É justo que… Não é justo que…
Estas são as duas frases que mais ouvimos nas discussões sobre a miríade de exceções no projeto da Reforma Tributária. Via de regra, há uma tentativa de “fazer justiça” tributária, o que passa pelo julgamento moral da atividade econômica.
Nada mais representativo dessa tentativa do que a alíquota seletiva, o que ficou popularmente conhecido como “imposto do pecado”. A última versão do projeto inclui exploração de petróleo e de minério de ferro nessa alíquota, em uma condenação moral implícita dessas duas atividades, no mesmo nível de cigarros e bebidas alcoólicas.
A alíquota seletiva é a porção mais saliente desse julgamento moral, mas está longe de ser o único. A cesta básica terá alíquota diferenciada porque “é justo” para com os mais pobres, a Zona Franca de Manaus será mantida porque “é justo” fomentar a atividade industrial na região e as pejotinhas de profissionais liberais terão alíquotas menores porque “não é justo” o aumento da carga tributária sobre o setor.
A busca pela “eficiência econômica”, por sua vez, é prima-irmã do julgamento moral da atividade econômica. Assim, estabeleceu-se, por exemplo, que os setores de turismo e de transportes mereceriam um tratamento especial, pois, por algum misterioso motivo, aumentariam a “eficiência econômica” do país.
Existe uma regra básica da tributação, qual seja: a tributação deve ser neutra, ou seja, não deve influenciar a escolha do consumidor. Esse é um artigo de fé na eficiência dos mercados na alocação de recursos. Qualquer interferência nesse processo através de alíquotas diferenciadas diminui a eficiência da economia ao longo do tempo, ao provocar a alocação de recursos em setores menos eficientes. Ninguém, e muito menos deputados e senadores influenciados por lobbies, consegue definir os setores que mais “contribuem para o crescimento econômico”. Há um certo fetiche de controle por parte dos economistas desenvolvimentistas, que têm a convicção de que conseguem, em uma sala, puxar os cordões certos da economia. Como se as virtualmente infinitas interações entre os agentes econômicos coubessem em uma planilha.
Quando se abre a Caixa de Pandora da “justiça tributária” ou da “eficiência econômica” perde-se o controle, e aí é o que estamos vendo. A alíquota diferenciada para a cesta básica puxou a fila de todo resto. Afinal, por que só a cesta básica?
O ideal teria sido uma alíquota única de verdade, com o governo subvencionando a cesta básica para famílias cadastradas no Bolsa Família. Com isso, a Caixa de Pandora permaneceria fechada. Mas quem diz que os setores fortes de lobby estavam interessados nisso? Todos defenderam a exceção da cesta básica, porque sabiam que, assim, estaria aberto o caminho para defender suas próprias exceções. E, de exceção em exceção, continuaremos presos na armadilha da baixa eficiência econômica, com o Estado sequestrado por elites bem organizadas e sem real senso de comunidade. Sim, isso é um julgamento moral.