Os 4 i’s do crescimento econômico

Neste segundo post sobre crescimento econômico, uma vez já feito o ponto sobre a importância do tema no primeiro post, vamos explorar os fatores que levam a um maior crescimento econômico e como o Brasil se encontra em cada um desses fatores. Para tanto, vou lançar mão de um artigo muito interessante e didático do INSEAD: The 4 I’s of Economic Growth, de Antonio Fatás e Ilian Mihov.

Os 4 i’s do crescimento econômico são:

  • Inovação
  • Condições Iniciais
  • Investimento
  • Instituições

Vejamos cada um desses pontos a seguir.

Inovação

Os autores começam por constatar que inovação é o fator que, antes de todos os outros, determina o crescimento do bem-estar econômico no longo prazo. Afinal, é a inovação que permite produzir mais com menos. Crescimento econômico é função da criação de valor. É somente quando se produz bens e serviços que agregam valor para as pessoas que ocorre o milagre do crescimento econômico. O PIB – Produto Interno Bruto – é a soma de todo o valor agregado à economia, transformado em unidades monetárias (dinheiro). E a inovação é o que permite criar mais valor com menos recursos, que é a própria definição de crescimento econômico.

Quando a roda foi inventada, o ser humano conseguiu deslocar coisas com muito menos esforço. A roda foi uma inovação que permitiu agregar valor (o deslocamento) com muito menos recursos.

A inovação não necessariamente envolve tecnologia de ponta. Chamamos de inovação qualquer rearranjo da produção que permita produzir mais com menos. A inovação é o que permite aumentar a produtividade dos fatores econômicos. Adam Smith dá o exemplo de uma fábrica de agulhas em comparação com a produção manual do mesmo produto. O mesmo número de homens produz milhares de vezes mais agulhas em uma fábrica do que se cada um fabricasse as agulhas individualmente. No processo produtivo estão envolvidas inovações tecnológicas do maquinário e da organização da produção.

Os autores do artigo assumem que os Estados Unidos representam a “fronteira tecnológica”, ou seja, o país com maior índice de inovação. Esta premissa parte da constatação de que a produtividade norte-americana tem sido a maior do mundo nos últimos 100 anos pelo menos. Portanto, os Estados Unidos, teoricamente, lideram a inovação no mundo. Parece ser uma ideia intuitiva. Por que isso é importante? Porque veremos, no próximo item, que os países mais distantes da fronteira tecnológica tendem a crescer mais.

Condições Iniciais

Como dissemos, países mais pobres estão mais distantes da fronteira tecnológica. Portanto, existem mais oportunidades de melhoria de processos de produção, o que, em tese, leva a um crescimento maior.

Assim, países mais pobres tendem a crescer a taxas maiores do que países mais ricos, simplesmente porque podem se beneficiar de tecnologias já desenvolvidas. Em tese, a fronteira marca o máximo de riqueza que pode ser criada com a tecnologia existente. Se toda essa tecnologia fosse aplicada imediatamente, o PIB/capita saltaria para a fronteira. Obviamente, não é assim tão fácil. Conforme veremos nos dois itens a seguir, não basta estar distante da fronteira. É preciso caminhar até lá. E, para isso, é preciso investir.

Investimentos

O investimento de hoje é a produção de amanhã. É o investimento que incorpora a tecnologia aos processos de produção.

Mas, o que é investimento? Investimento é a poupança em movimento. Para poder investir, um país precisa antes ter poupado. Ou precisa atrair poupança de outros países, caso não tenha poupança interna suficiente. A poupança é o consumo adiado. As empresas, ao invés de distribuírem dividendos, poupam para investir em suas operações. As pessoas, ao invés de consumir, guardam dinheiro. Este dinheiro é usado para financiar o investimento das empresas.

Acho graça quando ouço o raciocínio simplista “é preciso colocar dinheiro na mão do povo, para o povo ir até o mercado e comprar coisas e, assim, girar a roda da economia”. Sim, isso é verdade, desde que antes se tenha investido para produzir os bens a serem consumidos. O que gera crescimento econômico é o investimento, que somente existe se as pessoas poupam.

É preciso mobilizar esses capitais, tanto domésticos quanto externos, para serem investidos. E como se faz isso? Tendo instituições que facilitem o investimento.

Instituições

Ninguém, em sã consciência, investe para perder dinheiro. É preciso remunerar o capital proporcionalmente ao seu risco. E o risco é inversamente proporcional à chance de receber o dinheiro de volta.

É aí que entram as instituições. Quanto mais difícil for fazer negócios, quanto mais arriscado for um ambiente político ou jurídico, maior será a taxa de retorno exigida pelo capital. É certo que, em uma economia situada longe da fronteira tecnológica, o retorno proporcionado pelos investimentos aceita o desaforo de instituições fracas: afinal, a taxa de retorno exigida pode ser alta, pois o retorno do investimento é proporcional à distância da fronteira tecnológica. Mas, é óbvio também que, quanto melhores forem as instituições, menor a taxa de retorno exigida e, portanto, mais investimentos são viabilizados.

E o que são essas tais de “instituições”? São basicamente arranjos que aumentam a segurança e a eficiência dos investimentos. Dito de outra forma, diminuem o risco para os investimentos. Insegurança jurídica, corrupção, burocracia, são todos fatores que aumentam o risco para o investidor, e são embutidos na taxa de retorno exigida para os investimentos.

O Banco Mundial elabora, desde 2004, um ranking chamado “Doing Business”. Neste ranking, são medidos os desempenhos de 10 elementos que facilitam os negócios em um país. São eles: 1) Começando um negócio, 2) Conseguindo licenças de construção, 3) Obtendo eletricidade, 4) Registrando propriedade, 5) Obtendo crédito, 6) Protegendo acionistas minoritários, 7) Pagando impostos, 8) Comercializando no exterior, 9) Fazendo valer contratos e 10) Resolvendo inadimplência.

Cada um desses elementos torna mais ou menos difícil realizar negócios no país, e são uma boa medida das instituições necessárias para que o investimento tenha o retorno esperado.

O Brasil está preparado para crescer?

Vamos usar a ideia dos 4 I’s para entender se o Brasil tem condições de retomar um nível de crescimento econômico satisfatório. Comecemos pela Inovação. O Brasil produz ou incorpora tecnologia que lhe permita se aproximar da fronteira tecnológica?

A julgar pelo imposto de importação que incide sobre tecnologia, a resposta é não. Ainda somos um país muito fechado, onde os produtores nacionais podem oferecer “carroças” (no dizer do ex-presidente Collor) sem perder mercado. Claro, como diz o ministro Guedes, não se pode exigir que os empresários locais compitam com os chineses tendo as bolas de ferro dos impostos e da burocracia nos pés. Mas, ao invés de tirar as bolas de ferro (veremos o que são essas bolas de ferro mais à frente), colocamos impostos de importação. O remendo que piora o soneto.

Uma forma, dentre várias outras, de medir a criação e a absorção de tecnologia, é através do número de patentes requeridas em um determinado país. No gráfico a seguir, mostramos a evolução do número de patentes requeridas no Brasil e na Coreia, um país que, como sabemos, se aproximou da fronteira tecnológica nos últimos 40 anos.

Observe que, em 1980, havia menos patentes requeridas na Coreia do que no Brasil. Em 2018, último ano da série, a Coreia tem 8,5 vezes mais patentes requeridas do que o Brasil por ano. Não é preciso dizer mais nada.

O segundo I é Condições Iniciais. As condições iniciais são favoráveis ao Brasil. Estamos longe da fronteira tecnológica, o que nos dá, teoricamente, grande espaço para o crescimento acelerado. Mas este espaço, como vimos, é condição necessária, mas não suficiente para o crescimento.

Nos gráficos abaixo, podemos observar o comportamento do PIB/capita de 3 países escolhidos em relação à fronteira tecnológica, os Estados Unidos. São três trajetórias diferentes. A Coreia tem uma trajetória de convergência. Ou seja, seu PIB/capita vai se aproximando do dos EUA ao longo do tempo. A Venezuela tem uma trajetória de divergência, seu PIB/capita vai se afastando da fronteira tecnológica ao longo do tempo. Já o Brasil tem uma trajetória, em geral, paralela, com exceção da década de 80, em que a trajetória foi divergente. Ou seja, ao longo do tempo, o Brasil não consegue se aproximar do PIB/capita dos EUA, apesar de suas Condições Iniciais serem favoráveis. Vamos ver por que isso acontece nos dois próximos itens.

O próximo I é o de Investimento. O gráfico abaixo mostra o investimento dos Estados Unidos, Coreia e Brasil em percentual do PIB nos últimos 40 anos.

Podemos observar que a Coreia tem mantido investimentos da ordem de 30% a 35% do PIB ao longo deste tempo, tendo chegado a quase 40% no início da década de 90. Os Estados Unidos, por outro lado, investem algo como 20% a 25% do PIB, sendo raros os anos em que esse percentual fica abaixo de 20%. No Brasil é o inverso: são raros os anos em que os investimentos superam 20% do PIB. Isso aconteceu no início da década passada com os fortes aportes no BNDES, mas este ritmo se provou de fôlego curto. Hoje investimos cerca de 15% do PIB, metade do investimento da Coreia e abaixo até dos Estados Unidos, que, não custa lembrar, já são ricos.

É óbvio que não iremos a lugar algum com esse nível de investimento. Para aumentar o volume de investimentos é preciso: 1) aumentar a poupança interna e 2) atrair a poupança externa. O governo brasileiro, hoje, despoupa cerca de 3% do PIB, que é o tamanho de nosso déficit primário. E, com isso, atrai a parca poupança interna para financiar a sua dívida crescente. Quanto à poupança externa, somente é atraída com um câmbio muito depreciado, para compensar o risco do investimento.

Além do baixo nível de poupança, os investimentos no Brasil sofrem de outro mal: o baixo nível das instituições, o quarto I do crescimento econômico. No ranking de 2020 do Doing Business, o país aparece em 124º lugar entre 190 países. Na tabela a seguir, temos uma comparação do Brasil com a Coréia (5º lugar no mesmo ranking), em alguns itens de avaliação:

É possível perceber que, no geral, o empresário brasileiro precisa de mais tempo e passar por mais procedimentos para que as coisas sejam feitas do que o empresário coreano. Podemos nos questionar se estamos melhorando com o tempo, ou se estamos estagnados. O gráfico a seguir dá a resposta:

Observe como houve sim uma melhora: o Brasil saiu da faixa de 30% do ranking para algo entre 35% e 40%. Mas, convenhamos, para um país que precisa desesperadamente atrair investimentos, estar abaixo da média não é lá muito animador. E a Coreia, que já tinha índice bastante positivo, melhorou ainda mais, mostrando que sempre é possível melhorar.

Esta é apenas uma pequena amostra do que chamamos de Instituições, que incluem também segurança jurídica, estabilidade política e baixa corrupção. E por falar em corrupção, vamos ver como o Brasil se insere no contexto global neste quesito.

índice de Percepção de Corrupção (CPI na sigla em inglês), calculado pela Transparência Internacional, mede a percepção de corrupção por parte de empresários em relação ao setor público de cada país. A Transparência Internacional coleta dados do Banco Mundial, do Fórum Econômico Mundial (aquele que se encontra anualmente em Davos), de consultorias globais de risco e de think tanks globais.

Segundo a última edição do CPI, de 2019, o Brasil tinha índice de 35 (o índice vai de 0 a 100), ranqueando em 106º lugar dentre 198 países. A Coreia, por sua vez, tinha um índice de 59, ranqueando em 39º lugar. Vejamos, no gráfico a seguir, a evolução deste índice desde 2003:

Note que Brasil e Coreia tinham praticamente o mesmo índice em 2003. O que fizeram os coreanos para melhorar a percepção a partir daí em relação ao Brasil?

Note também a deterioração da percepção de corrupção no Brasil a partir de 2015. Lembre-se de que se trata de “percepção” e não de corrupção concreta e provada. Esta percepção, obviamente, é fruto de casos de corrupção que vêm à tona. Mas o interessante é que, mesmo com uma mega-operação anti-corrupção como a Lava-Jato, a percepção piorou, não melhorou. Uma hipótese é de que a Lava-Jato tenho sido vista como uma exceção, não como a regra. Os usos e costumes do país são percebidos como permissíveis à corrupção. De qualquer forma, há um longo caminho pela frente de recuperação deste importante quesito de competitividade.

Concluindo

O crescimento econômico não é um voo de galinha, obtido através de incentivos míopes ao consumo. O crescimento econômico é semelhante ao voo de uma águia, que atinge grandes altitudes em um voo estável e majestoso. Para isso, são necessárias asas com grande envergadura, só obtidas com Inovação, Investimentos e Instituições, que permitam aumentar o crescimento potencial da economia.

Alguns poderão argumentar que o que funciona mesmo são os incentivos de um governo com um grande plano de desenvolvimento. No entanto, coincidência ou não, todos os países ricos possuem, em maior ou menor grau, as características definidas neste texto. E, por outro lado, usamos e abusamos, aqui no Brasil, de grandes planos de desenvolvimento ao longo das últimas décadas, que acabaram por resultar em mais dívida e em menos crescimento. Não estaria na hora de fazer o feijão com arroz e deixar de lado as grandes pirotecnias?

O que precisamos são de pequenas mudanças institucionais na direção correta, acumuladas ao longo dos anos. É preciso trabalhar com perseverança, com visão de longo prazo. Isto não combina com os populismos das soluções fáceis e erradas. Saberemos, como sociedade, caminhar na direção correta com a velocidade adequada e, assim, vencer a estagnação das últimas quatro décadas?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.