Os movimentos supra-partidários e os partidos

O TSE reconheceu o direito de Tabata Amaral se desfiliar do PDT sem perder o seu mandato. O mesmo já havia ocorrido com Filipe Rigone, ex-PSB, no mês passado. O que há de comum nos dois casos? Ambos votaram a favor da Reforma da Previdência contra a orientação de seus respectivos partidos e ambos foram punidos pelas direções partidárias. E, o mais importante, ambos fazem parte do movimento Agora!, cujo membro mais reluzente é Luciano Huck.

O movimento Agora! forma lideranças políticas para implementar a sua agenda. Como não é um partido político, as lideranças formadas precisam se aninhar em partidos políticos já existentes. Para tanto, exigem a assinatura de uma carta-compromisso que promete a autonomia do parlamentar eleito. Ou seja, o parlamentar segue as diretrizes do Agora!, não as do partido a que está filiado. PDT e PSB (além da Rede e Cidadania) assinaram essa carta-compromisso com o movimento. E é com base nessa carta que o TSE reconheceu o direito de desfiliação desses parlamentares sem perda de mandato.

O que é um partido político? Duas coisas: 1) um agrupamento de pessoas com ideias comuns sobre como resolver os problemas da sociedade e 2) uma máquina para disputar eleições. No Brasil existe uma terceira definição, que é a de um business para enriquecer seu fundador, mas essa não nos interessa neste momento.

Tabata e Rigoni entraram para o PDT e o PSB com base em uma carta-compromisso que lhes livrava de obedecer à primeira definição acima, segundo interpretação do TSE. No entanto, usaram a máquina partidária para se elegerem. Os partidos gastaram dinheiro, tempo e recursos humanos para que eles conquistassem os seus mandatos. O mandato não é somente deles, é também dos seus partidos. Um mandato não se conquista somente com ideias, mas também com dinheiro.

Mas nem acho que seja esse o principal ponto. A questão de fundo é: se o Agora! quer manter sua autonomia política, por que não funda o seu próprio partido? Sim, eu sei, fundar partido dá trabalho. Muito melhor ficar ca… ditando regra sem precisar colocar a mão na massa. E aqui, massa não é exatamente feita de farinha de trigo. Nesse sentido, respeito o pessoal que fundou o Novo, jogando o jogo na arena, não na arquibancada.

Mas haveria uma alternativa para essas lideranças políticas: entrar em “partidos-ônibus”, onde todas as posições são aceitas. Não vai aqui um juízo de valor, pelo contrário. As grandes democracias do Ocidente são dominadas por partidos-ônibus. Para ficar em um só exemplo, Republicanos e Democratas dominam a política americana há mais de um século, e são partidos-ônibus que mantém em pé a maior e mais longeva democracia do mundo. Existem várias correntes dentro desses partidos, mais à esquerda ou mais à direita, e ninguém é expulso ou punido por votar contra uma orientação partidária. Aliás, nem existe isso de “orientação partidária”, pois seria impossível.

O mesmo ocorre no Brasil com partidos como MDB, PSDB, PSD, PP. São partidos-ônibus, que podem abrigar diversas tendências. Esses partidos nunca fecham questão em torno de matérias a serem votadas. Já partidos mais ideológicos, como PSOL ou Novo, não admitem qualquer tipo de desvio em relação aos seus programas. Talvez o grande engano de Tabata e Filipe foi achar que PDT e PSB eram partidos-ônibus puros. São, mas até certo ponto. No caso da reforma da previdência, agiram como partidos ideológicos, assim como o PT. (Aliás, no caso deste último, a ideologia é “siga o chefe”. Que o digam os parlamentares que fundaram o PSOL).

Ocorre que partidos à esquerda do espectro tendem a ser mais ideológicos nas votações fundamentais. E, por algum motivo, a agenda do Agora! casa melhor com a agenda desses partidos. Não à toa, a tal carta-compromisso só foi assinada com partidos do lado à sinistra da força, e os parlamentares do movimento se filiaram a esses partidos.

Portanto, houve uma incompatibilidade de agendas, e o TSE reconheceu o direito de a agenda do Agora! se sobrepor à agenda dos partidos, mesmo não sendo um partido. Tabata Amaral comemorou, dizendo ser uma vitória sobre os “caciques partidários”. Não foi. Foi uma vitória de sua vontade pessoal sobre a vontade da estrutura partidária a que ela pertencia. Quase a vejo falando de “Nova Política”, aquela em que os partidos são dispensáveis, restando a ligação direta entre o povo e o poder.