Luis Eduardo Assis descreve com rara precisão a dinâmica do mercado financeiro. Já escrevi muito aqui sobre a natureza do mercado e seus atores, mas não sobre como os seus operadores tomam decisões. Assis compara o mercado com uma ”sala de espelhos”, em que cada operador procura antecipar a decisão de seus pares. Trata-se, eu acrescento, de uma competição, em que os operadores tentam vencer seus adversários, atraindo, assim, mais recursos do dono do jogo, o investidor. É este, em última instância, o responsável pelos incentivos que comandam os movimentos do mercado.
Assis afirma, cinicamente, que o mercado está disposto a acreditar em qualquer “lorota crível”, o que é a mais pura verdade. Para entender o que ele quis dizer, será útil recordar a dinâmica da crise do subprime, em 2008, brilhantemente retratado por Michael Lewis no livro The Big Short, e que se transformou no filme A Grande Aposta.
Lewis conta como um punhado de operadores do mercado notou que havia algo de podre no mercado imobiliário norte-americano, e começou a apostar contra. Especificamente Michael Burry, gestor de um hedge fund chamado Scion Capital, começou a fazê-lo já em 2005! Ele estava correto em seu diagnóstico, mas as suas apostas só começaram a dar frutos quase 3 anos depois. Resultado: ele quase quebrou antes de poder mostrar que estava correto. Os donos do jogo (os investidores) não entendiam aquela aposta e pressionavam o gestor para ter o seu dinheiro de volta. O final da história foi feliz (para ele), mas, na maior parte das vezes, não é assim.
De modo geral, os investidores não têm paciência ou estômago para ir contra a tendência geral do mercado, e é esse incentivo que é dado para os operadores. São poucos os operadores que têm o poder que tinha Michael Burry, de fechar o seu fundo para resgates. Assim, o operador pode até estar correto em sua visão, mas de nada adianta se não tiver mais patrimônio para gerir, porque foi tudo resgatado.
Um jornalista da Globo News chamou o mercado de bolsonarista. Ele certamente esqueceu que a bolsa subiu durante 5 anos seguidos, entre 2003 e 2007, quando Lula era bom em contar “lorotas críveis”. E, mesmo quando os sinais de que a vaca da economia já apontava para o brejo que seria o governo Dilma, Lula emplacou a maior capitalização da história até então. O mercado, mesmerizado pelo pré-sal, entrou de cabeça na capitalização da Petrobras, fechando os olhos para os truques contábeis e o uso declarado da Petrobras para fazer a política industrial do governo petista. Quem apostasse contra estava arriscado a ficar “de fora da festa”, em mais uma demonstração da sala de espelhos mencionada por Assis.
Ocorre que a realidade, no final, sempre se impõe. Quando começa a ficar claro que o desastre se avizinha, um a um dos operadores vão tirando seu time de campo, cautelosamente no início, atabalhoadamente no fim, gerando o efeito manada. Todos sempre balanceando o risco de ficar fora da festa com o risco de ser o último a ficar para pagar a banda e apagar as luzes. Os investidores, claro, não gostam de nenhuma das duas hipóteses.
“Lorotas críveis” fazem o papel do DJ que anima a festa. No final, a realidade é incontornável, mas, até que chegue, investidores e operadores dançam conforme a música. Não, o mercado não é bolsonarista. O mercado só gosta de uma história bem contada.