“Pode isso, Arnaldo?”
Esse bordão de Galvão Bueno talvez tenha sido o mais famoso de sua longa carreira, ao perguntar ao ex-juiz de futebol, Arnaldo César Coelho, sua opinião a respeito de algum lance controverso. Invariavelmente, Arnaldo começava a sua resposta com outro bordão: “a regra é clara”.
No caso do marco do saneamento aprovado em 2020, a regra também era clara: caso as empresas estatais de saneamento não apresentassem condições econômico-financeiras para fazer os investimentos necessários tendo como meta a universalização dos serviços até 2033, os Estados e municípios deveriam conceder o serviço a empresas com a dita capacidade.
Até o momento, já forma assinados, dentro do novo marco, mais de R$ 600 bilhões em contratos de concessão. No entanto, Estados e municípios, cujas estatais atendem a mais de 1000 municípios brasileiros, continuavam irregulares e resistiam a conceder os serviços à iniciativa privada. Foi “em socorro” a essas estatais que o governo Lula decretou a extensão do prazo para provar capacidade econômico-financeira. Agora, as empresas terão até o final desse ano para mostrar que têm capacidade de investimento e, caso não consigam, podem mostrar um “plano” para atingir tal capacidade em um horizonte de 5 anos. Ou seja, fica tudo como está e voltamos a conversar em 2029.
Lula, em sua blablação sobre o decreto, afirmou que estava dando um “voto de confiança” na capacidade das estatais. Ou seja, agora vai, apesar de não ter ido nas últimas várias décadas. O curioso é observar a ideologia se sobrepondo a dois objetivos manifestos deste governo: o aumento do volume de investimentos e a melhora nas condições de vida dos mais pobres. Está aqui, desenhado no detalhe, o processo descrito por Daron Acemoglu de captura do Estado pelas elites. O governo do PT, cegado pela ideologia, age em defesa das elites políticas e de funcionários públicos que se aproveitam dessas estatais, destruindo valor e concentrando renda.
Por fim, ao contrário do futebol, em que as regras são perenes, no Brasil a regra nunca é clara. Essa insegurança afasta investimentos, aumentando a taxa de retorno requerida pelos investidores para compensar o risco institucional. A pobreza brasileira não é obra do acaso.