Um Collor argentino?

Há oito anos, Maurício Macri derrotava Daniel Scioli em uma eleição apertada, 51,7% contra 48,3% dos votos. Macri dava fim, assim, a 12 anos da era Kirshnerista no poder. Pró-mercado, Macri era a esperança da volta de alguma racionalidade macroeconômica ao país. Quatro anos depois, Macri perderia as eleições já no primeiro turno para o kirshnerista Alberto Fernandez, com Cristina Kirshner de vice. Macri, ao contrário de todas as promessas, entregou um país com inflação maior e com um pacote giganteesco do FMI, o maior da história da instituição. A estratégia gradualista de Macri não funcionou.

Loco Milei promete que, se eleito, não vai cair nos mesmos erros de Macri. Entrará com os dois pés no peito do Estado argentino, sem chance de reação. Lembra-me um pouco Fernando Collor, que dizia que iria acabar com os “marajás do serviço público” e tinha uma única bala para matar o dragão da inflação. Não era só retórica: Collor protagonizou o maior calote da dívida pública da história ao promulgar o confisco. Apesar de, do ponto de vista microeconômico, o governo Collor tivesse deixado um legado positivo, com as privatizações e a abertura comercial, do ponto de vista macroeconômico foi um desastre, com o seu calote nos assombrando até hoje. Não fosse o impeachment, certamente perderia as eleições de 1994.

A eleição de Massa, por outro lado, promete ser um pouco mais do mesmo, como se isso fosse resolver alguma coisa. A verdade é que a equação macroeconômica argentina não tem solução, a não ser através de um ajuste profundo do Estado, que deixará muitas viúvas pelo caminho. A estratégia Macri não deu certo, a estratégia Fernandez-Kirshner muito menos. A estratégia Milei ainda não conhecemos. Mas, pelo menos, será algo diferente. Só espero que não termine como Collor.

(este post foi escrito antes de conhecido o resultado das eleições, que deu a vitória a Milei)

O leitor que lute

Essas notinhas de jornal, muitas vezes, são fruto de uma troca mutualmente vantajosa: o repórter tem acesso a dados “exclusivos”, e o órgão governamental ganha um espaço simpático no jornal. E aí você pergunta: onde fica o leitor nessa troca “mutuamente vantajosa”? Bem, aí já é demais exigir que as três partes ganhem, não é mesmo?

Vamos fazer a pergunta óbvia: qual foi o efeito real desse “grande aumento de desembolso” do BNDES? A julgar pela evolução da produção industrial, zero. Literalmente. A produção industrial cresceu zero nos últimos 12 meses em relação aos 12 meses anteriores. E pior: decresceu 0,2% nos primeiros nove meses do ano em relação ao mesmo período do ano passado. Justamente o período em que os desembolsos do BNDES “explodiram”.

Essa é a análise óbvia a ser feita, mas talvez seja pedir demais para o repórter que precisa estar de bem com o poder para continuar a ter acesso a dados “exclusivos”. O resultado são essas notinhas chapa-branca que passam a ilusão de que o governo está trabalhando.

A cereja do bolo é a menção à CNI, que teria recebido “com entusiasmo” um pacote para “fortalecer o setor”. Bem, só faltava os industriais rechaçarem dinheiro farto e barato do governo. A julgar pelos resultados até o momento, essa “explosão” de recursos do BNDES deve ter parado onde sempre pararam: na linha de lucros das empresas, sem qualquer aumento de produção.

Somente Lula é inocente?

Realmente não estou entendendo o bafafá em torno da chamada “dama do tráfico” amazonense, Luciane Farias. A mulher foi condenada em segunda instância por lavagem de dinheiro, organização criminosa e associação para o tráfico. Mas, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, ela é tão inocente quanto eu e você. Somente depois do “trânsito em julgado”, Luciane poderá ser considerada culpada acima de qualquer dúvida razoável.

Se bem lembrarmos, Lula também foi condenado em duas instâncias, mas foi solto após o STF ter novamente mudado seu entendimento sobre a prisão em segunda instância. Não lembro de Lula ter sido tratado como uma lepra ambulante após a sua soltura. Pelo contrário, foi insensado como grande estadista e democrata. Por que a brasileira Luciane Farias mereceria outro tratamento? Ou alguns brasileiros são mais brasileiros do que os outros?

Luciane Farias organizou uma ONG no Amazonas para cuidar da qualidade de vida nas penitenciárias. O MP amazonense acusa a ONG de receber financiamento do tráfico. Precisa provar. Até lá, a ONG de Luciane vive de doações, e é tão legítima quanto outras tantas ONGs que cuidam do tema no Brasil afora. E quem pode afirmar que essas outras ONGs também não recebem dinheiro do crime para atender a seus interesses? A defesa dos direitos humanos tem muitos interessados no País.

Acho que a reação do Ministério da Justiça e do Ministério dos Direitos Humanos não foi adequada. Como ministérios do PT, deveriam abraçar a causa da inocência até a última instância. Afinal, Lula se beneficiou desse entendimento, e não é justo que o mesmo entendimento não seja aplicado a Luciene. O governo do PT foi coerente ao receber a dama do tráfico e à sua ONG de braços abertos, e está sendo incoerente agora, ao tentar se livrar da senhora. Afinal, a decisão do STF, sob medida para beneficiar Lula, beneficiou a todos os outros brasileiros igualmente.

A “sensibilidade social” que concentra renda

Segundo o IBGE, o Brasil contava com 107,6 milhões de pessoas no mercado de trabalho ao final do 2o trimestre deste ano. Destes, somente 36,8 milhões trabalhavam no setor privado com carteira assinada. Se descontarmos os 12,2 milhões empregados no setor público, temos 58,6 milhões de pessoas desempregadas ou empregadas informalmente.

Sem medo de errar, esses 36,8 milhões de brasileiros (34,2% da força de trabalho) pertencem à elite do mercado de trabalho no país: certamente têm média salarial mais alta, contam com planos de saúde e, este é o foco aqui, se aposentam antes e com benefícios mais altos do que a média dos brasileiros.

Ocorre que esses benefícios são pagos pelas empresas que registram seus funcionários em carteira. O mais pesado desses benefícios é a contribuição previdenciária, que deve ser bancada, em grande parte, pelas empresas. Obviamente, quem está familiarizado com o conceito de “total cash” sabe que este custo, no final, é contabilizado pela empresa como o custo total do funcionário, tanto faz se esse dinheiro foi para o bolso do funcionário ou para bancar a sua previdência no futuro.

A desoneração da folha é uma fórmula mágica que permite diminuir o “total cash” pago ao funcionário sem diminuir um real dos seus benefícios. Obviamente, a conta só fecha se alguém suplementar esses benefícios no futuro. Adivinha? Isso mesmo: os benefícios previdenciários dos funcionários com carteira assinada serão pagos também por aqueles que não têm carteira e pelos desempregados, via impostos adicionais ou taxas de juros maiores, fruto de uma dívida pública maior.

Portanto, quando os empresários do setor apelam à “sensibilidade social” do presidente para que sancione a desoneração, trata-se de uma falácia: a desoneração é uma medida de concentração de renda, na medida em que beneficia os funcionários mais bem colocados no mercado de trabalho, às custas dos menos bem colocados. Isso sem falar que a relação entre diminuição de custo do emprego com o aumento do número de empregos é para lá de incerta, o empresário pode simplesmente embolsar a diferença.

Enfim, este é só mais um caso em que a “preocupação social” é usada para defender medidas que concentram renda. O Brasil é pródigo nesse tipo de coisa. E o nosso presidente, criado no meio sindical, só tem olhos para os direitos dos trabalhadores que pertencem ao aquário da CLT. Com esse mindset, seria uma surpresa se a desoneração não fosse sancionada.

A anaconda da insegurança jurídica

Reportagem de hoje chama a atenção para o número de apelações ao Supremo por conta de decisões da Justiça Trabalhista contrárias à Lei. Jurisprudências firmadas pelo STF não são respeitadas pelas instâncias inferiores, e mesmo o pleno do TST tem colocado óbices para cancelar súmulas que vão contra a lei trabalhista. Os juízes trabalhistas, ao invés de aplicarem a lei, fazem “justiça social”. Por quê?

Essa situação me faz lembrar de um filme bem antigo, Anaconda. Na história, um grupo de pessoas está em uma floresta onde vivem as anacondas, cobras gigantescas, capazes de engolir um ser humano adulto com uma bocada. Os personagens concluem que a única forma de acabar com as anacondas é destruir o seu ninho, onde as cobras gigantescas ainda não estão tão gigantescas. Da mesma forma, a única forma de dar um fim ao “justiceiro social” de toga é ir até o seu ninho, as faculdades de direito. É lá que são criadas as anacondas que espalham o terror da insegurança jurídica brasileira.

Muitos juízes beberam na faculdade a água da “justiça social”, e vão levar consigo para sempre essa missão. Tivemos um exemplo recente na própria Corte Suprema, em que o ministro Edson Fachin brandiu o argumento da “grande injustiça” de se retirar uma pessoa de sua própria moradia, no caso da execução extra-judicial de garantia fiduciária, quando o uso dessa faculdade está explícita na lei. No caso, Fachin foi voto vencido, mas em outros casos a história foi empurrada para frente pelos magistrados ao arrepio da letra da lei. O próprio uso do termo “estado de coisas inconstitucional” se presta como capa para fazer “justiça social”, independentemente daquilo que os legisladores previamente decidiram.

No caso específico da justiça trabalhista, a lei já prevê inúmeras salvaguardas aos trabalhadores. Aliás, todas essas salvaguardas são incompatíveis com o nosso grau de desenvolvimento econômico, o que acaba produzindo um enorme grau de informalidade na economia brasileira. Mas isso é discussão para outra hora. O fato é que o legislador decidiu proteger o trabalhador, mas permitindo um certo grau de flexibilidade na relação com o capital. É essa flexibilidade o alvo dos justiceiros sociais vestidos de toga. O resultado é a insegurança jurídica, que acaba por limitar o crescimento do emprego, o justo oposto pretendido pelos justiceiros.

O juiz deve aplicar a lei, não fazer justiça. Por mais que seja frustrante para o juiz idealista, “justiça” é um conceito absoluto somente no âmbito divino. No mundo dos Homens, a “justiça” sempre será relativa. Arvorar-se em “justiceiro social” só fará do juiz um semeador do caos, que acaba tendo como consequência a insegurança jurídica e, no campo econômico, o empobrecimento de todos.

Da arte de se dizer o oposto do que se está fazendo

A “neoinduatrialização” do governo Lula vai mostrando que não passa do bom e velho protecionismo. Atendendo demanda da ANFAVEA, que candidamente admitiu que, sem alíquotas de importação, seria mais vantajoso continuar importando, o governo irá sobretaxar a importação de veículos elétricos.

Para aqueles preocupados com o meio-ambiente, o ministro da Indústria e vice-presidente Geraldo Alckmin, nos tranquilizou a todos. Afinal, o objetivo é “acelerar a descarbonização da frota no País”. Bem, realmente fica difícil entender como sobretaxar veículos elétricos ajudaria a alcançar esse objetivo.

Aliás, Alckmin acionou o seu gerador aleatório de discursos, e se saiu com essa: “É chegada a hora de o Brasil avançar, ampliando a eficiência energética da frota, aumentando nossa competitividade internacional e impactando positivamente o meio-ambiente e a saúde da população”. Palavras grandiloquentes, apontando um futuro de glória e esplendor. A não ser por um pequeno detalhe: o resultado da taxação aponta para o justo inverso.

O que podemos esperar é que 1) o Brasil vai continuar parado, 2) a eficiência energética da frota vai aumentar em ritmo mais lento, 3) a nossa competitividade internacional continuará estagnada, fruto do protecionismo, 4) os impactos no meio-ambiente e na saúde da população serão negativos.

Enfim, esse é o governo do “mais do mesmo”, insistindo no que não deu certo nas últimas décadas. E, para desgosto dos ambientalistas, um governo que não dá a mínima para o meio-ambiente quando se trata de negócios. Só resta esse discurso mumbo-jumbo do vice-presidente, que só os deslumbrados compram a valor de face.

Muito do discurso público sobre o conflito Israel-Hamas é depressivamente simplista

Vou traduzir abaixo artigo da Economist publicado ontem. Foi escrito por David Enoch, professor de Filosofia do Direito da Universidade de Oxford e professor do departamento de filosofia e na faculdade de direito da Universidade Hebraica de Jerusalém.

O ponto de Enoch, como vocês poderão observar é que o discurso público sobre o conflito Hamas-Israel é muito simplista, e que intelectuais deveriam ser mais humildes ao analisar as suas nuances. O artigo levanta justamente essas nuances, de um intelectual que tem sérias críticas ao atual governo de Israel. Também desenvolve o conceito de “reação proporcional”. Vale muito a leitura.

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A moralidade da guerra é extremamente complicada. O mesmo ocorre, conseqüentemente, com a ética ao comentá-la.

Mas na guerra em Israel e em Gaza, algumas coisas são simples: as horríveis atrocidades cometidas pelo Hamas não podem ser justificadas, em circunstância alguma. Outro fato simples é que muitos palestinos em Gaza são totalmente inocentes, vítimas tanto de Israel como do Hamas, e estão sofrendo uma terrível calamidade. É altamente desconcertante que estes dois fatos simples precisem de ser enfatizados, mas há muitos que ficam felizes em oferecer formas pseudo-sofisticadas de negar pelo menos um deles.

Mesmo quando se trata da moralidade do esforço de guerra em si, algumas coisas são claras: Israel não tem apenas o direito de se defender, mas também o dever para com os seus cidadãos de os proteger contra as ameaças que o Hamas (e outros) representam. Igualmente claro: mesmo na prossecução de uma guerra justa, os civis não devem ser alvos. E quando os danos causados a inocentes são um resultado necessário e previsível de ataques legítimos a combatentes, para serem moralmente aceitáveis devem ser proporcionais aos danos que a operação militar pretende evitar.

Alguns dos princípios subjacentes à moralidade da guerra são, portanto, bastante simples. (A propósito, nem todos: por exemplo, não está nada claro se um Estado que utiliza a força deve ser neutro entre prejudicar os seus próprios civis e prejudicar os civis do inimigo e, se não o fizer, que prioridade deverá dar para o seu próprio povo.) Mas o que se segue disto, no que diz respeito aos conflitos da vida real, é uma questão extremamente complicada, sobre a qual a maioria de nós não tem nada parecido com o nível de informação necessário para tirar conclusões com alguma confiança.

Quais são os perigos para os seus civis que Israel está agora lutando para eliminar? Qual a probabilidade de futuros ataques – do Hamas, do Hezbollah, de outros – serem tentados? E terem sucesso? Existem medidas alternativas disponíveis para Israel que resultariam em menos danos aos inocentes? (E não, acabar com a ocupação, por mais moralmente crucial que seja, não é uma medida alternativa viável para Israel neste momento como forma de defender os seus cidadãos.) Como as táticas do Hamas, incluindo a utilização de civis palestinos como “escudos humanos”?, afeta o mórbido mas indispensável cálculo da proporcionalidade? Quanto valor deve ser dado à dissuasão, e como pode Israel restaurar um efeito de dissuasão significativo após as inacreditáveis falhas de inteligência de 7 de Outubro? O que pode Israel fazer para libertar os reféns que o Hamas (e talvez outros em Gaza) continuam a manter?

Nada pode ser dito de forma responsável sobre o que Israel deve ou não deve fazer neste momento sem respostas pelo menos parciais a estas questões complexas. Mesmo os apelos bem intencionados para um cessar-fogo imediato não escapam a este destino, pois está longe de ser óbvio que um cessar-fogo seja consistente com o dever de Israel de defender os seus cidadãos (ou mesmo apenas de libertar os seus reféns).

Os apelos a um cessar-fogo imediato são perfeitamente compreensíveis: dada a magnitude da devastação em Gaza, bem como as contínuas ameaças aos israelitas, qualquer pessoa decente pode sentir um forte desejo de que tudo simplesmente acabe. Mas tal desejo, por mais compreensível que seja, não é a base para uma política sólida. E se alguém pensa que um pedido de cessar-fogo é justificado, dadas as incertezas factuais, como forma de errar pelo lado da segurança, deve lembrar-se que, quando se trata de guerra, muitas vezes não há lado da segurança. Quaisquer erros – usar demasiada força, não usar o suficiente – serão pagos na única moeda relevante, o sangue de inocentes.

Pode-se esperar que os tomadores de decisão tenham mais informação do que o resto de nós e que atribuam o peso apropriado nas suas deliberações às restrições morais relevantes. Mas dificilmente se pode negar que em muitas das suas ações políticas durante muitos anos antes do 7 de Outubro, e em algumas das suas atuais declarações oficiais e não oficiais, Israel ganhou legitimamente a desconfiança de muitos – inclusive eu.

O que um intelectual público consciencioso deveria fazer? Deveríamos certamente ter algo a dizer sobre uma tragédia horrível que se desenrola diante dos nossos olhos? Na verdade, filósofos e outros intelectuais têm se colocado de acordo, não apenas como indivíduos, mas também em grupos. Numa dessas intervenções, 45 acadêmicos da Universidade de Oxford escreveram uma carta aberta condenando Israel e apelando aos líderes políticos britânicos para que exigissem um cessar-fogo imediato, sem sequer um gesto na direção das incertezas envolvidas. Num outro texto público, assinado majoritariamente por filósofos acadêmicos baseados na América do Norte, o jargão anticolonialista foi retirado sem modificações da estante de slogans que soam bonitos e aplicado sem qualquer sensibilidade a qualquer dos fatos aqui relevantes.

Os intelectuais devem comentar sobre assuntos públicos, e não há problema se por vezes o fizerem de uma forma que não seja tão matizada como a sua próxima publicação acadêmica. Mas quando o fazem, devem destacar as complexidades e não ocultá-las. Eles podem ser especialistas em alguns dos princípios gerais da moralidade da guerra, mas se não compreenderem o quão sensível aos fatos qualquer aplicação desse conhecimento a cenários do mundo real está sempre fadada a ser, então, afinal de contas, não conhecem o básico sobre o assunto.

Quando os intelectuais públicos fazem proclamações confiantes mas factualmente infundadas sobre tais assuntos, degradam os seus respectivos campos e, na medida em que têm um efeito no mundo real, correm o risco de participar na concretização de políticas desastrosas. Em suma, traem o seu papel como intelectuais, servindo para alimentar dúvidas legítimas sobre o quanto sabem ou se preocupam com o mundo real; na verdade, com pessoas reais.

Talvez os filósofos morais possam contribuir para o discurso público – por exemplo, ao pensar sobre como as decisões devem ser tomadas dada a tremenda incerteza envolvida, ou ao insistir na relevância de algumas considerações negligenciadas. Ou talvez devêssemos confessar que também nós estamos confusos, que não podemos ter certeza do que dizer. Dependendo das suas expectativas, isso pode ser decepcionante. Mas, ao contrário de muitas outras intervenções no discurso público de hoje, tal resposta seria pelo menos honesta. E provavelmente menos prejudicial também.

Da arte de dizer o oposto do que se está fazendo

A “neoinduatrialização” do governo Lula vai mostrando que não passa do bom e velho protecionismo. Atendendo demanda da ANFAVEA, que candidamente admitiu que, sem alíquotas de importação, seria mais vantajoso continuar importando, o governo irá sobretaxar a importação de veículos elétricos.

Para aqueles preocupados com o meio-ambiente, o ministro da Indústria e vice-presidente Geraldo Alckmin, nos tranquilizou a todos. Afinal, o objetivo é “acelerar a descarbonização da frota no País”. Bem, realmente fica difícil entender como sobretaxar veículos elétricos ajudaria a alcançar esse objetivo.

Aliás, Alckmin acionou o seu gerador aleatório de discursos, e se saiu com essa: “É chegada a hora de o Brasil avançar, ampliando a eficiência energética da frota, aumentando nossa competitividade internacional e impactando positivamente o meio-ambiente e a saúde da população”. Palavras grandiloquentes, apontando um futuro de glória e esplendor. A não ser por um pequeno detalhe: o resultado da taxação aponta para o justo inverso.

O que podemos esperar é que 1) o Brasil vai continuar parado, 2) a eficiência energética da frota vai aumentar em ritmo mais lento, 3) a nossa competitividade internacional continuará estagnada, fruto do protecionismo, 4) os impactos no meio-ambiente e na saúde da população serão negativos.

Enfim, esse é o governo do “mais do mesmo”, insistindo no que não deu certo nas últimas décadas. E, para desgosto dos ambientalistas, um governo que não dá a mínima para o meio-ambiente quando se trata de negócios. Só resta esse discurso mumbo-jumbo do vice-presidente, que só os deslumbrados compram a valor de face.

Jornal Coisas do Brasil, edição de 10/11/2023

Quatro desembargadores do Piauí e suas esposas passarão 8 dias na Espanha. O destino oficial é um seminário com duração de 2 dias. A viagem custará aos cofres públicos a bagatela de R$ 97 mil.

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O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, achou um espaço em sua atribulada agenda internacional para receber o presidente da Força Sindical. Na pauta, a organização de uma “manifestação pela paz” por parte das Centrais Sindicais. Pelo visto, as Centrais já começam a usar o dinheiro da futura contribuição sindical para fins que tem tudo a ver com o interesse dos trabalhadores, como por exemplo, manifestações anti-Israel. E, claro, com o apoio do governo brasileiro.

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Os lobistas não param em Brasília. Depois de emplacarem algumas dezenas de exceções na Reforma Tributária e aprovarem a extensão da isenção da folha de pagamentos para 17 setores, agora lutam pelo aumento do limite de isenção do Simples, de R$ 4,8 milhões para R$ 8,4 milhões de faturamento anual. A promessa, como sempre, é a criação de zilhões de empregos.

Regimes simplificados de tributação existem no mundo inteiro para facilitar a vida das empresas realmente pequenas, mas a média do teto nos países da OCDE é de US$ 27,5 mil, e o teto mais alto é equivalente a US$ 115 mil (Para Não Esquecer: Políticas Públicas Que Empobrecem o Brasil, capítulo 3). No Brasil, o teto atual é de quase 1 milhão de dólares, e estão agora brigando para passar para US$ 1,7 milhão. Claro, a conta, como sempre, é paga pelos que não têm a benesse.

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Segundo a colunista Cláudia Safatle, a oferta de crédito consignado recuou este ano 10% comparado a igual período de 2022. Para quem tem mais de 70 anos, a queda foi ainda maior, de 35%. Essa foi a primeira queda na série histórica. Qualquer correlação com o novo teto para os juros da modalidade não é mera coincidência. O ministro Carlos Lupi, autor da brilhante ideia, deve estar muito preocupado, recebendo o seu salário de conselheiro da Tupy.

O Circo de Pulgas da Amazônia

Essa pequena reportagem do Estadão é uma preciosidade. A densidade de informações desmistificadoras em tão poucas linhas fazem dessa matéria uma pérola de rara beleza. Vejamos.

A propaganda desse governo nos fez acreditar de que se tratava de um defensor incansável das pautas ambientais. Ao contrário da reencarnação de Nero que o antecedeu, Lula faria de tudo para evitar a degradação da Amazônia. Bem, na prática, a teoria é outra.

1) O IBAMA vai enviar um “projeto robusto” para usar recursos do Fundo Amazônia “até o fim do ano”. Claro, o detalhe é que os incêndios estão ocorrendo AGORA. O que o IBAMA sob o governo Lula fez este ano? Marina Silva estava mais ocupada em fazer palestras no exterior?

2) O IBAMA tem 2 (dois, um-dois) helicópteros disponíveis para combater os incêndios. Mas o “projeto robusto” conta com R$ 35 milhões do Fundo Amazônia. Deve dar para comprar mais uns dois helicópteros e ainda sobra uns trocos para veicular um par de anúncios auto-elogiosos do governo.

3) “O mundo inteiro não está preparado de maneira clara para as mudanças climáticas”. É mesmo? Ouvi aqui a confissão de que o grande governo ambientalista Lula está “despreparado”? Achei que despreparo era um qualidade exclusiva do governo Bolsonaro. Mas, pelo menos, no caso governo Lula, estamos de mãos dadas com o “mundo inteiro”. Não deixa de ser um consolo.

4) Já houve uma verba do Fundo Amazônia usada pelo IBAMA para combater incêndios. A julgar pelos resultados, faltou um “projeto robusto”, que virá até o final do ano, pode acreditar.

5) Os recursos doados pelos países ao Fundo Amazônia estão ainda em “fase de transferência”. Sabe como é, ainda não inventaram o PIX na Inglaterra, Alemanha, Suíça e outros países doadores. Então, essa coisa de transferência demora mesmo. Mas fica tranquilo, até as queimadas do ano que vem, o dinheiro chega.

6) No total, o governo já gastou esse ano quase R$ 260 milhões com combate a incêndios, bem mais, portanto, que os R$ 35 milhões do “projeto robusto” do IBAMA. Mesmo assim, estamos batendo recorde de queimadas. Vai realmente fazer muita diferença o “projeto robusto” do IBAMA.

Já chamei esse governo de Circo de Pulgas, coisas minúsculas sendo anunciadas como o Maior Espetáculo da Terra. Esse é só mais um exemplo.