A posse de presidentes argentinos de campo ideológico oposto ao do presidente brasileiro é um fenômeno recente. Até a posse de Macri, todos os presidentes argentinos eleitos desde a redemocratização eram mais ou menos do mesmo campo ou, pelo menos, neutros em relação ao presidente brasileiro. Assim, Sarney compareceu à posse de Menem em 1989, FHC foi à posse de De La Rua em 1999, Lula foi à posse de Nestor Kirshner e Cristina Kirshner em 2003 e 2007 respectivamente e Dilma Rousseff compareceu à posse de Cristina Kirshner em 2011.
No primeiro teste de civilidade democrática, Dilma Rousseff saiu-se bem, comparecendo à posse de Maurício Macri em 2015, mesmo com sua amiga íntima, Cristina Kirshner, recusando-se a passar a faixa para o presidente eleito. Pode-se tentar argumentar que Macri é um comunista perto de Milei, mas esse argumento perde força se considerarmos que o ex-presidente argentino apoiou Milei e o está ajudando a montar o governo. Assim, Dilma, mesmo em um ambiente já conflagrado aqui (ela seria impichada 5 meses depois) deu mostras de colocar as prioridades do país acima de suas preferências ideológicas.
Foi Bolsonaro quem inaugurou a agora tradição de não comparecer à posse do presidente do terceiro maior parceiro comercial do Brasil se este for do campo oposto. Alegando “imprevistos de última hora”, enviou o vice-presidente, Hamilton Mourão, para a posse de Alberto Fernandes em 2019.
Lula desceu mais um degrau na picuinha ideológica. O vice-presidente, ao menos, é um representante eleito do povo brasileiro. Sua presença, apesar de não compensar a falta do presidente, ao menos tem alguma carga simbólica. Muito melhor do que mandar o chanceler Mauro Vieira, que não passa, com todo respeito, de um ajudante de ordens graduado do governo.
Diziam que Lula era o contraponto democrático de Bolsonaro. Eu nunca engoli essa. É nessas pequenas coisas que Lula se mostra tão avesso aos rituais democráticos quanto Bolsonaro. Essa era uma oportunidade de marcar a diferença. Como vimos, não somente Lula imitou Bolsonaro, como o superou na incivilidade democrática.