Sir Isaac Newton foi um dos maiores gênios da física de todos os tempos. Dentre suas várias contribuições para a mecânica clássica, a sua terceira lei sobre o movimento dos corpos tem lugar de honra: ”A toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade: as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos.”
Esse enunciado vale para um mundo sem atrito de nenhum tipo. Se houver algum atrito, uma parte da força da ação se dissipa em calor, e a reação se dá com menor intensidade. Mas, e isso é importante, não significa que a reação ocorra de outro modo ou que não haja reação alguma. A lei continua sendo válida mesmo na presença de atrito, os corpos continuam reagindo na presença de uma ação.
Se para o mundo das coisas inanimadas Newton conseguiu estabelecer leis gerais, o conceito vale também para o mundo biológico. Os animais reagem a ações, ainda que não seguindo uma lei física. O cão da famosa experiência de Pavlov salivava sempre que recebia determinado estímulo, mesmo na ausência de alimentos. Havia sido estimulado para tal e a sua reação passou a ser previsível, quase seguindo a 3a lei de Newton.
Há quem diga que os seres humanos somos uma mistura de animal com anjo. Gostamos de nos ver como racionais, decidindo tudo em nossas vidas com base em lógica e em nosso livre arbítrio. Mas o fato é que uma parte relevante daquilo que pensamos não passa de reação pavloviana revestida de um verniz racional. Primeiro decidimos o que é certo, depois racionalizamos a nossa escolha. Não por outro motivo tendemos a aceitar argumentos a favor do que pensamos e rejeitar aqueles que vão contra.
As pessoas com habilidades interpessoais superiores sabem disso, mesmo que intuitivamente. Sabem que a forma como se comunicam é tão ou mais importante do que o conteúdo. Verdadeiros líderes, tanto na vida corporativa quanto na política, trabalham pelo consenso, embalando sua mensagem em uma forma que atrai as pessoas, de modo a diminuir resistências.
Chegamos então ao momento atual da política nacional. Há quem diga que tudo o que vem de Bolsonaro será criticado e repelido pelo simples fato de vir dele, independentemente do mérito. Isso, provavelmente, é verdade. O cão de Pavlov dentro de todos nós saliva ao ouvir o presidente, não importa o conteúdo da mensagem. Pode ser uma excitação positiva ou negativa, mas a reação corresponde à ação.
Quando Bolsonaro diz que vai continuar exercendo sua ”liberdade de expressão” por ser um “cidadão”, esquece-se de que não é mais um cidadão qualquer, um obscuro deputado ou um livre-pensador do cenário político atual. Hoje, Bolsonaro é o líder máximo da nação, responsável por construir consensos em torno de suas ideias. E a forma de expressar suas ideias é tão importante quanto o conteúdo.
Consideremos, por exemplo, essa questão das urnas eletrônicas. A ideia em si faz todo sentido: afinal, quem seria contra uma camada a mais de proteção a um processo tão delicado e importante quanto a contagem de votos em uma eleição? O problema não é o conteúdo da mensagem, mas a forma. Ao jogar suspeição sobre o processo atual sem apresentar uma mísera prova de sua acusação, a mensagem soa, a um só tempo, como teoria da conspiração e ameaça. A forma como a mensagem vem embalada faz com que haja a reação previsível: as pessoas dão de ombros para a teoria da conspiração e se defendem da ameaça. Newton e Pavlov ficariam satisfeitos em ver a comprovação de seus achados.
Ah, mas Bolsonaro é assim mesmo, é o tiozão do Pavê, é o cara que ganhou a eleição desse jeito, não vai mudar o que tem de mais autêntico. Ok, também acho que não vai mudar, para infelicidade dele. Não nos esqueçamos que Bolsonaro, ele mesmo, representa a reação à forma de governar e de se comunicar do PT. A toda ação corresponde uma reação. Quando a inteligentsia brasileira se espanta de termos um Bolsonaro como presidente da República, deveria investigar quais ações levaram a essa reação. Assim como, quando Bolsonaro for derrotado em 2022, não adiantará de nada culpar um suposto complô: a explicação de sua derrota estará em suas próprias ações.
A “autenticidade” de Bolsonaro tem um preço. Como dizia a minha avó, quem fala o que quer, ouve o que não quer. Newton e Pavlov não diriam melhor.