A se levar a sério as colunas de fofocas políticas, Haddad está um poço de mágoas com o presidente do BC, Campos Neto. Tudo isso porque o último Copom (o primeiro do governo Lula) mencionou uma “elevada incerteza” no campo fiscal. Quer dizer, não teria levado em conta o grandioso pacote de ajuste fiscal anunciado pelo ministro.
Haddad não deveria ficar chateado. Vejamos a seguir os comunicados de algumas reuniões do Copom nos últimos anos.
Copom 06/05/20: “políticas fiscais de resposta à pandemia que piorem a trajetória fiscal do país de forma prolongada”
Copom 20/01/21: “O risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos”
Copom 27/10/21: “recentes questionamentos em relação ao arcabouço fiscal elevaram o risco de desancoragem das expectativas de inflação”
Copom 02/02/22: “a incerteza em relação ao arcabouço fiscal segue mantendo elevado o risco de desancoragem das expectativas de inflação”
Copom 07/12/22: “a elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais adicionais”
Copom 01/02/23: “a ainda elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais”
A primeira menção ao risco fiscal por parte da gestão de Campos Neto ocorreu no segundo Copom após o início da pandemia, em maio/20, em resposta ao grande pacote de estímulo fiscal patrocinado pelo governo. Essa menção ao risco de estímulos adicionais iria perdurar até outubro/21. Neste mês o tom muda, e entra a preocupação com o “arcabouço fiscal”. Foi o mês do “waiver day”, em que Paulo Guedes aceita a primeira de uma série de mudanças na regra do teto de gastos.
Essa menção à incerteza em relação ao arcabouço fiscal continuaria ao longo de todo o ano de 2022. No último Copom do governo Bolsonaro, foi agregada a palavra “elevada” para qualificar a incerteza, em razão da aprovação da PEC da gastança.
Chegamos então a 2023. No mundo da fantasia de Haddad, Campos Neto deveria reconhecer que um pacote mal ajambrado, que pretende repor R$ 100 bilhões dos R$ 200 bilhões da PEC da gastança, deveria fazer sumir o risco fiscal do país. Isso, em um governo em que o chefe do Executivo afirma que vai gastar mesmo, e daí?
Que permanece a elevada incerteza sobre o substituto do teto de gastos, não há dúvida. O Copom só fez reconhecer essa realidade. Se a autoridade monetária entrasse no mundo dos sonhos de Haddad, o efeito seria uma desancoragem ainda maior das expectativas de inflação. O mercado olharia para Campos como um novo Tombini, aquele que está pronto a fazer as vontades do Planalto. Já vimos esse filme antes.
A se tomar a valor da face essas fofocas, o caso demonstra o que já sabíamos, aqueles que nunca nos iludimos: o entendimento de Haddad sobre economia é tão tosco quanto o de seu chefe, tendo apenas um verniz da Vila Madalena.