Quando o Bolsonaro ganhar essa eleição, vão ficar se perguntando onde erraram.
Data máxima vênia
Desde o julgamento do HC de Lula, vinha procurando um trecho do voto do decano Celso de Mello que me chamou a atenção. Finalmente encontrei. Aí vai:
“É por isso que se mostra inadequado invocar-se a prática e a experiência registradas nos Estados Unidos da América, na República Francesa ou no Reino da Espanha, entre outros Estados democráticos, cujas Constituições, ao contrário da nossa, não impõem a necessária observância do trânsito em julgado da condenação criminal, mesmo porque não contêm cláusula como aquela inscrita em nosso texto constitucional que faz cessar a presunção de inocência somente em face da definitiva irrecorribilidade da sentença penal condenatória (CF, art. 5o, inciso LVII), o que revela ser mais intensa, no modelo constitucional brasileiro, a proteção a esse inderrogável direito fundamental.”
Vou repetir a última frase, que me parece a chave para entender porque estamos na m..da que estamos: “o que revela ser mais intensa, no modelo constitucional brasileiro, a proteção a esse inderrogável direito fundamental.”
Em outras palavras: a Constituição brasileira é uma das poucas no mundo (acompanhada das ilustres companhias de Portugal e Itália) que tem essa estrovenga na Constituição. Isso significa que tornar uma pessoa culpada é quase um milagre.
Note o entusiasmo do decano com esse dispositivo. Aplaude-o com entusiasmo, como se a falta de proteção da sociedade em relação aos criminosos representasse um avanço civilizatório. Países atrasados como EUA e França, na visão do excelentíssimo, deveriam seguir o exemplo do Brasil!
Com esse tipo de mentalidade, não é à toa que o Brasil é o país da impunidade. Dos vários REFIS, passando pela progressão de pena e inimputabilidade dos “de menor”, até a prisão somente após o “trânsito em julgado”, o crime compensa no Brasil.
Para nós, otários, que procuramos cumprir as leis, toda essa discussão é etérea. Provavelmente não precisaremos, ao longo de nossas vidas, dos vários recursos de que os criminosos dispõem para se livrarem da devida punição. Pelo contrário: é a sociedade que está indefesa em relação ao crime. Sob as bênçãos dos defensores dos direitos dos manos.
Recursos sem fim
As chances da virada de voto
Se há alguma chance de Rosa Weber virar o seu voto sobre a prisão após a 2a instância, esta chance aumentou muito após as declarações destrambelhadas de Gilmar Mendes ontem.
Onde estão?
Lista de senadores que assinaram pedido de manutenção do cumprimento de pena após condenação em 2a instância, entregue hoje à Carmen Lucia.
Onde estão Aécio Neves, Antônio Anastasia e José Serra?
Tire suas próprias conclusões
A AJD, Associação dos Juízes para a Democracia, que se diz apartidária, é contra a prisão depois da condenação em 2a instância.
No site da AJD, foto de evento abrilhantado com as participações de João Stédile e Guilherme Boulos.
Tire suas próprias conclusões.
Serão todos soltos?
Palavras de Moro
Não posso deixar aqui de repercutir as palavras desse grande brasileiro, Sérgio Moro, a respeito da possibilidade de revisão da prisão após julgamento em 2a instância. Destaco os seguintes trechos:
– a jurisprudência estabelecida […] é fundamental, pois acaba com o faz de conta das ações penais que nunca terminam, nas quais o trânsito em julgado é somente uma miragem e nas quais a prescrição e impunidade são a realidade.
– a presunção de inocência está relacionada à prova, ela tem que ser clara como a luz do dia para a condenação (“probationes in causa criminali luce meridiana clariores esse debent”), e não a efeitos de recursos contra julgamentos.
– E tal colocação em liberdade de condenados por crimes graves ocorreria sem qualquer avaliação dos casos concretos, das provas, ou seja, sem qualquer referência a justiça substantiva do caso. Apenas seria concedido, sem a avaliação da prova, a criminosos condenados, tempo para buscar prescrição e impunidade, à custa da credibilidade da Justiça e da confiança dos cidadãos de que a lei vale para todos.
– a presunção de inocência não deve ser interpretada como um véu de ignorância que impede a apreensão da realidade nem como um manto protetor para criminosos poderosos, quando inexistir dúvida quanto à sua culpa reconhecida nos julgamentos.
Chega de impunidade!
“A Constituição proclamou a presunção de inocência. Diz, no artigo 5º, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. É um retrocesso que se impõe em matéria de direito fundamental (a prisão antecipada), porque a Constituição está sendo reescrita de uma maneira que vai restringir o direito básico de qualquer pessoa” – Celso de Mello, decano do STF, em entrevista a O Globo.
O decano cita a alínea 57 do artigo 5o. No entanto, a alínea 78 do mesmo artigo diz o seguinte: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
Como compatibilizar as inúmeras chicanas possíveis até que o processo seja considerado “transitado em julgado” e o direito que a sociedade tem de ver um bandido na cadeia o mais rapidamente possível? É esta a resposta que foi dada pelo STF ao admitir a prisão após a condenação em 2a instância por órgão colegiado. Na boa, quem está preocupado com este “direito básico de qualquer pessoa” são os bandidos, os seus advogados e alguns ministros do STF que se apegam à literalidade de uma determinada alínea e convenientemente se esquecem de todo o resto.
Defesa do direito básico de qualquer pessoa? Qualquer pessoa quem, cara pálida? No dia em que eu for condenado em 2a instância, pode me prender, sem problemas. O cidadão honesto é quem fica desprotegido com essa “proteção a qualquer cidadão”. Chega de impunidade!
Música para os ouvidos
“Parte da responsabilidade pela instauração da corrupção sistêmica e descontrolada no Brasil foi a inefetividade dos processos criminais por crimes de corrupção e lavagem no Brasil”.
Este é o juiz Sérgio Moro, na ordem de prisão a mais dois condenados da Lava-Jato, esgotados todos os recursos na 2a instância.
Em outras palavras, a corrupção grassa no Brasil porque os corruptos não são presos, apelam e apelam e apelam até que a pena prescreva.
Moro é música para os ouvidos, nesta cacofonia que não tem outro objetivo senão o de perpetuar o estado de degradação da sociedade brasileira, com o qual alguns poucos lucram às custas da desgraça do povo.