Documentários sobre a mãe natureza costumam nos brindar com cenas de tirar o fôlego. A aranha que ataca o inseto enredado em sua teia, por exemplo. Mas para se ter uma ideia exata do fenômeno, é preciso diminuir a velocidade do filme, mostrar a cena em câmera bem lenta. Vemos então, em detalhe, a fúria assassina da aranha em todo o seu esplendor.
Essa é a experiência sensorial que estamos vivendo neste momento no Brasil. A hiperinflação das décadas de 80 e 90 não nos permitia observar como o Estado brasileiro se financiava com base na inflação. A coisa era de tal maneira rápida e recorrente, que se tornava difícil distinguir os movimentos, tal como o ataque da aranha em velocidade normal.
O ano de 2021 nos permitiu ter a mesma experiência, mas em câmera lenta. A inflação foi bem acima da esperada pelos agentes econômicos e, por outro lado, os salários dos servidores públicos estão congelados. Ou seja, na prática, os salários do funcionalismo público foram reduzidos em termos reais. Por outro lado, a arrecadação acompanhou o aumento dos preços. Afinal, como já aprendemos no caso do ICMS dos combustíveis, a alíquota dos impostos é a mesma, mas a base de arrecadação é bem maior. Resultado: salários em dia e caixa em ordem.
O mesmo se pode dizer do governo federal, que vai produzir um déficit primário muito menor este ano e vai mostrar uma dívida pública bem menor do que as previsões mais catastrofistas. O segredo é o mesmo: inflação maior bombando a arrecadação e gastos com funcionalismo congelados.
Se a inflação não se acelerar em 2022, o truque se esgota. A arrecadação não cresce tanto e os funcionários públicos começam a fazer pressão por reajustes. Afinal, os caixas dos estados e da União estão em ordem. O que ainda não contaram para os funcionários é que aquele salário do passado é impossível de ser pago, o que vale e que pode ser pago em dia (por enquanto) é esse salário desidratado.
Em 2021, tivemos o privilégio de poder observar em detalhe como a inflação ataca os insetos que caem em sua teia, coisa que as pessoas das décadas de 80 e 90 não conseguiam observar a olho nu. A inflação é aliada do governo, a única forma de fazer caber suas promessas em um orçamento limitado. Pena que seja um truque que não possa ser usado de maneira recorrente.