Em artigo de ontem no Valor Econômico, o economista Luís Schymura defende a adoção de Políticas Industriais (PI) por parte de governos, mas “da maneira certa”. E qual seria essa maneira? Estabelecendo metas e descontinuando programas que não atingissem essas metas. Segundo Schymura, o problema não estaria na falta de visão do burocrata estatal, pois o empresário tampouco tem essa visão ex-ante do que vai dar certo, tudo tem risco. O problema está na insistência em programas que não dão certo. E o elixir que faria a PI estatal “dar certo” seria o estabelecimento e a mensuração de metas.
Uma das poucas vantagens de ser velho é já ter visto de tudo. Em 2011, a então presidente Dilma Rousseff lançou uma PI que faria inveja aos governos militares. O nome, como tudo no PT, era grandiloquente: Plano Brasil Maior. Tratava-se de uma mistura de subsídios e renúncias tributárias, que tinha por objetivo lançar o país para o próximo patamar. A desoneração da folha de pagamentos, que foi mais uma vez recentemente renovada, fazia parte desse pacote.
O que me chamou a atenção na época foram as metas extremamente bem definidas, na linha do que Schymura propõe como o ideal. Eram 10 metas:
- Ampliar o investimento em capital fixo de 18,4% para 22,4% do PIB
- Elevar a despesa empresarial em P&D de 0,50% para 0,90% do PIB
- Elevar o % de trabalhadores da indústria com pelo menos o nível médio de 54% para 65%
- Aumentar o Valor da Transformação Industrial/Valor Bruto da Produção de 44,3% para 45,3%
- Aumentar a participação das indústrias de média-alta tecnologia na produção industrial total de 30,1% para 31,5%
- Aumentar o número de micro/pequenas/médias empresas inovadoras de 37 mil para 58 mil
- Diminuir o consumo de energia de 150,7 tep/ R$ milhão para 137,0 tep/R$ milhão
- Ampliar a participação do Brasil na corrente de comércio internacional de 1,36% para 1,60%
- Aumentar a participação dos setores ligados à produção de energia sobre a produção industrial total de 64% para 66%
- Ampliar o número de domicílios com acesso à banda larga de 14 para 40 milhões.
Como se vê, não foi por falta de metas que o Brasil Maior foi mais uma PI que acabou no cemitério das boas intenções. Aliás, deve ter sido por isso que Dilma abandonou esse negócio de estabelecer metas…
Essa história de que PI é algo intrinsecamente bom, só precisando ser aplicada “da maneira certa”, me faz lembrar os defensores do socialismo como forma de organização econômica: trata-se da forma mais justa e humana de organizar os fatores econômicos, e só não deu certo em lugar nenhum do mundo porque seus princípios foram desvirtuados. O problema é que, tanto o socialismo quanto a política industrial dependem de um ser humano que não existe: virtuoso, abnegado, altruísta. Podemos ser tudo isso em nossas esferas privadas, mas quando se trata de relações econômicas entre iguais, cada um busca maximizar a sua posição. No final, aquela política bem-intencionada é capturada por aqueles que estão mais próximos do cofre, e que sempre tiram da cartola uma história triste para justificar o não atendimento das metas estabelecidas e, assim, manterem a sua mamatinha.
A grande vantagem do empresário sobre o burocrata é que a sua única meta chama-se lucro. Claro, o empresário também trabalha com metas: crescer x%, conquistar tais mercados, etc. Mas o que vai decidir se aquele “política” continuará viva ou não é o lucro. Não dando lucro, essa “política” chamada empresa será descontinuada. A não ser, claro, que seja sustentada por uma PI generosa, que permite que empresas-zumbi sobrevivam sugando a produtividade do país por anos e décadas. Aliás, coincidência ou não, abaixo do artigo do Schymura o jornal estampa a renovação dos incentivos para a indústria automobilística pela trocentésima vez nas últimas 7 décadas. Serve como um CQD deste post.