O editorial do Estadão repercute estatística do IBGE, que aponta o menor nível de sindicalização da série histórica, que teve início em 2012.
O maior conflito dentro do capitalismo se dá entre capital e trabalho. O capitalista, desde o dono do bar da esquina até o controlador de grandes complexos industriais, investe em capital físico e emprega capital humano para produzir o seu produto ou serviço. O capitalista quer remunerar ao máximo o capital físico investido. A isso chamamos de lucro. Essa remuneração se dá às expensas da remuneração do capital humano. Na verdade, a mão-de-obra entra como mais um fator de produção, ao lado dos diversos insumos (matérias-primas, energia), na equação da remuneração do capital, ou lucro. O capitalista vai controlar ao máximo os seus custos para aumentar os seus lucros. Daí surge a tensão: a mão-de-obra não é um insumo qualquer, são seres humanos tanto quanto os capitalistas, e merecem uma vida digna, ainda que “vida digna” seja um termo bastante elástico, de difícil concretização.
Ocorre que os trabalhadores, donos do capital humano, têm um problema de coordenação: apesar de serem maioria em relação ao capitalista, cada um individualmente tem seus próprios interesses. Se um indivíduo faz greve isoladamente, pode ser reposto por outro. É o típico dilema do prisioneiro, muito estudado em teoria dos jogos, em que um agente não toma a melhor decisão para o conjunto porque não tem certeza de que será acompanhado pelos outros. Os sindicatos surgem para resolver esse problema de coordenação, dando força de grupo a trabalhadores dispersos.
Mas, como toda construção humana, os sindicatos acabaram reféns de interesses alheios aos dos trabalhadores que representam, beneficiando os próprios sindicalistas. No Brasil, essa dicotomia de interesses atingiu o estado da arte com o patrocínio do Estado aos sindicatos, quando o governo Vargas instituiu a contribuição sindical obrigatória. A partir daí, os sindicatos se desvincularam definitivamente dos interesses dos trabalhadores que diziam representar e ficaram livres para fazer política.
É natural que os dirigentes sindicais tenham simpatia por partidos de esquerda. Afinal, são estes que vocalizam a tensão entre capital e trabalho e se põem ao lado do capital humano com uma retórica agressiva. Isso é uma coisa. Outra coisa bem diferente é usar recursos dos sindicatos, que são fruto de um imposto pago por todos, para apoiar financeiramente partidos políticos, como cansaram de fazer a CUT e seus assemelhados. Apesar do óbvio discurso “trabalhador vota em trabalhador”, não ficou claro para os trabalhadores que o PT era o único representante político legítimo de seus interesses. Resultado: os sindicatos passaram a ser vistos pelos trabalhadores como meros apêndices de partidos políticos e não como representantes de seus interesses. Bastou tornar voluntária a contribuição sindical para que ocorresse a debandada.
Segundo o IBGE, a categoria com maior penetração de sindicalizados é a de funcionários públicos. 26% dos servidores são filiados a algum sindicato, contra 12% da média nacional. Trata-se de um paradoxo: a maior taxa de sindicalização se dá justamente na única categoria em que não existe o conflito entre capital e trabalho e onde os trabalhadores têm estabilidade nos seus empregos. Trata-se de uma contradição em termos, típica de um país onde o sindicalismo floresceu debaixo das asas do Estado.