Editorial do Estadão repercute os resultados de uma pesquisa da consultoria Oliver Wyman com 206 empresas multinacionais, publicada há alguns dias no mesmo jornal, que revela que 59% dessas empresas aloca menos do que 5% de seus investimentos em “ações de combate e prevenção da crise climática”. O jornal parece escandalizado com o tanto de empresas que dão pouca importância para o assunto. De minha parte, fiquei espantado que 41% das empresas aloquem mais do que 5% dos seus investimentos em algo relacionado diretamente ao tema. Isso, na minha opinião, já é um indício de que há uma mudança em andamento.
Mas o ponto do editorial a que eu gostaria de chamar a atenção é outro. O trecho é o seguinte: “o comportamento do consumidor continua vinculado ao valor monetário”. Essa frase contém um problema conceitual que eu procuro esclarecer a zero de jogo no meu livro Descomplicando o Economês. O problema é o seguinte: o preço das coisas é apenas uma medida, a tradução, do VALOR que as coisas têm para as pessoas. Por isso não adianta dar mais dinheiro na mão das pessoas se não foi criado mais valor na economia. Dinheiro é apenas um papel pintado que representa a soma de todo o valor criado na economia.
Pois bem. Ao dizer que o consumidor está vinculado ao “valor monetário” das coisas, ou seja, ao preço das coisas, o editorial confunde dinheiro com valor. Com algum fio de esperança, o editorialista afirma que esse comportamento pode mudar. A julgar pela menção ao “valor monetário”, entendo que a esperança é de que o consumidor possa estar disposto, um dia, a pagar mais pelo mesmo valor percebido. Não, isso não vai acontecer. Seria o mesmo que apostar na extinção do homo economicus e sua substituição por uma espécie de homo altruisticus.
O que pode acontecer, sim, é o consumidor começar a ver algum VALOR no combate às mudanças climáticas que vem embutido nos produtos que compra. Seria mais um atributo de valor, assim como qualidade, disponibilidade e marca. O fato é que a imensa massa dos consumidores é pobre, e ainda vê a preocupação ecológica como um luxo. Ou seja, preocupado em sobreviver com o mínimo, o consumidor médio não está disposto a pagar por esse “valor adicionado”.
A única forma de mudar esse comportamento é, de alguma maneira, trazer as preocupações climáticas do topo para a base da pirâmide Maslow. Ou seja, transformar o apocalipse ambiental de um luxo para uma ameaça vital, que significasse vida ou morte. O esforço de propaganda tem sido grande nessa direção, mas esbarra em dois problemas: 1) a maioria das pessoas vê as catástrofes naturais como algo… natural, que sempre ocorreu. As estatísticas demonstrando que essas catástrofes estão mais frequentes são de difícil entendimento e percepção para o homem comum; 2) o homo economicus busca a satisfação, em primeiro lugar, de suas próprias necessidades. Se sobrar algum dinheiro, vai se preocupar com os outros. E a preocupação com as mudanças climáticas se relaciona mais com a preservação da humanidade do que consigo mesmo. Está mais para filantropia do que para sobrevivência pessoal. Por isso sua posição na pirâmide de Maslow.
O editorial defende que, enquanto não ocorre essa “mudança de mentalidade” do consumidor, é necessária alguma ação governamental. Como qualquer um que tenha entendido o que vai acima sabe, a única forma que o governo tem de intervir nas escolhas do homo economicus é colocando o dinheiro do orçamento público para pagar esse adicional monetário que não representa valor adicional para o distinto público. Ou seja, pegar dinheiro de um bolso do contribuinte e botar no outro, via subsídios de produtos ecologicamente corretos. É a única forma de fazer o consumidor pagar por este “valor adicionado” sem saber que está pagando.
A pesquisa mencionada acima mostra que nem tudo está perdido. Afinal, 41% das multinacionais pesquisadas já direcionam mais do que 5% de seus investimentos em ações relacionadas às causas climáticas. É mais do que eu esperaria, dada a percepção que tenho sobre o interesse do ser humano médio pelo assunto.