Quando Lula assumiu, em 2003, o IPCA estava rodando a 12% (chegaria a 17% em meados do ano) e a Selic estava em 25%. Henrique Meirelles, então presidente do BC nomeado por Lula, não teve dúvida: elevou a Selic para 25,5% em 22/01, e novamente, na reunião de 19/02, para 26,5%, mantendo a taxa básica neste patamar até a reunião de 18/06, quando decidiu pela redução em tímidos 0,5%. Isso em um mundo em que a taxa básica nos EUA estava em suas mínimas históricas até então, 1,25%.
Faço um convite: procure alguma palavra de Lula a respeito de taxa Selic neste período. Faço outro convite: procure alguma palavra da claque petista nesse período. Os únicos que reclamavam eram os empresários da FIESP, liderados pelo então vice-presidente José de Alencar. Estes, pelo menos, guardam coerência no tempo, estão sempre reclamando da taxa de juros e do câmbio.
O contraste entre 2003 e 2023 é absolutamente acachapante. Lula deu a senha, e a claque petista vem atacando o BC tal qual matilha de cães em cima de invasor de terreno. Dado que o comportamento do BC hoje é em tudo semelhante ao comportamento do BC em 2003, há que se procurar razões para essa mudança de postura de Lula. Há duas hipóteses não excludentes: 1) Lula tem “novas ideias” a respeito de economia e 2) o presidente do BC não foi escolhido por ele, mas por sua nêmesis, Jair Bolsonaro.
A primeira hipótese contraria a imagem do “Lula pragmático” que povoou a imaginação de boa parte dos economistas e empresários preocupados com o futuro de nossa democracia. O ponto é que Lula nunca teve ideias diferentes. Na verdade, nunca teve ideia alguma sobre economia, a não ser o tosco “o consumo girando a roda do crescimento”. Para sua sorte, deu ouvidos a Antônio Palocci, o único petista do mundo com ideias razoáveis sobre economia. Hoje, o presidente conta com Fernando Haddad, que, ao contrário do que seu apelido de “o mais tucano dos petistas” faz supor, está a anos-luz de Palocci, e não tem a mínima condição ou convicção de mudar o rumo da prosa. Prova disso (mais uma) é a matéria de ontem com Guilherme Mello, secretário de política econômica de Haddad.
Mello reverbera a tese de que o BC está atuando politicamente, deixando a técnica de lado. E ele tem razão, ainda que não da forma como ele pensa. Na cabeça de Lula, e mimetizado por sua claque, está a ideia de que um presidente do BC nomeado por um inimigo político só pode estar atuando politicamente contra o seu governo (hipótese 2 acima). O ponto é que quem trouxe o BC para a arena política foi Lula e sua claque. Explico.
Muitos pensam que o principal (ou único) instrumento de que o BC dispõe para controlar a inflação é a taxa Selic. Ledo engano. Sim, a taxa de juros é o instrumento, mas o principal ingrediente dessa receita é a credibilidade do BC junto aos agentes econômicos. O conjunto da sociedade precisa acreditar que o BC irá fazer a sua lição de casa, que é manter a inflação sob controle.
Pois bem, o que acontece quando Lula e sua claque politizam o BC? O efeito dessa politização é incluir um ingrediente estranho na matriz de decisão do BC. Tecnicamente, o BC até poderia ter elementos para baixar as taxas de juros. Mas como isso não é preto no branco, e ocorreu a politização, os agentes econômicos poderiam questionar se dado movimento foi realizado por motivos técnicos ou políticos. Em outras palavras, se o BC baixou os juros por vontade ou por pressão.
O BC, para manter a sua credibilidade, precisa incluir essa politização em sua matriz de decisão. Isso significa taxas de juros mais altas por mais tempo, porque não pode restar dúvidas de que a decisão de baixar os juros foi realmente técnica. Então, Guilherme Mello tem razão, a decisão foi, também, política. Mas não no sentido que Mello, Haddad e Lula dão ao termo. Quem começou a politização foi Lula. O BC apenas reagiu para preservar a sua credibilidade, como manda o livro-texto. A manutenção da frase em que afirma que pode retomar a alta dos juros vai nessa linha. Este é o típico caso em que a pressão política provoca o efeito inverso ao pretendido.
Existem duas formas de Lula atingir seu objetivo: acabando agora com a independência formal do BC ou ir trocando os diretores até formar maioria de acordo com suas “ideias”. Em ambos os casos, a credibilidade do BC terá desaparecido e, com ela, qualquer capacidade de controlar a inflação.
Pois é, dá pra questionar a taxa atual e argumentar pela queda. A escolha pela briga que é a pior possível. Desgasta a autoridade monetáriane todos perdem.
Teoricamente, a independência do BC é a melhor opção, mas talvez não para o caso brasileiro. Acho que a autonomia seria mais adequado. Aqui teremos regularmente um desajuste entre as políticas fiscal e monetária. Um próximo governo da atual oposição terá 2 anos de BC indicado pelo Lula, sabe lá com isso vai funcionar. As políticas devem caminhar na mesma direção.
O problema ocorre quando as duas políticas caminham na mesma direção, o abismo.