Felipe Salto escreve novamente sobre a sua proposta de arcabouço fiscal, agora com mais detalhes. O controle se daria para o nível da dívida em relação ao PIB. Haveria uma meta mais ou menos frouxa até 2026 (crescimento de 9 pontos percentuais em relação ao nível de 2022), e depois uma convergência suave nos 10 anos seguintes para um nível ainda 2 pontos percentuais acima do nível alcançado em 2022, e cerca de 20 pontos percentuais acima do nível que tínhamos quando ganhamos o selo de Grau de Investimento. Salto chama esse ajuste de “esforço fiscal relevante”, mas sem um “ajuste brusco”, pois isso não seria possível.
Na sugestão se Salto, já levada ao ministro Haddad, há um teto móvel de gastos, ajustado por metade do crescimento do PIB dos 5 anos anteriores. A rigor, essa regra seria desnecessária, dado que a meta é a relação dívida/PIB, e que pode ser atingida simplesmente aumentando impostos ou recorrendo a receitas extraordinárias, como privatizações. Mas Salto sabe que a credibilidade de qualquer arcabouço, hoje, passa por alguma regra de controle de despesas. Os outros componentes da dinâmica da dívida (juros reais, crescimento do PIB e inflação) estão além do poder de controle do governo.
Aliás, esse é o problema fundamental da proposta de Salto, e que já tive oportunidade de comentar aqui: estabelecer como meta a relação dívida/PIB sem que o governo não consiga, efetivamente, controlar todas as suas variáveis, é o equivalente a não controlar nada. O mercado vai simplesmente ignorar essa meta e focar na regra de controle de gastos para fazer as suas contas. Resta saber qual será a reação de Lula quando lhe for sugerido um teto de gastos, mesmo que mitigado. Não à toa, Salto sugere um espaço de 9 pontos percentuais de crescimento da dívida/PIB até 2026. Assim, o governo Lula teria menor pressão de controle, e deixaria o abacaxi para o seu sucessor. O qual, claro, continuaria a empurrar o problema com a barriga. Claro, se a coisa toda não explodir antes.
Não me espantaria, inclusive, se houvesse, por exigência de Lula, uma espécie de “waiver” nessa nova regra do teto até 2026, desde que se cumprisse essa trajetória de dívida/PIB. Ha mais formas de atingir essa meta, além de controlar gastos. Por exemplo, baixando juros por decreto. Assim, as despesas com juros diminuiriam e, de quebra, teríamos inflação mais alta, o que também reduziria a relação dívida/PIB. Quem disse que, para controlar a dívida, precisa necessariamente controlar gastos?