Este é o desejo da jornalista, não a realidade. Você lê a coluna e não consegue tirar uma só linha de mudança em lugar algum. Minto. Há sim uma pseudosinalização: Gleisi afirmou que Roberto Campos Neto continua à frente do BC no governo Lula. Bem, essa é a lei. Note que Gleisi não afirmou que o PT desistiu de combater a autonomia do BC. Apenas informou aos interlocutores que vai respeitar a lei e manter Campos à frente do BC no início do mandato. Bem, só faltava dizer que não cumpriria a lei.
O ponto é que a própria coluna se contradiz, aparentemente sem notar que o fez. Cita a preocupação do novo “conselheiro econômico” de Lula, o economista Gabriel Galípolo, com a “subida mais forte dos juros”. Ora, os juros são assunto do BC, não do governo. Quer dizer, é assunto do governo, na medida em que os juros são afetados pela política fiscal. Mas note que Galípolo, de acordo com a colunista, não se mostra preocupado com o déficit, mas com os juros. Ou seja, a sua visão é de que é papel do governo tratar desse “assunto dos juros altos”, o que cheira a algum tipo de intervenção em um campo onde o BC tem, teoricamente, autonomia. E antes que digam que a preocupação do economista pode se referir ao spread bancário, leiam novamente: Galípolo refere-se à “mudança de patamar de juros” que impede o “planejamento dos negócios”. Os spreads não subiram, sempre foram altos. O que subiu recentemente foi a taxa Selic, de responsabilidade do BC. Para bom entendedor, pingo é letra.
Por fim, uma palavra sobre o novo Posto Ipiranga de Lula. Há alguns dias, escrevi um artigo sobre a ideia de uma moeda comum sul-americana, exposta em artigo de autoria de Fernando Haddad e um outro economista do PT que não nomeei. Este outro economista, co-autor da brilhante ideia, é Gabriel Galípolo. Este artigo é um bom cartão de visitas do economista. Para quem precisa “ajustar a rota na economia”, talvez não seja um bom começo.
A jornalista Adriana Fernandes dá a sua contribuição para o debate eleitoral do ponto de vista do modelo de controle fiscal a ser adotado pelo país. Pena que seja a contribuição de alguém que ouviu o galo cantar mas não sabe bem onde.
A tese central da jornalista é de que a regra do teto de gastos, da forma como está hoje, é inexequível, e dá margem a “pedaladas fiscais”, como foi o caso dos superávits primários. Portanto, seria necessária uma regra mais “flexível”, mais “moderna”, que fosse passível de ser cumprida e, ao mesmo tempo, contasse com a confiança dos credores da dívida pública. O que dizer?
Bem, em primeiro lugar, a regra dos superávits primários (que nunca foi escrita!) durou nada menos do que 15 anos! Portanto, não era tão inexequível assim. Na verdade, foi possível cumprir a regra enquanto as receitas do governo aumentavam 5% reais ao ano, cavalgando no crescimento global puxado pela China. Quando o mundo desacelerou, o governo Dilma até que tentou segurar o crescimento das despesas, mas sabe como é… Desse, modo, a regra dos superávits primários tornou-se “inexequível”, dando origem às pedaladas.
Portanto, essa história de uma regra ser ”exequível” ou “inexequível” é apenas uma outra forma de dizer que o Estado brasileiro tem pouquíssima flexibilidade para reduzir a velocidade de aumento das despesas e depende do cenário externo para se financiar. Nesse sentido, entende-se o adjetivo “pró cíclico” que a jornalista usa para a regra do superávit primário: quando as coisas vão bem, o governo tem espaço para aumentar as despesas, quando vão mal, precisa diminuir despesas ou aumentar impostos, o que piora o ciclo recessivo.
A regra do teto de gastos, por outro lado, é anticíclica: quando as coisas vão bem, a arrecadação aumenta, mas não pode ser usada para ampliar gastos. Trata-se de uma poupança forçada. Por outro lado, quando as coisas vão mal, as despesas podem continuar crescendo junto com a inflação e não é necessário aumentar impostos. Essa é a virtude principal da regra do teto, superior, nesse sentido, à regra dos superávits.
Mas mesmo tendo esse componente anticíclico reclamado pela jornalista, ainda assim a regra do teto não está boa, é “inexequível”. A proposta (e aqui entra o componente do galo cantando não se sabe onde) é uma tal “meta de resultado estrutural ajustada ao ciclo econômico”. Por trás do economês temos o bom e velho superávit primário (“resultado”), sem contar com receitas ou despesas não recorrentes, como privatizações (“estrutural”), e retirando o caráter pró cíclico (“ajustada ao ciclo econômico”). A proposta parece realmente excelente, flexível e moderna. Inclusive, tem o selo de qualidade “a exemplo do modelo europeu”. Há, no entanto, dois problemas com essa proposta, que esbarram nessa coisa chata chamada realidade.
A primeira é mais técnica: como definir o que é despesa recorrente? E, principalmente, como definir o “ciclo econômico”? A discussão dos precatórios demonstra quão difícil é definir a natureza das despesas. Auxílio emergencial por 3 anos, é recorrente ou passou a ser normal? Mas é na definição de ”ciclo econômico” que a tese encontra sua maior armadilha: qual o crescimento “normal” do país? Crescer a 1%, como tem sido a regra desde 2017, é normal ou estamos no ponto baixo do ciclo econômico? Essa é A questão relevante, pois, a depender da resposta, a regra poderá permitir a produção de déficits primários. Afinal, é preciso “estimular” a economia quando estamos na baixa do ciclo econômico.
Enfim, a coisa parece que funciona na Europa. Sim, porque lá é a Alemanha que dá as cartas. E, para os alemães, não há regras “inexequíveis”. Se há uma regra, se cumpre. Sem jeitinhos. No Brasil, e esse é o segundo problema, o tal “resultado estrutural ajustado ao ciclo econômico” somente daria mais graus de liberdade para os jeitinhos, deixando ainda mais distante a perspectiva de redução da dívida pública. O resultado serão taxas de juros mais altas, pois se os credores já desconfiam do cumprimento de uma regra rígida, imagine em relação a uma regra mais “flexível”, que praticamente institucionaliza o jeitinho.
No fundo, toda essa discussão só existe porque a sociedade brasileira quer que o Estado gaste mais. Qualquer limite sempre será “inexequível”. A única regra “exequível” será aquela que permitirá “flexibilidade” suficiente para tornar o processo indolor. É um pouco como acreditar em emagrecimento sem sacrifício. Acho que vou lançar um “método de emagrecimento com resultados estruturais ajustados ao ciclo psíquico”, em que não contam os períodos de festas e os momentos em que a pessoa está triste e precisa descontar na comida. Vai fazer um baita sucesso!
Adriana Fernandes, colunista de economia do Estadão, levanta uma bola que eu queria ter comentado nessa semana mas não o fiz por falta de tempo: a capitalização de uma estatal chamada Emgepron, vinculado ao Ministério da Defesa. Foram R$7,6 bilhões autorizados por Bolsonaro no finalzinho do ano passado.R$7,6 bilhões para construir 5 navios de guerra! Sério que esta é a prioridade do Brasil?
Em reportagem de hoje (abaixo), o Estadão traça um quadro deprimente sobre os conflitos por água no Nordeste. No trecho que destaquei, ficamos sabendo que as obras de transposição do São Francisco consumiram R$10,8 bilhões nos últimos 13 anos. Desses, o governo Bolsonaro empenhou R$1,3 bilhão. São números com a mesma ordem de grandeza da construção de 5 navios de guerra.
O problema do Brasil não é falta de recursos. É falta de vergonha na cara.
Artigo de Adriana Fernandes, hoje, no Estadão, analisa o iminente fracasso do teto de gastos e do programa de refinanciamento das dívidas dos Estados.
Diz o artigo que todos os candidatos relevantes estão atacando o teto, enquanto os Estados aguardam o próximo governo com a esperança de espetar as suas contas na União.
Se isso for verdade, as consequências serão as seguintes, isoladas ou combinadas:
aumento da carga tributária
aumento da inflação
câmbio em patamar muito mais alto
taxas de juros mais altas
crescimento econômico muito baixo
Pode imprimir este post para me cobrar daqui a dois anos.