A tabela abaixo foi tirada da primeira página do caderno de economia do Estadão do dia 04/01/1993. Sim, os jornais publicavam a cotação do dólar paralelo naquela época.
Sempre que via essa tabela, me perguntava porque a polícia não ia atrás de quem fornecia aquela informação para o jornal. Afinal, dólar paralelo é crime financeiro. Que um crime financeiro desfilasse diariamente nas páginas de economia, ao lado de outros indicadores respeitáveis, nos dá um pequeno sabor do que era o Brasil daqueles tempos.
Lembrei disso quando vi o gráfico abaixo, em um relatório de hoje do J P Morgan. O dólar paralelo na Argentina atingiu 150% de ágio sobre o dólar oficial, maior ágio desde o final da década de 80.
O ágio do dólar paralelo é fruto de um dólar oficial fora de lugar. O governo argentino está praticamente sem reservas internacionais, o dólar é mercadoria escassa, mas o preço oficial não reflete isso. O governo Alberto Fernandez não deixa o dólar flutuar porque adicionaria ainda mais gasolina na inflação. Seria uma mistura explosiva, que poderia rapidamente transformar uma inflação alta em uma hiperinflação.
Qual a saída para os argentinos? Equilibrar o orçamento público, de modo a conseguir estancar a monetização da dívida (o Banco Central financiando o Tesouro). Difícil? Sim. Mas como disse Anne Krueger no artigo citado em meu post anterior, adiar a resolução de um problema só serve para agravá-lo.
Difícil identificar porque a situação piorou tanto em tão pouco tempo. Mas é assim que as crises financeiras acontecem. Primeiro lentamente, depois de repente. Há uma espécie de momento-chave, em que cai a ficha dos agentes econômicos, e um processo linear torna-se exponencial.
O Brasil está longe da situação que aflige agora o nosso vizinho austral. Temos grande quantidade de reservas, há compradores para a nossa dívida pública (a um preço salgado, mas há) e um banco central com credibilidade. Mas se me perguntarem em que estrada estamos, diria que estamos na estrada que leva a Buenos Aires. Ainda distantes do destino, mas a estrada é essa. Para dar a meia-volta, os remédios são amargos, mas menos amargos do que daqui a um, dois ou cinco anos, se nada for feito.
Estamos ainda na fase em que a piora se dá lentamente. Em algum momento, se continuarmos a caminhar nessa estrada, chegaremos na fase do “de repente”. E todos se perguntarão “mas o que aconteceu???”. Nada. Teremos apenas chegado ao nosso destino.