Para quem não entendeu, deixe-me explicar o que aconteceu aqui: a OCDE pregou na testa do Brasil a frase “paraíso internacional da corrupção”. Assim como o assaltante de bancos Ronald Biggs e o terrorista Cesare Battisti procuraram o refúgio das praias brasileiras pela nossa fama de impunidade, os esquemas globais de corrupção podem buscar o Brasil como porto seguro para suas atividades. Claro, tudo sempre em nome do sacrossanto Estado Democrático de Direito.
As quatro opções intragáveis de Israel para o futuro de Gaza
Vou transcrever aqui uma tradução de um artigo da Economist publicado hoje, sobre as opções de Israel. É um pouco longo, mas vale a leitura de cada linha, para finalmente entender um pouco da política de Gaza/Cisjordânia e de como não há opções óbvias para Israel.
“As declarações públicas que Joe Biden fez durante a sua visita relâmpago a Israel em 18 de Outubro não sugeriram muitas dúvidas sobre a iminente invasão da Faixa de Gaza por Israel. Contudo, em privado, os conselheiros do presidente americano esperavam pressionar os líderes de Israel sobre uma questão urgente: o que deveria acontecer depois da guerra?
As autoridades israelenses dizem que estão concentradas em derrubar o Hamas do poder, em retribuição pelo massacre que cometeu no sul de Israel em 7 de Outubro. “Gaza não será mais uma ameaça para Israel”, afirma Eli Cohen, o ministro das Relações Exteriores. “Não concordaremos que o Hamas mantenha qualquer poder em Gaza.” Mesmo depois de os riscos de combate num local tão densamente povoado terem sido ilustrados por uma explosão mortal no dia 17 de Outubro no hospital Ahli Arab de Gaza, que Israel atribuiu a um foguete palestino sem direção, os objetivos de guerra declarados por Israel não mudaram.
Uma encruzilhada de quatro caminhos
Mas os planos pós-guerra de Israel permanecem incertos. Existem quatro opções principais, todas ruins. A primeira é uma ocupação prolongada de Gaza, como a que empreendeu entre 1967 e 2005. As tropas israelenses teriam de proteger o enclave e, na ausência de um governo palestino, poderiam ter também de supervisionar os serviços básicos.
Isto poderia agradar a um segmento da direita religiosa de Israel, que ainda se irrita com a retirada, em 2005, de todos os soldados e colonos israelenses de Gaza, interpretada como o abandono de uma fatia da pátria bíblica dos judeus. Mas ninguém mais quer ver Gaza reocupada, dados os pesados encargos financeiros e a probabilidade de uma interminável má reverberação na mídia e de um fluxo constante de mortes. Biden alertou em 15 de outubro que uma ocupação duradoura seria um “grande erro”. A maioria dos estrategistas israelenses concorda.
A segunda opção é travar uma guerra que decapite o Hamas e depois abandonar o território. Este é sem dúvida o pior caminho a seguir. Alguns dos líderes e apoiadores do Hamas provavelmente surgiriam para reconstituir o grupo. Mesmo que não o fizessem, alguma outra força indesejável tomaria o seu lugar. O Oriente Médio tem uma história de grupos radicais que aproveitam esses vácuos.
O melhor resultado, na perspectiva de Israel, seria o regresso da Autoridade Palestiniana (AP), que governa partes da Cisjordânia em coordenação com Israel. Mas esse caminho está repleto de obstáculos. A primeira é que Mahmoud Abbas, o presidente palestino, está relutante em fazê-lo. “Não creio que alguém possa ser tão estúpido e pensar que pode regressar a Gaza nas costas de um tanque israelense”, diz Ghassan al-Khatib, antigo ministro palestino.
Mesmo que Abbas pudesse tomar o poder dessa forma, talvez não o quisesse. Yasser Arafat, o anterior presidente da Autoridade Palestina e figura de longa data do nacionalismo palestino, gostava de Gaza; ele viveu lá durante algum tempo depois de ter sido autorizado a regressar à Palestina, em 1994. Pessoas próximas de Abbas dizem que ele, pelo contrário, vê Gaza como um lugar hostil.
É quase certo que Gaza seria hostil à polícia palestina enviada para protegê-la. A Autoridade Palestina emprega cerca de 60 mil pessoas nos seus serviços de segurança, que têm autoridade em cerca de um terço da Cisjordânia (ver mapa abaixo). Não consegue controlar nem mesmo essa área limitada: partes de Jenin e Nablus, cidades no norte da Cisjordânia, estão tão revoltadas que as forças da Autoridade Palestina não ousam patrulhá-las para não serem atacadas. O moral está baixo. Se a polícia palestina regressasse a Gaza, seria um alvo para os remanescentes do Hamas, da Jihad Islâmica e de outros militantes. O Hamas e a Autoridade Palestina travaram uma guerra civil sangrenta em Gaza depois que o Hamas venceu as eleições parlamentares em 2006. O Hamas acabou vencendo e expulsou a Autoridade Palestina do território em 2007.
A segurança também não é a única questão. Depois que o Hamas chegou ao poder, Abbas pediu aos burocratas em Gaza que parassem de trabalhar. O Hamas, por sua vez, contratou dezenas de milhares de apoiadores para ocuparem funções públicas, enquanto a Autoridade Palestina continuou a pagar aos seus trabalhadores para ficarem em casa. Manter essa burocracia significaria trabalhar com cerca de 40 mil pessoas contratadas pela sua lealdade ideológica ao Hamas; rejeitá-los seria repetir o erro do programa de “desbaathificação” dos Estados Unidos no Iraque, que lançou legiões de homens furiosos e desempregados nas ruas.
Uma quarta opção seria montar algum tipo de administração alternativa, composta por notáveis locais trabalhando em estreita colaboração com Israel e o Egipto. Israel confiou nesse tipo de acordo até a década de 1990, antes de a Autoridade Palestina começar a assumir funções civis nos territórios ocupados.
Tem-se falado em tentar recrutar Muhammad Dahlan, um antigo chefe de segurança do Paquistão que cresceu em Gaza, para assumir as rédeas depois do Hamas. Mas Dahlan passou a última década em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos. Ele se desentendeu com a AP; em 2016, um tribunal palestino condenou-o por corrupção. Também há desavença entre ele e as famílias em Gaza: ele liderou a luta contra o Hamas em 2007. “Acho que isso é uma ilusão”, diz Michael Milstein, coronel da reserva do exército israelense e analista do Centro Moshe Dayan, um think tank em Tel Aviv. “Eu nem tenho certeza se ele gostaria de voltar. Ele ficaria preocupado que as pessoas o quisessem morto.”
O caso de Dahlan aponta para um problema maior. Os palestinos estão divididos há quase duas décadas. A divisão é em grande parte culpa deles: embora os líderes do Hamas e da Autoridade Palestina se reúnam a cada dois anos para defender a reconciliação da boca para fora, nenhuma das partes quer chegar a um acordo. Mas o cisma também foi exacerbado pela política de dividir para governar de Binyamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelense, que a considerou uma ferramenta útil para frustrar o sonho palestino de um Estado independente. “Netanyahu tinha uma estratégia ruim de manter o Hamas vivo e forte”, diz Ehud Barak, antigo primeiro-ministro israelense.
Tanto o Hamas como a AP governam os seus estados como regimes autoritários de partido único. Em 2021, Nizar Banat, um crítico de Abbas, foi espancado até à morte pela polícia palestina na sua casa em Hebron. Aqueles que se opõem ao Hamas em Gaza correm o risco de tortura e execução. A maioria dos palestinos opta por manter o silêncio, evitando a política e concentrando-se nas suas lutas quotidianas.
A sondagem mais recente do Centro Palestino de Estudos Políticos e Pesquisas (PCPSR) concluiu que 65% dos habitantes de Gaza votariam em Ismail Haniyeh, o líder do Hamas, numa corrida presidencial frente a frente contra Abbas (que perderia o Cisjordânia também). O Hamas obteria 44% dos votos em Gaza numa votação parlamentar, enquanto o Fatah, a facção de Abbas, obteria apenas 28%.
Entre a cruz e a espada
À primeira vista, isto sugeriria um apoio duradouro ao Hamas. Mas essas sondagens oferecem apenas uma escolha binária entre militantes e incompetentes. Um total de 80% dos palestinos querem a demissão de Abbas. Horas depois da explosão do hospital, ocorreram protestos em cidades da Cisjordânia, onde os manifestantes gritavam: “O povo exige a queda do presidente”. Ele tem 87 anos e não tem um sucessor claro. Nenhum de seus possíveis substitutos inspira muito entusiasmo.
Numa hipotética corrida entre Haniyeh e Muhammad Shtayyeh, o insípido primeiro-ministro da Palestina, o primeiro venceria por uma margem de 45 pontos em Gaza e 21 pontos na Cisjordânia. Mais uma vez, isto é menos uma prova da popularidade de Haniyeh do que da falta de popularidade de Shtayyeh: uma sondagem realizada em 2019, após os seus primeiros 100 dias no cargo, revelou que 53% dos palestinos nem sequer sabiam que ele era o primeiro-ministro.
Perguntas abertas produzem resultados mais reveladores. Quando o PCPSR pediu aos palestinos que nomeassem o seu sucessor preferido para Abbas, a maioria disse que não sabia. A segunda resposta mais popular, tanto na Cisjordânia como em Gaza, foi Marwan Barghouti, um membro da Fatah que cumpre múltiplas penas de prisão perpétua numa prisão israelense por orquestrar ataques terroristas que vitimou civis. Várias das outras principais escolhas, como Dahlan e Khaled Meshal, antigo líder do Hamas, nem sequer vivem nos territórios palestinos.
Exilados, prisioneiros – ou ninguém: a vida política palestina está moribunda. Os palestinos culpam Israel por esta situação lamentável, argumentando que a falta de conversações de paz significativas privou a Palestina da sua razão de ser. “Acho que Abbas será o último presidente palestino”, diz Khatib. “Toda a ideia da Autoridade Palestiniana é que se trata de uma transição para um Estado palestino. Se não houver horizonte político, a AP se torna irrelevante.”
Os israelitas afirmam que a AP se auto minou através da corrupção desenfreada. Bilhões de dólares em ajuda externa foram desviados ao longo das últimas três décadas para comprar vilas luxuosas na Jordânia e para encher contas bancárias na Europa. Solicitados a nomear os principais problemas da sociedade palestina, mais pessoas citam a corrupção do seu próprio governo (25%) do que a ocupação de Israel (19%).
Há culpas em número suficiente para compartilhar. O resultado, porém, é que a Fatah é provavelmente irredimível aos olhos da maioria dos palestinos, um movimento de libertação que se tornou caucificado e decadente. Nos últimos anos, até mesmo alguns israelenses começaram a questionar-se se o Hamas poderia tornar-se um interlocutor, seguindo o mesmo caminho que o Fatah fez décadas antes, de militantes violentos a burocratas dóceis.
Não só o Hamas parecia concentrado em tentar melhorar a economia de Gaza, como alguns dos seus líderes também pareciam receptivos a uma solução de dois Estados. Isso teria sido uma mudança notável para um grupo cuja carta apelava à destruição de Israel. No ano passado, Bassem Naim, membro da liderança política do grupo em Gaza, disse a um correspondente que estava disposto a aceitar “um Estado nas fronteiras de 1967”. Ghazi Hamad, outra autoridade política, havia dito a mesma coisa um ano antes.
Tais pensamentos agora parecem ingênuos. Milstein foi um dos poucos israelenses proeminentes que alertou, muito antes do massacre, que o aparente pragmatismo do Hamas era apenas um estratagema. A sua opinião, justificada pelos últimos acontecimentos, é agora quase universal em Israel. Mesmo que o Hamas estivesse disposto a participar nas conversações de paz, um público israelense furioso e enlutado não seria um parceiro disposto: a grande maioria dos israelenses quer destruir o Hamas e não recompensá-lo.
Duas outras questões moldarão o futuro de Gaza. Uma delas é o papel que os estados árabes irão desempenhar. Em conversas privadas durante a semana passada, várias autoridades árabes apresentaram a ideia de uma força estrangeira de manutenção da paz para o enclave – mas a maioria rapidamente acrescentou que o seu país não estava ansioso por participar.
O Egito não é popular em Gaza, tanto porque se juntou a Israel no bloqueio do território, como devido à sua história anterior como governante de Gaza de 1948 a 1967. Os Emirados Árabes hesitariam em desempenhar um grande papel. “Não agimos sozinhos”, diz um diplomata dos Emirados. O mesmo provavelmente se aplica à Arábia Saudita.
Israel provavelmente vetaria qualquer papel do Qatar, um dos países com maior influência em Gaza. Durante anos, o emirado ajudou a estabilizar a economia de Gaza com a bênção de Israel, distribuindo até 30 milhões de dólares por mês em pagamentos de assistência social, salários de funcionários públicos e combustível gratuito. Mas o seu apoio ao Hamas – alguns dos líderes do grupo vivem lá – irá agora torná-lo suspeito. “Toda a estratégia de Israel durante a última década foi confiar no Qatar”, diz Milstein. “Uma das lições que deveríamos aprender com esta guerra é que não deveríamos permitir mais envolvimento do Catar.”
Embora os estados árabes não queiram proteger Gaza, podem estar dispostos a ajudar a reconstruí-la. Após a última grande guerra, em 2014, os doadores prometeram 3,5 bilhões de dólares para a reconstrução (embora, no final de 2016, tivessem desembolsado apenas 51% desse montante). A conta será ainda maior desta vez.
A outra questão é o que acontecerá com a AP. As pesquisas dizem que metade dos palestinos acham que deveria ser dissolvida. Fazer isso privaria muitos deles de rendimento (a Autoridade Palestina é o maior empregador na Cisjordânia) e provavelmente levaria a mais violência. Mas também aumentaria os custos da ocupação de Israel e, talvez, forçasse o regresso questão Palestina à agenda política de Israel, depois de duas décadas em que o assunto raramente foi discutido. “É a única carta na manga que lhe resta”, diz um antigo confidente de Abbas.
Não existe uma solução duradoura apenas para Gaza. Apesar do longo cisma, os palestinos ainda se consideram parte de um sistema político mais amplo. De qualquer forma, a faixa é demasiado pequena e desprovida de recursos naturais para prosperar por si só. A sua economia depende de Israel: tudo, desde as plantações de morangos às fábricas de móveis, depende das exportações para o seu vizinho mais rico. Independentemente de quem assuma o controlo, Gaza não será nem estável nem próspera como um pequeno Estado isolado.
A única forma de trazer tranquilidade duradoura a Gaza é através de uma resolução mais ampla do conflito israelense-palestino. Se a perspectiva de uma solução negociada se evaporar completamente, alerta Khatib, “com ela, a liderança moderada desaparecerá”. Israel pode até decapitar o Hamas. Mas é muito menos claro que algo melhor tomará o seu lugar.”
Não há boas opções
O título do artigo de hoje de William Waack é muito melhor do que o artigo em si, que justamente se perde no labirinto da falta de opções de Israel. Esse título dá um gancho para retificar uma ideia que talvez eu tenha passado no meu post anterior, em que critiquei artigo de Thomas Friedman, a respeito de uma potencial invasão de Gaza por Israel.
Alguns comentários me alertaram para o fato de que eu passava a impressão de estar defendendo a invasão de Gaza. A ideia nunca foi essa, mesmo porque não me sinto gabaritado a dar conselhos ao governo de Israel. O ponto do post era apenas criticar a fraqueza dos motivos apontados por Friedman para a não-invasão, quais sejam, a “imagem” de Israel, a “responsabilidade” de Israel diante de tudo o que acontecesse de ruim no território e a “frustração” dos planos do inimigo. Em minha opinião, nenhum desses pontos tocava na questão crucial: a segurança de Israel, que, imagino, seja a preocupação número 1 do governo israelense nesse momento. Defendia a ideia de que, qualquer fosse a decisão, deveria ter como objetivo a segurança dos cidadãos israelenses.
Termino aquele post dizendo que os cenários alternativos sempre serão objeto de debate. Uma decisão “errada” só poderia ser corretamente julgada se comparada com o resultado de suas alternativas. Mas isso é impossível de se fazer, pois as alternativas pertencem ao campo das ideias, não à realidade. Somos todos exímios profetas do passado, mas a verdade nua e crua é que as decisões são sempre tomadas em um ambiente em que “não há boas opções”, na feliz expressão usada por William Waack.
Invadir ou não invadir, essa é a questão
Normalmente gosto de ler a coluna de Thomas Friedman, do NYT. Ele escreve bem, e é sempre um prazer ler um bom texto, apesar de, na maior parte das vezes, não estar de acordo 100%. É o caso da coluna de hoje.
Friedman defende a ideia (que certamente está em debate no governo e na sociedade israelenses) de que a melhor estratégia para Israel, no momento, é evitar uma invasão terrestre à Gaza. O colunista lista basicamente três razões em defesa de sua tese: 1) Israel melhoraria sua imagem internacional, 2) uma vez instalado no território, Israel e os judeus seriam acusados de tudo de ruim que acontecesse lá e 3) a invasão cumpriria os planos dos inimigos de Israel, que ficariam “devastados” se isso não acontecesse.
Bem, vamos lá. Com relação ao primeiro ponto, basta ver as reações ao massacre daqueles que já têm má vontade com Israel. De Harvard até as redações do mundo inteiro, a opinião pública global abusou das conjunções adversativas para condenar os ataques, quando não os comemoraram efusivamente. Se nem mesmo o que aconteceu depois de 07/10 fez a opinião pública se mover, por que uma invasão de Gaza pioraria a situação? O único período em que verdadeiramente Israel contou com a boa vontade da opinião pública foi logo após abrirem-se os fornos crematórios na Europa. Isso durou alguns poucos anos, janela aproveitada para a criação do estado de Israel. Na medida em que a memória do Holocausto foi se desvanecendo, Israel e os judeus voltaram ao seu papel de sempre, o de vilões internacionais. Achar que não invadir Gaza mudará essa visão talvez seja um pouco ingênuo demais.
O segundo ponto é ainda mais risível. Israel JÁ É HOJE culpado por tudo de ruim que acontece em Gaza e, by the way, na Cisjordânia também. Em entrevista na Globo News no dia dos atentados, uma “especialista em Gaza” afirmou que Israel controla água, energia e suprimentos de Gaza e, portanto, teria o domínio da área. “Prisão a céu aberto”, “apartheid”, “genocídio”, são as palavras fofas usadas para caracterizar a ação de Israel na região. Que diferença faria uma invasão?
O terceiro ponto é mais complexo, pois envolve entrar nas motivações das partes. Friedman assume que o Hamas fez uma jogada justamente para provocar a invasão, e que ficaria frustrado se isso não acontecesse. Eu já acho que o Hamas fez o que fez com o objetivo que todo terrorista tem: chamar a atenção para a sua causa. Pouco importa o que Israel fará de agora em diante, o seu objetivo já foi alcançado. Friedman racionaliza as ações do Hamas como se o grupo representasse um país estável em busca de espaços de poder. Não. O Hamas é só um conjunto de homens-bomba, dispostos a tudo pela causa. Qualquer que seja a ação de Israel, o Hamas já é vitorioso. Basta ver as manifestações de apoio à causa palestina no mundo islâmico e na esquerda global.
Por isso, Israel deve tomar a decisão olhando suas próprias posições, de forma a maximizar a segurança do país, independentemente da opinião pública global (que sempre estará contra) e do que deixaria o Hamas ou o Irã supostamente mais “decepcionados”. O histórico de “movimentos em direção à paz” não é bom. Dá última vez que Israel decidiu fazer algo nesse sentido, ao retirar os colonos unilateralmente de Gaza e entregar a administração da área à AP, o Hamas tomou conta. Quais seriam as consequências de deixar Gaza intacta depois dos ataques de 07/10? Essa é discussão.
A História só acontece de uma forma, os caminhos alternativos, o que “poderia ser”, serão sempre objeto de debate, nunca uma certeza. A invasão de Gaza, se ocorrer, trará várias consequências nefastas e muitos debates sobre como o mundo poderia ser melhor se a invasão não tivesse ocorrido. O fato é que o cenário alternativo é sempre mais idilico, simplesmente porque não é real.
Leiam.
Isso aqui eô, é um pouco de Brasil iáiá
A Codern é a estatal brasileira responsável pela administração dos portos do Rio Grande do Norte e Alagoas. São três portos de cargas: dois no RN (Areia Branca e Natal) e um em AL (Maceió).
Visitando as demonstrações financeiras da empresa em 2022, vemos ativos de R$ 245 milhões e passivos de R$ 628 milhões, resultando em um patrimônio líquido negativo de R$ 383 milhões. Daquele passivo, cerca de 1/4 (R$ 151 milhões) refere-se a obrigações com o fundo de pensão dos funcionários.
Por falar em funcionários, da receita líquida da empresa (R$ 93 milhões), cerca de R$ 54 milhões foram gastos com pessoal. Outras despesas somaram R$ 46 milhões, resultando em um prejuízo operacional líquido de R$ 7 milhões. O prejuízo contábil no exercício foi bem maior, R$ 211 milhões, devido a uma “reavaliação de ativos” (reconhecimento de ativos podres) no montante de R$ 158 milhões e despesas financeiras líquidas de R$ 45 milhões.
Para termos uma referência, o Porto de Santos, o maior do Brasil, faturou R$ 1.378 milhões em 2022, ou 15 vezes o faturamento da Codern, que, lembre-se, engloba 3 portos. O lucro operacional de Santos foi de R$ 706 milhões e o líquido foi de R$ 547 milhões.
Bem, esse longo preâmbulo serve apenas como pano de fundo para uma proposta que está sendo gestada no governo, de dividir a Codern em duas empresas, uma para os portos do RN e outra para o porto de AL. O mais estupefaciente não é nem a ação em si, natural considerando a qualidade de nossos governantes. O mais assombroso é quererem revestir a ação com argumentos “técnicos” (“visão estratégica de negócios de Alagoas”!), como se se tratasse de uma decisão absolutamente técnica. Realmente, esse pessoal acha que está escrito TROUXA na testa de cada brasileiro.
Se os números acima pertencessem a uma empresa da iniciativa privada, seus acionistas estariam agora mesmo procurando vender a empresa para outro grupo maior. A lógica da iniciativa privada é o ganho de escala, levando a ganhos de produtividade. A lógica da estatal é o atendimento dos interesses políticos, além dos benefícios aos seus funcionários. Separadas, Codern e Codeal (a nova companhia docas de AL) terão o dobro de diretores, permitindo indicações de mais apadrinhados. Esse é o motivo “técnico”, não há outro.
A pobreza do Nordeste não é improvisada.
Do rio ao mar
A qualquer pessoa de bom senso que se pergunte qual a melhor solução para o conflito entre árabes e judeus na Palestina, a resposta certamente serão duas palavras mágicas: “dois Estados”.
Esta é uma ideia-força que parece resolver todos os problemas. Por que não? Afinal, os árabes não querem um Estado para chamar de seu? Também os judeus não querem um Estado para chamar de seu? Então, nada mais óbvio do que conceder um Estado soberano para cada lado, e a paz se estabelecerá.
O problema é que, fosse simples assim, a coisa já estaria resolvida desde 1947, quando a Resolução 181 da ONU estabeleceu justamente a solução de “dois Estados”. Por que não foi pra frente? Justamente porque o diabo mora nos detalhes, que não cabem na ideia-força “dois Estados”.
Antes de continuarmos, vamos fazer uma pequena digressão. Tem sido comum ouvir que as críticas a Israel não significam antissemitismo. Na verdade, tratar-se-ia de antissionismo. Há até judeus que são antissionistas. Mas o que é o antissionismo? Para entender o que ó antissionismo, é preciso entender antes o que é o sionismo.
No meu artigo contando a história do conflito árabe-israelense, recordo o princípio fundacional de Israel, que é justamente o movimento sionista, fundado por Theodor Herzl. Em seu panfleto O Estado Judeu, Herzl defende a criação de um Estado judeu na Palestina. Não há menção à expulsão dos árabes da região, não havia uma mentalidade discriminatória. Tanto é assim, que as migrações de judeus para a Palestina se deram através da compra de terras e da convivência com os árabes que lá viviam. O sionismo nunca teve relação com uma “raça pura”, mas com o direito de um povo ter um Estado nacional. O sionismo é um movimento nacionalista, não racista.
Pois bem, agora vamos voltar ao curso do nosso raciocínio. Considerando o que escrevemos acima, ser “antissionista” significa, na prática, ser contra o estabelecimento de um Estado judeu. Portanto, não é possível ser a favor da solução de “dois Estados” e ser antissionista ao mesmo tempo. O sionismo, desde sempre, aceitou a solução de “dois Estados”. A fundação de Israel teve como base legal a resolução 181 da ONU, que justamente previa a solução de dois Estados.
Em várias manifestações pró-Palestina, a palavra de ordem é mais ou menos a seguinte: “a Palestina para os palestinos, do rio até o mar”. O que significa isso? O rio é o Rio Jordão, o mar é o Mar Mediterrânio. O atual estado de Israel encontra-se justamente entre o rio e o mar. Essa palavra de ordem é antissionista: os judeus não teriam direito a ter o seu próprio Estado, a solução de dois Estados não interessa aos que aderem a essa palavra de ordem.
Como, a essa altura do campeonato, é claramente impraticável retirar a soberania do estado de Israel, quem defende essa “solução”, na verdade, está defendendo o conflito eterno, muito útil para insuflar o ódio aos judeus. É o velho antissemitismo, travestido de “defesa dos mais fracos”. Ora, quem realmente está interessado em resolver o problema dos mais fracos, não fica gritando slogans que não tem futuro prático. Pode ser muito bom para sentir-se o justiceiro do mundo, mas, na prática, só prolonga o sofrimento dos árabes-palestinos.
A diferença entre preço e valor
Editorial do Estadão repercute os resultados de uma pesquisa da consultoria Oliver Wyman com 206 empresas multinacionais, publicada há alguns dias no mesmo jornal, que revela que 59% dessas empresas aloca menos do que 5% de seus investimentos em “ações de combate e prevenção da crise climática”. O jornal parece escandalizado com o tanto de empresas que dão pouca importância para o assunto. De minha parte, fiquei espantado que 41% das empresas aloquem mais do que 5% dos seus investimentos em algo relacionado diretamente ao tema. Isso, na minha opinião, já é um indício de que há uma mudança em andamento.
Mas o ponto do editorial a que eu gostaria de chamar a atenção é outro. O trecho é o seguinte: “o comportamento do consumidor continua vinculado ao valor monetário”. Essa frase contém um problema conceitual que eu procuro esclarecer a zero de jogo no meu livro Descomplicando o Economês. O problema é o seguinte: o preço das coisas é apenas uma medida, a tradução, do VALOR que as coisas têm para as pessoas. Por isso não adianta dar mais dinheiro na mão das pessoas se não foi criado mais valor na economia. Dinheiro é apenas um papel pintado que representa a soma de todo o valor criado na economia.
Pois bem. Ao dizer que o consumidor está vinculado ao “valor monetário” das coisas, ou seja, ao preço das coisas, o editorial confunde dinheiro com valor. Com algum fio de esperança, o editorialista afirma que esse comportamento pode mudar. A julgar pela menção ao “valor monetário”, entendo que a esperança é de que o consumidor possa estar disposto, um dia, a pagar mais pelo mesmo valor percebido. Não, isso não vai acontecer. Seria o mesmo que apostar na extinção do homo economicus e sua substituição por uma espécie de homo altruisticus.
O que pode acontecer, sim, é o consumidor começar a ver algum VALOR no combate às mudanças climáticas que vem embutido nos produtos que compra. Seria mais um atributo de valor, assim como qualidade, disponibilidade e marca. O fato é que a imensa massa dos consumidores é pobre, e ainda vê a preocupação ecológica como um luxo. Ou seja, preocupado em sobreviver com o mínimo, o consumidor médio não está disposto a pagar por esse “valor adicionado”.
A única forma de mudar esse comportamento é, de alguma maneira, trazer as preocupações climáticas do topo para a base da pirâmide Maslow. Ou seja, transformar o apocalipse ambiental de um luxo para uma ameaça vital, que significasse vida ou morte. O esforço de propaganda tem sido grande nessa direção, mas esbarra em dois problemas: 1) a maioria das pessoas vê as catástrofes naturais como algo… natural, que sempre ocorreu. As estatísticas demonstrando que essas catástrofes estão mais frequentes são de difícil entendimento e percepção para o homem comum; 2) o homo economicus busca a satisfação, em primeiro lugar, de suas próprias necessidades. Se sobrar algum dinheiro, vai se preocupar com os outros. E a preocupação com as mudanças climáticas se relaciona mais com a preservação da humanidade do que consigo mesmo. Está mais para filantropia do que para sobrevivência pessoal. Por isso sua posição na pirâmide de Maslow.
O editorial defende que, enquanto não ocorre essa “mudança de mentalidade” do consumidor, é necessária alguma ação governamental. Como qualquer um que tenha entendido o que vai acima sabe, a única forma que o governo tem de intervir nas escolhas do homo economicus é colocando o dinheiro do orçamento público para pagar esse adicional monetário que não representa valor adicional para o distinto público. Ou seja, pegar dinheiro de um bolso do contribuinte e botar no outro, via subsídios de produtos ecologicamente corretos. É a única forma de fazer o consumidor pagar por este “valor adicionado” sem saber que está pagando.
A pesquisa mencionada acima mostra que nem tudo está perdido. Afinal, 41% das multinacionais pesquisadas já direcionam mais do que 5% de seus investimentos em ações relacionadas às causas climáticas. É mais do que eu esperaria, dada a percepção que tenho sobre o interesse do ser humano médio pelo assunto.
Boa sorte, presidente!
Bem, agora falta o nosso presidente, tão preocupado com a “paz”, ligar para o presidente do Egito, Abdel Farrah el-Sisi e, principalmente, para os líderes do Hamas, quem quer que sejam, e pedir a mesma coisa. Boa sorte, presidente!
Oprimidos do mundo, uni-vos!
Há, claramente, uma dicotomia entre direita e esquerda nas reações aos ataques terroristas do Hamas. Mesmo judeus de esquerda têm relativizado o evento, demonstrando que a questão política se sobrepõe à origem étnica ou mesmo a questões humanitárias.
Isso acontece porque a esquerda divide o mundo entre “opressores” e “oprimidos”. E se você não está do lado dos oprimidos, só pode estar do lado dos opressores. A única solução para esse conflito é o fim das “estruturas de opressão”, em que os instrumentos de poder seriam retirados dos opressores e concedidos aos oprimidos. Nada seria eficaz, a não ser isso.
Raymond Aron, em seu livro O Ópio dos Intelectuais, relata como a esquerda francesa da década de 50 condenava os sociais-democratas, por estes quererem mitigar as péssimas condições de vida da classe proletária. Segundo essa esquerda, essas iniciativas desmobilizariam os oprimidos em sua tarefa de “derrubar as estruturas opressoras”, a única solução definitiva. Os proletários estariam sendo corrompidos pelas políticas de bem-estar social.
A esquerda do mundo ainda vive os tempos do “proletários de todos os países, uni-vos!”, slogan político do Manifesto Comunista. Na falta de proletários, serve qualquer oprimido. Nesse contexto, o pobre, quando assalta e mata o burguês, Maduro e Castro, quando mantém seus países com mão de ferro, ou o Hamas, quando mata israelenses, estão todos agindo para “derrubar as estruturas opressoras”, justificando, assim, todos os seus atos.
Isso que a direita jocosamente chama de “coitadismo”, e que parece uma demonstração de insensibilidade, é, na verdade, a expressão irônica desse “oprimismo”, do qual se alimenta a esquerda. É óbvio que condições sub-humanas de vida deveriam ser (e são) objeto de ações para mitiga-las o máximo possível. Mas isso, como bem notou Aron, não interessa à esquerda-raiz, que só quer saber da luta política contra os “opressores”. Os pobres e os palestinos só interessam na medida em que os aproxima desse objetivo.