Os negócios de Elon Musk com o governo americano

O colunista Pedro Doria pratica, em sua coluna de ontem, um de seus esportes favoritos: criticar os grandes Titãs da tecnologia. No capítulo de hoje, temos a questão do perigo representado por Elon Musk, um sujeito instável com um poder estratégico além da imaginação. Mas aqui não vou analisar esse “problema”. Vou me ater a uma crítica bastante comum ao criador do PayPal, da Tesla, da SpaceX e da StarLink: a de que Musk não seria nada se não fossem os subsídios do governo e, portanto, sua crítica ao Estado grande e generoso seria uma incoerência e, no final das contas, uma falta de gratidão.

Sempre achei pouca lógica nesse raciocínio. Afinal, os subsídios estão lá, em tese, para todos, mas existe um só Elon Musk. Ou seja, não é que os subsídios tenham sido dados para Musk porque só poderiam ter sido concedidos para sul-africanos com nome começado por “E”. Não. Todos tiveram acesso, mas nem todos aproveitaram. Além disso, certamente outros empresários se beneficiaram de subsídios, mas somente um criou a Tesla. Subsídios não necessariamente fazem bilionários. É preciso também ter o dom.

Mas, vejamos pelo ângulo oposto: a Tesla teria sido possível sem os subsídios? Ou, de outra forma, teriam sido os subsídios condição necessária, ainda que insuficiente? Fui atrás dos números: a Tesla obteve cerca de US$ 3,3 bilhões entre subsídios e empréstimos governamentais. Por outro lado, levantou cerca de US$ 19 bilhões em capital desde que foi fundada, em 37 rodadas de captação de recursos, sendo a última no dia 15/08 passado.

Você realmente acredita que, não fossem os subsídios, a Tesla não conseguiria o capital necessário para as suas operações? O que aconteceu é que esses US$ 3 bilhões de subsídios estavam na mesa, e Musk foi lá e pegou. Se não estivessem, ele poderia ter levantado esses recursos como levantou os outros U$ 19 bilhões. Hoje, a Tesla vale US$ 750 bilhões na Nasdaq. US$ 3 bilhões? Faça-me o favor…

Os contratos com a NASA são uma coisa diferente. No caso, não se trata de subsídios, mas de um cliente que viabiliza a empresa, no caso, a SpaceX. O próprio Musk admitiu em uma entrevista que, sem o contrato com a NASA, a SpaceX teria quebrado.

Musk tem um objetivo claro com a SpaceX: colonizar Marte. Para viabilizar esse objetivo, a empresa precisa, antes, mostrar viabilidade comercial. Para tanto, precisa conquistar clientes, em um mercado onde a concorrência é feroz. A NASA decidiu contratar a SpaceX não como uma benemerência, mas porque a empresa oferecia o melhor custo/benefício para os serviços que a agência espacial precisava contratar, dentre todos os concorrentes da empresa de Musk. Deve ser realmente difícil se estabelecer nesse mercado sem conquistar contratos com o maior cliente do setor, que calha ser uma agência governamental.

É realmente curioso como as mesmas pessoas que clamam por subsídios e defendem o papel fundamental do Estado em determinados setores apontam um dedo acusador para os empresários que aproveitam essas vantagens para “vitaminar” suas empresas. O que querem, afinal? Que anjos celestes empreendam?

Há nisso tudo uma visão estilizada da realidade. Um empresário como Musk, que defende o primado da liberdade de empreender, só pode ser contra qualquer participação do Estado na vida da sociedade. Isso se chama anarquismo, não liberalismo. O que ocorre é que esses mesmos que esfregam na cara de Musk o fato de que suas empresas têm muitos pontos de contato com o Estado (como não tê-los?), na verdade usam essa “contradição” para defenderem a presença do Estado em âmbitos onde a iniciativa privada desempenha de maneira superior. Aliás, a própria NASA reconheceu isso, ao encomendar foguetes da SpaceX, e não fabricá-los ela própria. Trata-se de uma falsa dicotomia, explorada para fins meramente políticos. Só isso.

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