O Estadão traz hoje entrevista com Rodrigo Aguiar, sócio fundador da Elev, empresa de projetos voltados à mobilidade elétrica. O entrevistador, claro, procura mostrar o lado claro da força. Mas uma das suas respostas deixa entrever o problema que teremos pela frente.
Com o objetivo de mostrar que os carros elétricos não são uma ameaça ao sistema elétrico brasileiro, o entrevistado afirma que até 2035 a alimentação da frota de carros elétricos prevista para aquele ano (1,3 milhões de veículos) não consumirá mais do que 1,5% da energia elétrica produzida hoje pelo país.
À primeira vista, o problema não parece muito grande. Mas, vamos analisar.
A frota de veículos hoje, no Brasil, totaliza 109 milhões, sendo 58,5 milhões de automóveis e o restante ônibus, caminhões e motocicletas. Uma frota de 1,3 milhões de veículos não faz nem cócegas para diminuir o efeito estufa. Quer dizer, o efeito sobre a demanda de energia elétrica é mínimo, desde que a eletrificação da frota não faça diferença para o dito aquecimento global.
Digamos, por outro lado, que tivéssemos uma frota que fizesse a diferença. Algo como metade dos automóveis, por exemplo, o que significaria mais de 20 vezes o número previsto para 2035. Agora, regrinha de três: se 1,3 milhões de veículos consomem 1,5% da eletricidade ofertada no país hoje, quanta eletricidade seria consumida por 20 vezes mais veículos? Exato! Seria 30% de toda a eletricidade gerada no país! E isso para eletrificar somente metade da frota de automóveis, sem contar ônibus, caminhões e motos, que são muito mais poluentes.
E antes que critiquem a conta, sim, a oferta de eletricidade irá aumentar ao longo dos anos, assim como o tamanho da frota. A conta acima continuará correta se o aumento da oferta de eletricidade acompanhar o aumento da frota. Para que o número acima fosse proporcionalmente menor, seria necessário um crescimento mais rápido de oferta de energia elétrica. E é aí que mora o problema.
Como o meu amigo Barnabe Da Silva Junior explica em seu excelente artigo sobre o sistema elétrico brasileiro, o espaço para aumento de energia de origem hidroelétrica é cada vez menor. Por isso, aumentará a produção de energia de outras fontes, como eólica, solar e, cruz credo, termoelétrica. Como as duas primeiras são intermitentes por natureza, para garantir a segurança do sistema será necessário aumentar a queima de combustíveis fósseis em usinas termoelétricas, não tem jeito.
Assim, enquanto for brinquedo de rico, os carros elétricos não vão pressionar o nosso sistema elétrico. Para realmente fazerem a diferença, os carros elétricos necessitarão de um aumento brutal de oferta de energia elétrica. Precisaremos ter um melhor mix de oferta de energia elétrica no país, caso contrário, estaremos apenas transferindo a queima de combustíveis fósseis de lugar. O que não deixa de ser bom para os pulmões dos moradores das grandes cidades, mas tem pouca utilidade para evitar o tal aquecimento global.