1 + 1 = 2. Esta é uma verdade firmemente estabelecida, sobre a qual não há discussão, assim como ocorre com todas as leis da matemática.
Estatística, no entanto, não é matemática. Apesar de também lidar com números e, por isso, contar com a aura de verdade absoluta emprestada de sua prima pura, a estatística é mundana, e está disposta a falar a verdade que seu senhor quiser que ela fale. A matemática trata das verdades abstratas, localizadas no Olimpo do pensamento, ao passo que a estatística lida com o concreto, que nunca tem a exatidão das formas geométricas perfeitas, é sempre uma aproximação.
É claro que, como em qualquer ciência, a estatística tem regras bem estabelecidas. Uma boa estimativa é fruto de uma boa coleta de dados, livre de viés, e de um tratamento que estabeleça um nível de confiança para o número final. Mas, também como em qualquer ciência, está sujeita à manipulação de quem produz e divulga as estatísticas. A Academia conhece esse problema e, por isso, publicações acadêmicas devem ser revisadas por pares, reduzindo a chance de manipulação.
Chegamos ao IBGE, o instituto estatal brasileiro de produção de estatísticas oficiais do país, que orientam uma miríade de políticas públicas. A diferença do IBGE para um artigo acadêmico é que, no primeiro, não há revisão por pares. Alguns dirão que o corpo técnico do instituto poderia funcionar como este “revisor” da produção de eventuais estatísticas enviesadas. Mas ainda está fresca na memória a passagem de Arno Augustin na secretaria do Tesouro do ministério da Fazenda. Augustin foi o autor intelectual das “pedaladas fiscais”, e de nada adiantaram os protestos (que houve) do corpo técnico da secretaria. A contabilidade, assim como a estatística, toma emprestada sua aura de exatidão da matemática. Mas, assim como a estatística, lida com a rugosidade do empírico e, portanto, está sujeita às ordens de seu senhor. Arno implementou o que viria a ser conhecida como “contabilidade criativa”. Podemos esperar uma “estatística criativa” por parte do novo presidente do IBGE?
Márcio Pochmann criou muita confusão em seu período no IPEA. Mas, convenhamos, o IPEA, apesar de ser um think tank de respeito, pouca influência tem na vida nacional. Já o IBGE…
O INDEC, o IBGE argentino, protagonizou uma vergonhosa manipulação de dados de inflação durante o governo de Cristina Kirchner, ao ponto de órgãos como o FMI deixarem em branco a série histórica de inflação deste período em seu banco de dados. No Brasil, o IPCA, além de servir como parâmetro do sistema de metas de inflação, indexa uma parcela relevante da dívida pública. Uma inflação criativamente baixa reduziria a despesa com juros por parte do governo. Uma tentação, não é mesmo?
Simone Tebet “aceitou” a indicação de Pochmann por considerar que o IBGE tem “baixo peso político”.
Trata-se de uma visão míope. Sim, o IBGE não tem verba para gastar, mas trata-se de um instituto com altíssimo peso econômico. Ele está no coração mesmo do sistema financeiro nacional. É essencial, portanto, que seu presidente seja a mulher de César, aquela sobre a qual não deve pairar nenhuma suspeita. Mesmo que Pochmann se comporte como uma freira, sempre restará a dúvida sobre o que anda fazendo atrás do muro do convento. E isso não é nada bom para a credibilidade do governo.