Ouço e leio de vez em quando pessoas indignadas com a “paranoia” do coronavírus, citando outras doenças como sendo muito mais mortais e que não receberiam tanta atenção. O sarampo, por exemplo. Seu poder de transmissão é cerca de 5 vezes maior que o corona. Mas ninguém fica com medo de pegar sarampo. A dengue. A dengue mata muito mais do que o corona. E, no entanto, dizem, não existe essa paranoia. Até a gripe comum mata mais, e ninguém fica com medo. A última que li foi algo assim: “o aborto mata muito mais e ninguém fala nada”. Bom, ninguém fala nada é uma força de expressão, né? Mas ok, não tem esse frisson todo do corona.
E então?
Então que o grande problema lógico desse tipo de comparação é fazer um paralelo entre problemas que não têm base comum de comparação, a não ser o fato de pessoas morrerem. Posso usar um monte de coisas: assassinatos, acidentes de trânsito, quedas em poços, etc, etc, etc e dizer: “x zilhões de pessoas morrem de, sei lá, unha encravada por ano e ninguém fala nada, mas o coronavírus…”
Ocorre que a única forma de evitar ao máximo mortes por coronavírus (uma vez que não há vacina e não há remédio) é por meio de “distância social”. Não há outro meio. No caso do sarampo há vacina, no caso da dengue há saneamento básico, no caso do aborto há a lei, no caso dos assassinatos há a polícia, etc, etc, etc. São formas diferentes de se evitar as mortes porque são causas de morte de naturezas diferentes.
É só natural que o método da “distância social” chame mais a atenção das pessoas, porque não é comum. Estamos acostumados com vacinas, saneamento básico, leis, polícia, campanhas de trânsito mas não com “distância social”. Por isso só se fala neste assunto. Isso não significa que mortes por coronavírus sejam mais importantes do que mortes por, sei lá, aborto. Morte é morte, qualquer que seja sua causa. Dar um downplay no corona só porque, por exemplo, o crime mata mais (e mata mesmo), é o mesmo que chegar para uma pessoa que perdeu um ente querido para o corona e dizer “chora não, a gripe comum mata muito mais”. Faz sentido?
Só faz sentido para aqueles que querem justificar comportamentos irresponsáveis.