Destaquei abaixo trecho do editorial do Estadão a respeito de um acordo no âmbito do G7, de modo a tributar multinacionais. Seria o fim dos chamados “paraísos fiscais”, onde essas maldosas fontes de desigualdade escondem os seus polpudos lucros, evitando, assim, que os governos possam usar esse dinheiro para mitigar o sofrimento dos mais pobres.
O trecho destacado já traz, em si, o ceticismo do editorialista com relação a essa arrecadação adicional de impostos. Não do ponto de vista técnico, ainda que seja uma tarefa difícil tributar entre fronteiras. Mas do ponto de vista da aplicação do dinheiro arrecadado: “se o dinheiro fosse bem aplicado, sem interferência do Centrão e de ministros gastadores”.
Confesso que tive que abandonar a leitura nesse ponto por conta de um ataque irreprimível de risadas.
Não vou nem perder muito tempo com a impropriedade: se não for o “Centrão” (Legislativo) e nem “ministros gastadores” (Executivo), quem vai definir o que fazer com o dinheiro dos impostos? O Judiciário? Anjos travestidos de deputados e ministros? O que temos é isso aí, e são esses que estão aí que vão decidir o destino do nosso dinheiro. Esse “se” não faz o mínimo sentido.
Mas o buraco é mais embaixo, como diria o poeta.
Não são nem esses os que realmente decidem. Foram outros deputados e ministros, no passado, que já decidiram pelos que hoje estão no poder. Cerca de 93% do orçamento federal está vinculado a gastos decididos nas décadas passadas. Os atuais legisladores e ministros têm pouquíssima margem de manobra.
Acrescentei duas notícias para ilustrar esse ponto: o imbróglio das dívidas dos Estados (R$350 bilhões são impagáveis) e o furo atuarial da previdência dos militares, calculado em R$700 bilhões. Ambos os gastos deverão ser cobertos por impostos no futuro. São somente amostras de como o grosso do nossos gastos já está decidido.
Claro que o Legislativo e o Executivo atuais poderiam mudar o curso dessa história, mexendo em privilégios adquiridos. Por exemplo, grande parte do rombo dos Estados tem origem na previdência dos funcionários públicos. A alíquota de contribuição já foi foi elevada em alguns Estados de 11% para 14%, mas está longe de resolver o problema. E sempre que se fala sobre o assunto, existe unanimidade em dizer que o tema não é “popular”, podendo prejudicar ambições eleitorais. Ora, se conter gastos com funcionalismo público é “impopular”, isso só significa que o peso do funcionalismo já ficou tão grande na sociedade brasileira que é impossível reverter o quadro. E mesmo que Legislativo e Executivo fizessem a sua parte, teríamos sempre um Judiciário pronto a defender os “mais pobres”.
Voltando à tributação das multinacionais: hoje, o dinheiro salvo da sanha arrecadatória é utilizado para novos investimentos por parte dessas empresas ou para pagar dividendos para os seus acionistas, a maioria pequenos investidores que têm nesses dividendos a sua renda para consumo. Os grandes acionistas, por outro lado, terão menos dinheiro para os seus gastos com luxo e suas ações de filantropia. Tudo isso para que os governos possam continuar sustentando suas máquinas de fazer o bem.