O preço das mercadorias é o termômetro da doença, não a sua causa. Controlar preços não fará a doença sumir. Pelo contrário. Se a doença continuar lá, o estado do paciente somente piorará, o que demandará tratamento posterior ainda pior.
Dois exemplos apareceram nos jornais nesses dias. O primeiro foi um decreto legislativo para suspender o aumento do preço da energia elétrica no Ceará.
O segundo, uma nova peroração do presidente contra a política de preços da Petrobras, após a divulgação de seu resultado recorde no 1o trimestre.
Já passamos (acho) da fase em que pensávamos que congelar todos os preços da economia resolvia a questão da inflação. Vimos, depois de apanhar muito, que o resultado desse tipo de política é o desabastecimento e a volta da inflação muito mais virulenta posteriormente. Atacávamos a febre, não a doença.
Por algum estranho motivo, no entanto, grande parte da população ainda acha que controlar os preços dos combustíveis e da eletricidade não causará os mesmos problemas. Claro que combustíveis e eletricidade são mercadorias diferentes de arroz e automóveis. Mas a lógica empresarial é a mesma: é preciso investir antecipadamente, assumindo risco, para produzir e distribuir a mercadoria. E é neste ponto que o controle de preços atua negativamente, desestimulando novos investimentos. Vejamos os dois exemplos.
No caso dos combustíveis, a Petrobras atua em um ramo bastante instável. Agora o preço do petróleo está acima de US$ 100, mas estava em US$ 50 há um ano e chegou a bater US$ 20 no pior momento da pandemia. Que empresa consegue se planejar com essa volatilidade de preço do seu principal produto? Isso sem contar com o câmbio… Então, como qualquer empresa que produz commodities, a Petrobras precisa faturar e lucrar muito durante o tempo das vacas gordas para compensar os lucros menores dos tempos das vacas magras. Caso contrário, os investidores não estarão dispostos a financiar a atividade da empresa.
É curioso ouvir o presidente dizendo que “os gordos fundos de pensão americanos” é que estão enriquecendo com os preços praticados pela Petrobras. O presidente, como representante máximo do maior acionista da empresa, deveria era estar dando graças a Deus que ainda tem investidor disposto a correr o risco Petrobras. Isso só está acontecendo porque o governo Temer estabeleceu em lei que a empresa é obrigada a praticar preços de mercado, garantindo que os tempos das vacas gordas compensem os tempos das vacas magras. A Petrobras, hoje, poderia estar produzindo muito mais, se o governo Dilma não tivesse controlado os preços, afastando investidores e tornando a Petrobras a empresa mais endividada do planeta. Estamos pagando a conta de uma política populista de preços, que o atual presidente quer ver repetida. Quebrar o termômetro não elimina a doença.
A eletricidade é uma mercadoria completamente diferente do petróleo, mas a lógica empresarial é a mesma. As empresas assumem compromissos de décadas em troca de regras estáveis de reajuste de preços. Repito: o compromisso dessas empresas é de 20 ou 30 anos. Assinar um contrato com esse horizonte de tempo no Brasil exige muita coragem, em um país instável como o nosso, onde as regras não valem a tinta gasta para escrevê-las. A tentativa do Congresso de “congelar” os reajustes tarifários de eletricidade é somente a constatação desse fato. Não à toa, é preciso acenar com taxas de retorno atraentes para que empresas se aventurem nesses empreendimentos.
As empresas de geração, transmissão e distribuição de energia investem em infraestrutura para depois se remunerarem com as tarifas ao longo dos anos. Se essa remuneração não for suficiente, essas ou outras empresas exigirão taxas de retorno ainda maiores para fazer novos investimentos na ampliação e manutenção do parque de energia elétrica. No limite, não haverá empresas dispostas a investir, seja qual for a taxa de retorno do investimento. A mercadoria mais cara é aquela que não existe. Restarão as estatais, que investem a qualquer preço, dado que seus prejuízos são pagos pela população, não por investidores.
Se o preço dos combustíveis está nas alturas porque acompanha o preço do petróleo no mercado global, o preço da eletricidade está nas alturas porque a conta precisa carregar um monte de penduricalhos acumulados ao longo do tempo, inclusive a conta da redução ”na marra” do preço da eletricidade patrocinada pelo governo Dilma em 2013. E já temos contratados novos penduricalhos, que acompanharão a privatização da Eletrobras e pesarão sobre as contas no futuro. Além dos impostos, que representam mais de um terço do preço total. Quebrar o termômetro não elimina a doença.
Controlar preços sempre, SEMPRE, desorganiza o mercado, diminui investimentos e deixa uma conta ainda maior para o futuro. Os tão celebrados jovens deveriam usar o seu poder de voto para elegerem políticos que entendam isso. Pois a conta será paga por eles.