Em sua primeira reunião do ano, em 01/02, o Copom fez aquilo que todo BC sério faria se estivesse na mesma situação: manteve a polítia monetária apertada porque as expectativas de inflação estão muito longe da meta. Seguiu-se um barulho ensurdecedor do presidente e de toda a claque que o segue. Haddad fez biquinho, afirmando que o BC havia ignorado o “grande pacote fiscal” anunciado duas semanas antes com pompa e circunstância.
Roberto Campos Neto, apesar de ser um voto em nove no Comitê, assumiu a tarefa institucional de aparar arestas. Em primeiro lugar, fez introduzir uma frase na ata do Comitê, publicada uma semana depois, em que faz menção ao “grande pacote fiscal” de Haddad. Em seguida, fez uma jogada de risco, e decidiu se expor em um programa como o Roda Viva. Na minha visão, saiu-se bem na transmissão de uma mensagem de paz institucional. Alguns, inclusive, apostaram que o Copom, dali em diante, seria um pouco mais “amigável” às demandas do governo.
De nada adiantaram esses movimentos. O Copom e seu presidente não mereceram o benefício da dúvida por parte de Lula e de seu governo. A pressão acalmou durante alguns dias, para voltar com força em seguida, e tornar-se insuportável às vésperas da reunião, com direito a seminário do BNDES com a presença de prêmio Nobel e tudo o mais.
O Copom encontrava-se em uma encruzilhada: ou bem cumpria o seu papel institucional de ponderar o melhor nível para a taxa de juros consideranto a meta que lhe foi dada pelo CMN, ou cedia às pressões. O comunicado de hoje não deixa margem a qualquer dúvida: o Comitê decidiu seguir pelo primeiro caminho, fazendo valer a sua independência. A manutenção da frase “[o Comitê] não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado” tem a força de um grito de guerra. Imagine o que aconteceria se o BC, não satisfeito em manter a taxa no atual patamar, a tivesse elevado…
Com o BC pintado para a guerra, resta ao governo quatro alternativas:
1) Procurar, de alguma forma, destituir cinco diretores do BC agora (em um colegiado de nove). Note que não basta remover Campos Neto. Ele é apenas um voto no Copom, e as decisões têm sido unânimes. A única vez em que não houve unanimidade com essa diretoria foi em setembro, quando o Comitê decidiu manter a taxa em 13,75%, encerrando o ciclo de alta. Na ocasião, houve dois votos por um aumento adicional de 0,25%… Ou seja, RCN é o menor dos problemas do governo.
2) Mudar a meta para a inflação de 2024 em diante. Com isso, teoricamente, o Copom teria espaço para reduzir a taxa de juros. O problema com esse movimento é que a formação das expectativas já considera a meta. Quando o Focus indica uma inflação de 4,1% para 2024, não significa que os economistas que respondem à pesquisa disponham de uma bola de cristal e calculem, com tanta antecedência, qual será a inflação do ano que vem. Lembre-se, estamos somente em março, 2024 está muito distante. O que os economistas fazem? Partindo da meta (que é 3%), avaliam que, com uma certa taxa Selic, a inflação ficará acima da meta em 1,1%. Se a meta for elevada para, por exemplo, 4%, e tudo o mais ficar constante, é só questão de tempo para que as expectativas migrem para 5,1% em 2024 (1,1% acima da nova meta). O problema não é o nível da meta, mas a capacidade/credibilidade do Banco Central de trazer a inflação para a meta, qualquer que ela seja. Esse é o princípio fundamental do sistema de metas de inflação, que trabalha, basicamente, com expectativas. Mudar a meta só bagunça o coreto, sem realmente dar maior espaço para cortes de juros. Aliás, pelo contrário, aumenta a incerteza, que é inimiga do juros baixos.
3) Continuar esperneando, com o objetivo de ter um bode expiatório para o crescimento pífio da economia.
4) Fazer um ajuste fiscal de verdade, que faça com que os agentes econômicos retomem a confiança no governo, permita a reancoragem das expectativas de inflação e, por fim, abra espaço para o início de um ciclo de cortes bastante expressivo da taxa Selic, como tivemos a partir de 2017.
O Copom fez o seu gambito. Vejamos o próximo movimento do governo.