As ações trabalhistas contra os aplicativos de transporte e entrega explodiram em 2021, em uma tendência que já vinha crescendo desde 2019. E, com o crescimento da chamada “economia gig”, esses processos devem continuar aumentando nos próximo anos.
E o que querem esses trabalhadores? Basicamente os mesmos direitos trabalhistas que têm aqueles registrados em carteira: férias, 13o, FGTS, contribuição para o INSS. A ideia é que plataformas como Uber, Rappi ou iFood são verdadeiros empregadores, e seus motoristas e entregadores seriam nada mais do que funcionários.
Há muita discussão jurídica a respeito da natureza desses trabalhos e não é minha intenção entrar nessa seara, mesmo porque não sou operador do direito e meu conhecimento nesse tema é limitado. Vou analisar a coisa do ponto de vista econômico. Claro que tenho meu viés, mas estou convencido de que é o ponto de vista que prevalece no final, pois não há lei que consiga modificar, de maneira permanente, uma realidade econômica.
O ponto principal dessa discussão é o que chamamos de “total cash”. O que importa, do ponto de vista econômico para ambas as partes, é a renda total recebida pelo trabalhador. Esta renda deve ser mensurada em um espaço de tempo compatível com o benefício. Por exemplo, o FGTS e o INSS representam, respectivamente, 8% e 20% da renda mensal, enquanto o 13o e as férias representam, respectivamente, 1/12 e (1+1/3)/12 da renda anual. Somando tudo, temos um custo adicional de 47% sobre o salário nominal do trabalhador. A questão, portanto, se resume a quem vai arcar com esse custo.
O cálculo econômico das empresas é relativamente simples: qual o custo da mão de obra que viabiliza o negócio? Ou, de outra forma, qual o retorno potencial sobre o capital investido que viabiliza o empreendimento? Quanto maior o custo da mão de obra, menor será o retorno potencial do negócio, o que pode, no limite, inviabilizar o investimento. E não há lei que modifique essa realidade econômica.
Vamos a um exemplo prático: o 13o salário. Getúlio Vargas é até hoje saudado por esse grande benefício aos trabalhadores brasileiros. Como se, por força de lei, as empresas passaram a pagar 1/12 a mais de salário para os seus funcionários. Bem no começo deve ter sido assim mesmo. Mas logo as empresas adaptaram a sua folha de pagamento e, ao invés de pagar o mesmo total cash em 12 parcelas, passaram a pagar em 13 vezes. O bolo é o mesmo, foi somente a quantidade de fatias que aumentou. O mesmo vale para todos os outros “benefícios” concedidos por lei: as empresas não deixam de ter o seu próprio cálculo econômico, e adaptam o que podem pagar aos seus funcionários ao determinado pela lei. No final do dia, os “benefícios” não passam de uma ilusão de ótica.
Nesse sentido, é interessante observar a forma como os motoristas e entregadores enxergam a sua própria remuneração. Digamos, por hipótese, que de ontem para hoje as plataformas concedessem um aumento de 47% na remuneração desses trabalhadores, o equivalente aos principais direitos trabalhistas. Com o tempo (e não muito tempo) esse dinheiro adicional seria incorporado ao orçamento desses trabalhadores e não demoraria muito para que voltassem a pedir seus “direitos trabalhistas”. Psicologicamente, as pessoas tendem a preferir “benefícios” do que cash, ainda que, financeiramente, sejam coisas equivalentes. Na verdade, cash é melhor, pois permite maior liberdade de escolha. Mas algum estranho mecanismo psicológico nos faz preferir os pequenos “presentinhos”.
Além disso, há a questão da disciplina. Em tese, todos os trabalhadores poderiam construir seus próprios “benefícios” a partir de seus próprios salários. Por exemplo, para ter um 13o salário, bastaria separar 1/12 do salário mensal e, no final do ano, haveria um “13o salário”. Ou se poderia reservar 8% do salário como um “seguro desemprego”, que faria o papel do FGTS. E assim por diante. Mas isso exigiria uma disciplina que poucos têm. Os tais “benefícios” ajudam a manter o dinheiro longe das mãos dos trabalhadores, o que se reverte em seu próprio benefício futuro.
De qualquer forma, não endereçamos o problema principal aqui: quem vai arcar com os 47% a mais que significariam o pagamento dos principais benefícios trabalhistas? Talvez um Uber consiga, mas estamos falando de centenas de plataformas com os mais diversos tipos de serviços. Todas elas teriam condições de arcar com esse custo adicional? Ou aconteceria o mesmo que ocorreu com o 13o salário, ou seja, a remuneração nominal diminui para que o total cash permaneça o mesmo?
Não haverá uma solução única: algumas plataformas conseguirão repassar o custo adicional para os consumidores, outras diminuirão a remuneração dos trabalhadores e outras simplesmente fecharão as portas. Uma coisa, no entanto, é certa: a lei positiva não tem o condão de mudar uma realidade econômica.
PS.: para uma parte significativa das empresas e trabalhadores brasileiros, essa discussão não faz o mínimo sentido. Com a baixa produtividade geral do trabalhador, as empresas simplesmente não conseguem colocar na mão do trabalhador uma quantidade de dinheiro mínima para subsistência E pagar os benefícios trabalhistas. Resultado: há um pacto pela informalidade, única forma de manter esses trabalhadores empregados. Como disse, a lei não modifica uma realidade econômica.