Em tempos bicudos para a imprensa tradicional, jornalista, em média, ganha mal. Talvez por isso tenha surgido a pauta do preço do miojo. Afinal, jornalista também precisa comer, e trata-se de uma forma barata de manter a alimentação em dia. Pelo menos, tratava-se. Segundo a matéria, até o miojo está pela hora da morte.
A pauta até que é interessante, mas o resultado final não para minimamente em pé, e o leitor fica sem saber o que está, de fato, acontecendo.
Para começar, ficamos sabendo que o miojo saiu de R$ 0,90 para “quase” R$ 3,00 nas gôndolas. Isso dá um aumento de mais de 200%, e não os 25% apontados pelo IBGE. Nenhum esforço dos jornalistas para compatibilizar as duas informações.
Mas o pior é a busca pelas causas do aumento. Claro, vamos ouvir o pessoal da indústria. E o que a indústria diz? Basicamente que o dólar e o preço do trigo pós guerra na Ucrânia são os culpados. Bem, as duas informações não passam pelo filtro de uma checagem mínima. O dólar valia R$ 5,13 no final de fevereiro de 2022 e, no final de fevereiro de 2023 (período de 12 meses considerado pela reportagem), valia R$ 5,20. Uma quase estabilidade. Portanto, a variação do miojo nada tem a ver com o dólar.
E o trigo? Bata dar uma googlada (wheat price), e veremos que o preço do trigo caiu mais de 30% nos últimos 12 meses. De fato, houve um pico após o início da guerra, mas o preço vem recuando desde meados do ano passado (gráfico abaixo). Portanto, o problema não parece ser também o preço do trigo.
A farinha de trigo, de fato, subiu 28% nos últimos 12 meses segundo o IBGE. Nenhum dos dois motivos acima, de fácil checagem, parece explicar essa elevação de preços. O que teria que fazer o repórter? Confrontaria as suas fontes com essas informações para entender melhor o que está acontecendo. Mas, nos tempos atuais, reportagens parecem-se cada vez mais com miojo: um “me engana que eu gosto” de preparo rápido e barato. Uma pena.