Virou lugar comum a comparação entre Guilherme Boulos e Lula.
Boulos seria o novo Lula. Inicialmente um radical de esquerda, Boulos seguiria os passos de Lula, constituindo-se em um novo fenômeno eleitoral. Boulos teria a sabedoria de caminhar para o centro, de modo a angariar o apoio de setores mais amplos da sociedade.
Não sei se estou perdendo algo, mas entre Lula e Boulos, a única semelhança que vejo é a barba.
Lula literalmente veio do povo. Retirante nordestino, metalúrgico, líder sindical, Lula não conheceu a realidade de seus representados de ouvir falar. Ele nasceu nessa realidade.
Boulos, por outro lado, nasceu na classe média paulistana. Assim como muitos de seus coleguinhas burgueses, Boulos sente na consciência uma dívida social que o faz simpatizante de ideias socialistas. E vai além: assume como sua a luta dos excluídos do sistema capitalista. Mas a sua postura trai a sua origem.
No debate com Covas na CNN, o ponto alto de Boulos foi a defesa que fez de sua experiência com o povo sofredor. Covas teria informações sobre este povo somente ouvindo seus assessores em seu gabinete, enquanto ele, Boulos, teria conhecimento direto das pessoas que sofrem, com nome e sobrenome.
Boulos não percebeu, mas se colocou acima dessas pessoas. Como se fosse um observador privilegiado em um zoológico. Lula teria dito “eu sou uma dessas pessoas”, e não “eu conheço essas pessoas”. Boulos não é uma dessas pessoas. É um ser estranho a este mundo, por mais que viva e compartilhe dessa realidade.
Lula transpirava autenticidade, Boulos transpira artificialidade. Um dos elogios e paralelos que é comumente destacado em Boulos é a facilidade que tem de falar, assim como Lula. Nada mais falso. Lula não falava bem, no sentido culto do termo. Lula era autêntico no que falava, o que é diferente. Boulos é correto no que fala, não agride a norma culta. Percebe-se que tem berço. E é isso que não casa com a figura de um político que pretende agir em nome dos pobres. Soa artificial. Foi isso que senti quando o vi no debate da CNN.
Quando Marina Silva surgiu no cenário político, também foi um frisson. Seu terceiro lugar na eleição presidencial de 2014 a fez uma estrela em ascensão, a Lula de saias. E olha que Marina, assim como Lula, tinha como ativo a sua origem humilde, uma brasileira comum. O pecado de Marina foi ter se tornado intelectual e, portanto, ininteligível para a grande maioria dos brasileiros. Fez o caminho inverso de Boulos, e tornou-se, também, artificial. Sumiu.
Pode ser que eu queime a língua, e Guilherme Boulos seja o grande líder que levará a esquerda de volta ao poder. A esquerda está desesperada atrás de um novo barbudo. Mas desconfio que tenha que procurar um pouco mais.