Cada vez mais leio por aí a seguinte tese: os votos nulos, brancos ou as abstenções no 2o turno servirão para eleger o Lula. A provar a tese, estariam aí as eleições do Peru e Colômbia, em que poucos votos separaram o vitorioso do perdedor. Nos dois casos, candidatos da esquerda venceram. Caso as abstenções não fossem em número tão alto, o candidato da direita teria vencido.
Faz sentido esse raciocínio? Não, não faz nenhum sentido. E explico porque.
O raciocínio parte do pressuposto de que quem decide se abster no segundo turno, na verdade tem mais rejeição a Lula do que a Bolsonaro. Mas, por uma espécie de “isentismo doentio”, se recusa a votar em Bolsonaro, mesmo achando o candidato menos ruim do que Lula.
Ora, esse pressuposto está incorreto de duas maneiras.
A primeira, mais óbvia, é de que se uma pessoa decide se abster, essa pessoa NÃO acha Lula pior que Bolsonaro. O voto nulo (ou a abstenção) é justamente o resultado de uma avaliação em que o eleitor concluiu que AMBOS os candidatos são IGUALMENTE ruins. Caso achasse que um é suficientemente menos ruim que o outro, obviamente votaria no menos ruim. Isso é nada menos que óbvio.
Mas a premissa está errada também de outra maneira. Digamos que, de fato, o eleitor esteja tomado de um “isentismo doentio”, e vota nulo por causa dessa espécie de distorção cognitiva. Quem garante que, uma vez “curado” dessa doença, o nosso eleitor cairia para o lado de Bolsonaro? Por que não escolheria Lula? Qual a garantia de que, se todos os que se abstiveram fossem obrigados, com uma baioneta da cabeça, a votarem em alguém, necessariamente escolheriam Bolsonaro? De onde vem essa ideia? Respondo: vem da cachola de quem acha inadimissível não votar em Bolsonaro contra Lula. E é aí que está a verdadeira distorção da realidade. Vejamos.
Os bolsonaristas (vale para os petistas também, lá eles pensam exatemente a mesma coisa) até conseguem admitir que alguém vote em Lula, seja por ingenuidade, seja por má fé. Mas não conseguem admitir que alguém anule o voto. E por que? Porque consideram o voto nulo como uma espécie de “meio-termo” entre os dois candidatos, um “murismo” que vai eleger o adversário. Não conseguem entender que o voto nulo, na verdade, é um voto tão decidido quanto o voto em um ou outro candidato. É o voto de quem gostaria de eleger um terceiro que não está na cédula, e realmente tanto faz quem vai ser eleito se não for este terceiro. É o voto do protesto contra uma escolha que não lhe diz respeito.
Dizem que, se os que se abstiveram tivessem votado no candidato da direita na Colômbia, este teria vencido. É o mesmo que dizer que, se minha mãe tivesse nascido homem, seria meu pai. Os que se abstiveram, por óbvio, não queriam votar no candidato da direita. Caso quisessem, teriam votado, ora pois. O mundo das possibilidade é sempre infinito, mas, no mundo real, o que vale é aquilo que aconteceu. E o que aconteceu é que, dentre aqueles que escolheram um dos dois candidatos, a maioria votou no candidato da esquerda.
Portanto, os “culpados” pela eventual vitória de Lula serão, em primeiro lugar, os próprios eleitores de Lula. E, depois, secundariamente, serão Bolsonaro, os bolsonaristas e os anti-petistas, que não conseguiram convencer gente suficiente para sufragar o nome do presidente nas urnas. O resto é conversa de louco.
PS1.: não decidi meu voto ainda. E, quando decidir, talvez não o torne público. Meus posts têm a humilde intenção de agregar informações e análises ao debate eleitoral. Essa é a minha contribuição, minha declaração de voto é irrelevante.
PS2.: os que votam nulo têm sim o direito de criticar o governo de plantão. O direito à crítica não nasce do voto, mas do simples fato de ser um cidadão titular de direitos. Votar ou não é irrelevante para a crítica. Se não fosse assim, os que votaram no presidente não poderiam criticá-lo, o que é uma rematada bobagem.
PS3.: os comentários provarão a tese de que lógica é uma matéria que deveria ser obrigatória no ensino fundamental.