Quando boas intenções pioram a distribuição de renda

O presidente do Chile anunciou que, a partir de 1o de setembro próximo, nenhum chileno vai precisar pagar pela assistência médica pública.

O Chile adotará o modelo brasileiro, em que todos os cidadãos têm acesso gratuito ao sistema de saúde. Segundo a matéria, pessoas abaixo de 60 anos e que ganham acima de 420 dólares mensais precisam pagar por parte de seu atendimento. Com o acesso universal, não mais.

É interessante observar os números do Chile e compará-los com os do Brasil. Segundo a reportagem, 20% dos chilenos não usam o sistema público. Aqui no Brasil, essa proporção é de cerca de 25%. Ou seja, mesmo sendo de graça, há proporcionalmente mais brasileiros que preferem pagar por um plano de saúde do que depender do sistema público, o que pode indicar que o sistema de saúde chileno presta, em média, melhores serviços do que o sistema brasileiro. (Aqui não estou ajustando pelo Gini e pela renda per capita dos dois países, o que, provavelmente, traria resultados ainda mais desfavoráveis ao Brasil, dado que os 25% mais ricos no Brasil devem ter renda abaixo dos 20% mais ricos no Chile).

Vamos agora ao problema do financiamento desta iniciativa. Há um problema inicial: provavelmente, o custo do sistema aumentará. Hoje, os co-pagamentos certamente inibem o uso indiscriminado do sistema. Com a eliminação do co-pagamento, há um moral hazard envolvido, pois o custo para usar o sistema passa a ser zero. Há quem defenda que, em se tratando de saúde, o custo não deveria ser um impeditivo para usar o sistema. Ok, justo. Mas que o custo de manutenção do sistema vai aumentar, não há dúvida.

Para manter o nível atual de excelência do atendimento público com demanda maior, outra fonte de recursos deverá ser encontrada para repor o dinheiro que será deixado de ser arrecadado com os co-pagamentos. Só há duas fontes possíveis: impostos e dívida, que nada mais é do que impostos diferidos (as gerações futuras precisarão pagar, com mais impostos, a dívida feita hoje. A não ser que se financie a dívida com inflação). No caso do Chile, ambos os casos são bem tranquilos: a carga tributária é de cerca de 10 pontos percentuais do PIB menor que a brasileira, e a dívida pública é de apenas 30% do PIB, contra 80% no Brasil. Portanto, espaço tem. A questão é quem paga.

Como mencionamos acima, quem ganha abaixo de 420 dólares mensais já não paga para usar o sistema. Este patamar de renda é equivalente à renda média do brasileiro. Como a renda per capita chilena é 65% maior que a brasileira, a renda média do chileno deve ser de uns 700 dólares mensais. Portanto, esse patamar de 420 dólares é 40% abaixo da renda média. Seria algo como R$ 1.300 mensais no Brasil. Ou, grosso modo, um salário mínimo aqui. Portanto, os mais pobres no Chile já são beneficiados com a isenção.

Com a isenção geral, “famílias de classe média”, no dizer da matéria, serão beneficiadas, e economizarão cerca de 300 dólares por ano com saúde. O financiamento deste gasto adicional somente não concentraria renda se o aumento marginal de impostos ocorresse sobre a renda do andar de cima. O aumento da dívida pública afeta todos os chilenos igualmente. A matéria, infelizmente, não traz detalhes a respeito.

Posso estar enganado, mas desconfio que, daqui a uma geração, os chilenos ainda estarão comemorando o acesso universal à saúde (#vivaloSUS), mas estarão coçando a cabeça para entender porque o sistema de saúde e a distribuição de renda no país pioraram.

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