente imenso de imigrantes, o que o torna um ponto fora da curva dentre os países mais ricos. No entanto, levam uma vantagem sobre o Brasil, que também teve escravidão e imigrantes: nunca teve uma Corte, que criou a ideia da fidalguia. Nos EUA, há elites como aqui, mas não com a ideia de uma espécie de direito divino aos privilégios.

A discussão sobre a reforma tributária é um laboratório sociológico nesse sentido. As elites se agarram aos seus privilégios, como por exemplo, a OAB pressionando para que os escritórios de advocacia continuem a ter tributação especial. No Brasil, o imposto sobre consumo (a mão que tira o que a outra mão deu) é proporcionalmente muito maior em relação ao imposto sobre a renda do que em países onde as elites têm menos poder. Aqui, a própria previdência social beneficia os mais ricos, ao privilegiar os trabalhadores com carteira assinada, além dos funcionários públicos. Aliás, a reforma da previdência foi também um laboratório que revelou o quanto as elites são capazes de preservarem seus privilégios, caminhando apenas milímetros na direção de uma distribuição mais justa da renda.

Somos um país pobre e desigual. A pobreza é um problema econômico, que se resolve com mais crescimento. Já a desigualdade é um problema sociológico, que só se resolve se e quando as elites políticas e econômicas decidirem que enough is enough e assumirem a sua responsabilidade.

PS.: quem são as elites? Resposta: as elites são sempre os outros.

O golpe do exército de Brancaleone

Foi ou não foi tentativa de golpe?

Espantalhos são úteis como palavras de ordem que aglutinam paixões, enquanto desviam o foco das questões realmente relevantes. O espantalho do “golpe de estado” é tão real (e tão útil) quanto o espantalho do “comunismo”. Vamos focar aqui no primeiro, que está na ordem do dia.

Cantanhêde, e boa parte da intelligentsia brasileira, parece acreditar piamente que escapamos por um triz de um golpe militar a la 1964. Seria cômico se não fosse trágico. Essa crença ignora a dinâmica do golpe de 64, em que todas as forças institucionais do país concorreram para a deposição de Jango, no contexto global da Guerra Fria. Os militares simplesmente compuseram com as instituições, em um movimento elogiado pelos grandes órgãos de imprensa. Sério que querem comparar aquilo com Bolsonaro e seus camisas pardas?

A frase “golpe nunca mais!” e as condenações do STF colocam a intelligentsia brasileira e os lunáticos de Bolsonaro no mesmo nível: ambos os lados realmente acreditam que estávamos à beira de um golpe de estado liderado pelos militares.

Os auto-intituladas democratas do país davam risada (e com razão) dos acampamentos em frente aos quartéis, geradores de abundantes memes. Afinal, aquilo era nada mais que folclórico. A diferença concreta dos acampamentos para os eventos de 08/01 é que as poltronas dos ministros do Supremo foram quebradas, o que mereceria pena de morte, se houvesse essa previsão em nosso ordenamento jurídico. Aqueles eventos não avançaram um milímetro na direção de um golpe militar, a não ser na cabeça da Cantanhêde e dos lunáticos. E esse ponto é importante.

Aquela multidão realmente achava que estava provocando a reação dos militares. São abundantes as referências a uma suposta “intervenção militar”. Aliás, não é de hoje. Faixas pedindo intervenção e com os dizeres “eu autorizo” eram frequentes nas manifestações em apoio a Bolsonaro. Os acampamentos em frente aos quartéis fazem parte desse quadro. Nesse sentido, a condenação se explica: afinal, não é a impossibilidade concreta de cometer um crime que absolve a tentativa. Os acampamentos e a invasão tinham como objetivo a intervenção militar, por mais doidivanas que possa parecer. Portanto, na cabeça daquelas pessoas, havia sim um crime tipificado sendo executado, e não foi só a depredação, o que justifica a condenação.

O tom patético da coisa se dá pelo auto-nivelamento da intelligentsia (STF incluído) com o bolsonarismo mais rasteiro, ambos acreditando piamente que um golpe de estado estava no forno. Os champions da democracia se regojizam, como se combater o bolsonarismo fosse o suprassumo da defesa do Estado Democrático de Direito. Infelizmente, não existe crime de imbecilidade, que seria a tipificação correta para o caso. Então, que seja pelo crime de atentado às instituições democráticas, que, de fato, era a intenção. Mas, pelo menos, poderiam nos poupar do ridículo de elevar o caso a uma questão de vida ou morte para a democracia brasileira.

PS.: parabéns para a Justiça brasileira, que mostrou uma celeridade exemplar neste caso. Espero que seja a nova norma para o trâmite dos processos que não envolvam a quebra das poltronas dos ministros do Supremo.

Alguém sempre está pagando pelas políticas públicas

O Senado decidiu não incluir cotas para filmes nacionais nos cinemas. O projeto em tramitação na Casa discutirá cotas apenas para a TV paga. Matéria no Estadão volta a discutir essa questão.

Cinema é uma diversão cara. Uma única meia-entrada custa uma mensalidade do Netflix. Por isso, as pessoas pensam muito bem antes de escolher onde vão gastar o seu rico e suado dinheirinho. E como é tomada essa decisão? O consumidor forma a sua opinião com base em alguns elementos: “hype” (todo mundo está falando), grandiosidade da produção, interesse pelo tema etc.

Mas, antes de mais nada, é preciso que o filme seja conhecido de alguma forma. O consumidor comum não é um cinéfilo especializado, que acompanha a indústria e seus festivais. De maneira geral, o filme que ocupa as salas é acompanhado de uma grande campanha de marketing, que procura convencer o consumidor de que vale a pena assistir àquele filme no cinema e não esperar pelo streaming. Para isso, é preciso ter verba de publicidade.

É a isso que se refere o representante das salas Multiplex. A decisão de colocar um filme em uma sala envolve risco. Uma sala vazia é prejuízo. Uma boa estratégia para minimizar esse risco é justamente acompanhar as campanhas de marketing em torno dos filmes. Quanto maior a campanha, maior a chance de ocupar a sala.

Por outro lado, o especialista em cinema defende uma certa “liberdade de escolha”. Estabelecer cotas para filmes brasileiros seria uma forma de garantir essa liberdade ao consumidor. O problema desse raciocínio está em definir quem paga por essa liberdade. Sim, porque alguém precisa pagar pelas salas ocupadas apenas por cinéfilos especializados, que assistem a filmes com baixa verba de publicidade. As cotas transferem esse custo de marketing para os exibidores, que substituem, com o seu prejuízo, a verba inexistente de publicidade. Como os exibidores não conseguem sobreviver com o prejuízo, o custo é repassado para o preço dos ingressos, elitizando ainda mais o divertimento.

Não sou a favor nem contra cotas para filmes brasileiros. Cada sociedade deve definir suas prioridades. A única observação que faço é que não existe política pública “de graça”. Alguém sempre está pagando, mesmo sem perceber.

Quem poderia imaginar…

Rapaz… quem poderia imaginar que se endividar até as tampas para jogar dinheiro de helicóptero diminuiria a pobreza só por um tempo, e tudo voltaria a ser como antes por causa da inflação? Por essa ninguém esperava…

Quer dizer, tudo voltaria a ser como antes, não. A pobreza continua a mesma, mas a dívida pública, quanta diferença! (essa é para os mais seniores, que se lembram da propaganda do xampu Colorama).

E a matéria do NYT tem um tom de alarme, como se assistência do governo tivesse o condão de mudar o patamar de pobreza de maneira definitiva. Talvez se o governo continuasse se endividando eternamente para manter a assistência no mesmo nível… bem, talvez Biden pudesse dar uma olhada para certo país na América do Sul, em que programas assistenciais existem há décadas, sem conseguirem mover o ponteiro da pobreza.

Talvez um dia se convençam de que a única forma de diminuir a pobreza é com o enriquecimento (crescimento) do país. Dinheiro do governo só serve como paliativo temporário. Enquanto o governo dá com uma mão, retira com a outra, via impostos e inflação. Trata-se de um jogo soma zero, em que o cidadão perde e os políticos populistas ganham.

Preço razoável

Matéria da Exame pergunta: afinal, por que os ingressos para a final da Copa do Brasil estão tão caros?

E eu respondo: porque tem gente disposta a pagar. E como tem! Os ingressos, começando de R$400 no Maracanã, foram vendidos em 24 horas, e tem milhares de pessoas que não conseguiram comprar. Acho até que erraram na mão, poderia ser ainda mais caro. Se tivesse um leilão, o ingresso sairia acima de R$ 1.000 com certeza.

O PROCON-RJ se prontificou a investigar o caso, e deu 72 horas para o Flamengo se explicar. Parece que cobrar “preços abusivos” vai contra o Código do Consumidor. Resta definir o que seria um “preço razoável”.

No meu livro Descomplicando o Economês, explico direitinho essa questão de oferta e demanda. Se o pessoal do PROCON quiser comprar, posso vender um lote do livro a um “preço razoável”.

Um cafezinho com Putin

A decisão de aderir ou não ao estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI) é soberana. Países democráticos, como EUA, Israel e Índia, e não democráticos, como China e Rússia, não aderiram. Cada qual deve ter os seus motivos.

O Brasil aderiu em 2002, no apagar das luzes do governo FHC, e os governos posteriores do PT tiveram mais de 13 anos para rever esse posicionamento. Não o fizeram, provavelmente porque não viram motivo para tal, inclusive do ponto de vista de soberania.

Lula agora lança a possibilidade de “desadesão” ao TPI. O motivo não é uma questão de soberania teórica. Nada disso. Trata-se de algo muito prático: poder receber Vladimir Putin em solo brasileiro sem precisar ordenar a sua prisão, obedecendo ao mandato emitido pelo TPI. Um motivo muito nobre, sem dúvida. Afinal, não é todo dia que se pode receber um estadista desse naipe.

Acho que Lula não vai morrer desse susto: desde que as tropas de Putin invadiram a Ucrânia, de fevereiro para março de 2022, o presidente da Rússia só se arriscou a sair de seu país para visitar ex-repúblicas soviéticas, além do Irã. Então, fica difícil imaginar Putin pegar um avião para pousar em Brasília. Lula deve (ou deveria) saber disso. Perdeu a oportunidade de dar uma resposta evasiva, sabendo que muito dificilmente teria que enfrentar o problema de verdade.

De qualquer forma, Lula entregou de graça (mais uma vez) a sua queda por governos não democráticos. Uma coisa é sair do TPI porque há o entendimento de que fere, de alguma forma, a nossa soberania. Outra bem diferente é sair do TPI para poder tomar um cafezinho com Putin no Planalto. A democracia é, sem dúvida, coisa muito relativa.

Tic-tac

O Estadão estampa como sua manchete principal um fenômeno que vem chamando a atenção: o crescente número de jovens vivendo na casa dos pais, ou mesmo dos avós.

Há muitas explicações, mas todas se resumem a uma só: renda disponível.

Coincidentemente, o economista Luís Eduardo Assis escreve artigo sobre a necessidade de uma nova reforma da Previdência.

Em 2022, o déficit da Previdência foi de R$ 375 bilhões, sendo 28% do setor público e o restante do setor privado. Detalhe: apenas 8% dos beneficiários trabalharam no setor público. Coincidentemente, a manchete da Folha hoje chama a atenção para o valor da aposentadoria dos militares.

Estes R$ 375 bilhões são cobertos com impostos e dívida pública, e referem-se apenas ao rombo na esfera federal. Para termos uma ideia de ordem de grandeza, o Fundeb, que reúne o montante destinado a custear o ensino básico, reunirá estimados R$ 264 bilhões este ano, sendo R$ 226 bilhões de Estados e municípios e o restante do governo federal. Ou seja, o rombo da Previdência na esfera federal é maior do que todo o dinheiro gasto no ensino básico brasileiro.

Segundo estudo da Cepal, mencionado por Assis, o Estado brasileiro gasta 6,1 vezes mais com nossos idosos do que com os nossos jovens, contra média global de 2,4 vezes. Trata-se, como diz o economista, de escolha política legítima e, como qualquer escolha política, traz as suas consequências. Uma delas é a tendência de os jovens cada vez mais permanecerem morando com os mais velhos por falta de renda.

Sim, precisaremos de uma nova reforma da Previdência. A anterior foi tímida, e a conta simplesmente continua não fechando. Tic-tac-tic-tac.

O Brasil definitivamente voltou

A coluna do Estadão do domingo nos informa que o ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho, é o encarregado de Lula para negociar a recuperação da Avibras. Detalhe: Coutinho não é funcionário do governo, ele é sócio de uma consultoria chamada MTempo Capital.

Em abril deste ano, escrevi artigo comentando sobre outra notinha na mesma coluna, em que éramos informados de que o governo buscava uma “solução” para a empresa. Luciano Coutinho é citado naquela notinha, mas não havia informação de qual era o seu papel. O foco estava no aumento dos gastos do governo em defesa, o que, supostamente, salvaria a Avibras.

Na notinha de hoje, por outro lado, é o papel de Luciano Coutinho no negócio que está em foco. Fazendo uma rápida busca, a única menção à consultoria do ex-presidente do BNDES é um site de CNPJs. Não há um website próprio e, tampouco, uma página no LinkedIn. Estranha maneira de fazer marketing.

Luciano Coutinho afirma que não está sendo remunerado pelo governo. Bem, como ainda não foi inventada uma forma de viver do ar, Coutinho deve estar sendo remunerado por alguém. Se não é o governo, só pode ser a Avibras, que contratou o seu principal expertise: ser amigo dos amigos de Lula.

Que bom que o Brasil voltou!