Depois de 7 meses de guerra, com seu exército perdendo territórios e tendo que mobilizar reservistas, Putin decidiu trucar a Ucrânia e a aliança ocidental que a apoia, anexando politicamente territórios ucranianos. A ameaça de Putin é de que, sendo estes territórios agora russos, qualquer tentativa da Ucrânia de retomá-los significaria uma agressão ao próprio território russo, o que autorizaria o Kremlin a usar “armas nucleares táticas” no confronto.
Pode-se dar o adjetivo que se queira, “tático”, “estratégico” ou “arrasa quarteirão”, o fato é que o uso de armas nucleares mudaria a guerra de patamar. Por outro lado, sem o seu uso, a anexação significa zero: a Ucrânia continuará lutando pela reconquista desses territórios como se nada tivesse acontecido. Portanto, a anexação somente faz sentido se for para escalar a guerra.
No entanto, essa anexação mostra que a mão de Putin é fraca, para continuar na linguagem do truco. Gritou truco sabendo que o adversário tem uma mão mais forte, mas na confiança de que não terá culhões para utilizá-la. Essa mão chama-se “admissão da Ucrânia na OTAN”. Uma vez que uma arma nuclear seja detonada em território ucraniano, este é o próximo movimento óbvio da aliança ocidental, de modo que a Rússia estaria às voltas com uma guerra direta contra os Estados Unidos e seus aliados europeus.
Dentre os possíveis desdobramentos do uso de uma arma nuclear, Putin certamente está contemplando essa hipótese. As outras duas são os EUA fazerem cara de paisagem e continuarem a dar o mesmo apoio de sempre à Ucrânia como se nada tivesse acontecido, ou forçar a Ucrânia a celebrar um acordo de paz nos termos russos. Qualquer dessas duas hipóteses significaria dizer que o uso de ”armas nucleares táticas” é admissível para atingir objetivos geopolíticos. Já vejo Xi Jiping esfregando as mãos, mas não só ele. Como essa admissão parece impensável, creio que a hipótese do ingresso da Ucrânia na OTAN é a mais plausível.
O problema é que Putin pode até ter a mesma avaliação, mas está acuado com uma mão fraca. E, ao contrário do truco, não terá a possibilidade de jogar outra mão. Por enquanto, a anexação é só um grito de truco. Se a Ucrânia continuar a lutar pelos seus territórios anexados, terá gritado um “seis”. Putin decidirá então se prefere correr do jogo ou gritar um “nove” desesperado, usando armas nucleares. Caberá então à aliança ocidental decidir se corre ou grita um “doze”, admitindo a Ucrânia na OTAN e lutando diretamente contra a Rússia, o que seria certamente o fim de Putin. Neste caso, o máximo que poderemos fazer é rezar para que não seja também o fim do mundo.